Ausência de pai em “O Festival dos Trovadores”, filme de Özcan Alper
Este artigo pode conter spoilers.
Que fundura de vazio pode deixar a ausência de um pai? Tema sensivelmente tratado no recém estreado filme turco O festival dos trovadores de Özcan Alper (Netflix). Yusuf, protagonista da história, confronta-se com o reencontro do pai, após 25 anos de ausência deste. Dando conta que o pai se encontra gravemente doente percebe que a viagem de carro para levar o pai ao festival de trovadores ao qual se dirige se afigura como derradeira oportunidade de encontrar algum sentido para o abandono do pai desde a adolescência e apaziguar a ferida aberta que o dilacera e compromete a sua vida emocional adulta. É um filme belíssimo sobre as marcas psicológicas que a ausência de um pai pode deixar na vida psíquica adulta e da tentativa de resgate do sentimento, edificante no humano, de ter habitado afetivamente o pai.
Incapaz de responder às questões do filho, Ali Caprichoso, o músico itinerante, mostra-se impenetrável, amputado da capacidade de se adensar na relação com o filho. Ausenta-se no olhar e nas trovas que canta para um lugar de melancolia ao qual parece estar preso. O aparente desencontro da linguagem dos dois, com Yusuf a indagar-se, apesar do tempo, existiu no pensamento do pai e o pai a falar-lhe das perdas dos pais na sua própria infância veicula as perdas traumáticas infantis que mantém o pai emocionalmente refém e estrangulam a sua capacidade de investir afetivamente o filho. Desta forma, Alper permite-se abordar a possibilidade de transmissão transgeracional do trauma psíquico, de como este se pode repetir nas gerações se não houver possibilidade de ser pensado, transformado. É deste agueiro que Yusuf pretende escapar. Percebe que tornar o lugar vazio do pai um lugar habitável, um lugar onde a sua libido não se afogue no desespero e no ressentimento é o único caminho que pode percorrer para se salvar e fazer os seus próprios investimentos libidinais.
Um filme belíssimo também do ponto de vista estético percorrendo paisagens geográficas que acompanham a intensidade e tonalidade dos afetos em cena, da aridez e vastidão da distância silenciosa entre ambos à beleza ímpar da peregrinação de Yusuf de procura do lugar sagrado que é existir no mundo interior de um pai.