Também temos o direito a viver
A 11 de setembro espoletou, em alguns círculos das redes sociais, uma notícia com um título extremamente alarmante para os jovens estudantes portugueses: “Proprietários retiram do mercado 80% dos quartos que eram para estudantes”. Embora a realidade do mercado imobiliário não fosse, à época, de todo recomendável, a verdade é que estas novas notícias, somadas ao aumento galopante da inflação e a um valor exorbitante das propinas de mestrado e doutoramento, chegam aos estudantes universitários como uma bomba prestes a explodir. A agreste realidade que grande parte dos nossos estudantes enfrenta para conseguir fazer algo tão básico e essencial como estudar acabou por, face ao novo cenário político nacional, sofrer um revés ainda maior no que concerne a efetivação de um direito constitucionalmente garantido. A opção por hipotecar o futuro de uma geração inteira de futuros trabalhadores contrasta de forma insultuosa com a indulgência com que se tratam aqueles que, perante dificuldades alheias e generalizadas, optam por arrecadar lucros extraordinários.
Durante o mês de setembro mais notícias foram surgindo em alguns espaços na internet. Umas, talvez iludidas pela benevolência dos mercados, apontavam para o crescente número de residências universitárias privadas, residências de luxos, com rendas proibitivas para a grande maioria das famílias portuguesas. Através de uma rápida pesquisa no Google, é possível constatar que numa das mais conhecidas cadeias de “hotéis para universitários” – LIV Student — os preços por quarto partilhado, ultrapassavam facilmente a módica quantia de 350 euros de renda mensal. A escalada inflacionista e a galinha dos ovos de ouro do turismo subiram as rendas, em geral, e para estudantes, em particular, em cerca de 10%, o que deixa mais de 21 mil alunos deslocados sem soluções justas de arrendamento acessível. Acresce ainda, como se esta espiral de empobrecimento não fosse já suficiente, a necessidade de muitos estudantes serem forçados a aceitar arrendamentos sem contrato — o que também os impede de recorrer aos auxílios do Estado — e a empregos precários. Tudo isto pela possibilidade de poder pagar um quarto. É um problema que arrasta tantos outros e que nos coloca numa jangada quando, em simultâneo, outros aproveitam a crise para viajar até ao espaço.
Estudar no Porto, atualmente, significa pagar 300 euros por uma despensa sem janela e ainda ter de pagar despesas da luz e água, ilibando o senhorio de qualquer responsabilidade e obrigando os jovens ou as suas famílias a fazerem malabarismos financeiros, cada vez mais inúteis, para procurar responder a esta crise que somente teima em agudizar. Estudar no Porto, atualmente, significa não teres residências universitárias públicas suficientes, enquanto o turismo consome todas as ofertas num mercado desregulado. Estudar no Porto é viver numa selva de stress e desequilíbrios sociais cada vez mais gritantes. As 12 mil camas que nos prometia o primeiro-ministro ainda não existem e, mesmo que tivessem saído do papel, nunca teriam sido suficientes para responder a esta problemática. A Universidade do Porto vende terrenos a privados ao invés de usar a sua propriedade para expandir a oferta de residências a custos controlados, almofadando um pouco toda esta conjuntura. É este constante empurrar com a barriga os problemas dos estudantes, que nos levou a juntarmo-nos com mais colegas da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e a criar um movimento que agregue todos os alunos da nossa faculdade contra a falta de políticas públicas que nos defendam. A educação e a habitação são direitos constitucionais que vemos serem-nos negados e, por isso, o Movimento dos Estudantes de Letras pela Habitação, exige que a reitoria e o governo se responsabilizem e reajam de imediato perante a falta de casas a custos acessíveis onde possamos viver. Afinal de contas, também temos o direito a viver.
Crónica de António Soares e Tomás Nery.
Movimento dos Estudantes de Letras pela Habitação – Porto