DocLisboa começa ao som de Lula Pena e com filme “Terminal Norte”, de Lucrecia Martel
Arrancou ontem o DocLisboa, o festival iternacional de cinema, que traz à capital portuguesa filmes de todo o mundo.
A sessão de abertura teve lugar na Sala Manoel de Oliveira, do Cinema São Jorge, com a atuação “Telegrama”, de Lula Pena e o filme “Terminal Norte”, de Lucrecia Martel. O evento vai decorrer até dia 16 de outubro, nas salas de cinema da Culturgest, Cinema São Jorge, Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, Cinema Ideal e Museu do Aljube.
Telegrama
“Telegrama”, de Lula Pena, apresenta-se como “ato-filme sonoro inter-espécies”, onde a cantora atua em tempo real, a par de uma projeção vídeo da sua “Codariocalyx motorius”, espécie de planta, imponente, mas singela, e protagonista central da sessão.
Num solo inédito, Pena surge acompanhada de réplica de uma lira grega antiga. No decorrer da atuação, as trepidações das cordas surgem pontuadas por breves precursões, a voz entra, pujante, mas graciosa, um pouco como o arbusto projetado na tela, instala-se um ritmo sedativo e a musicalidade transporta-nos a uma meditação terapêutica, numa experiência verdadeiramente singular, que nos fala de fragilidade, sensibilidade e resiliência, fosse a música sol e este seria um processo de fotossíntese humana.
Lula Pena é de Lisboa, mas mudou-se para Bruxelas, em 1992, a sua obra é uma mescla entre o fado e a world music e a sua discografia composta pelas obras Phados (1998), Troubadour (2010) e Archivo Pittoresco (2017). “Telegrama”, marca a transgressão da guitarra, instrumento de eleição, à lira, uma nova experiência.
Terminal Norte
Durante o confinamento de 2020, a realizadora Lucrecia Martel regressa à sua terra natal, em Salta, uma das regiões mais conservadoras na Argentina, para acompanhar a fenomenal Julieta Laso, que a apresenta a um grupo de artistas feministas.
Em “Terminal Norte”, a câmara de Martel captura pequenas atuações das outsiders, os números vão desde a música tradicional ao trap, pelas vozes e performances das nómadas Marca e Mar, também conhecidas por “Whisky” (fazem noise), Miguel Moreira, domador e bailarino, filho de Amalia Maidana (uma grande coplera), Noelia Sinkunas ou Noe, pianista e compositora, Lorena Carpanchay, a primeira complera trans do vale de Calchaquí, Michu, atriz e cantora e filha de Mariana Carrizo, a “cuteleira”, B Yami, trap rapper de Limache e o guitarrista Bubu Ríos.
A obra de Martel é um documentário íntimo que convida à experiência, sem medos ou preconceitos, e cujo discurso aborda dois conceitos fundamentais, talento e identidade. No entanto, este é, acima de tudo, um filme sobre liberdade, de ser e, por consequência, de criar. Cada protagonista é uma musa para si mesma e para as outras, o sentido de comunidade, sororidade e companheirismo é transmitido subtilmente, pelo lume dos olhares e pelo ritmo inflamável das melodias, que encantam de cena em cena. Entre as performances, todas elas fenomenais, há que destacar o trabalho de teclas de Noelia Sinkunas e o papel e voz, livre, de Lorena Carpanchay.
Nesta edição celebratória, de 20 anos de festival, o DocLisboa promete uma semana repleta de bons filmes, dando destaque, como sempre, à pluralidade de discursos e culturas. O evento prolongar-se-á até dia 16 de outubro e o programa é constituído por seis secções principais — Da Terra à Lua, Heart Beat, Riscos, Cinema de Urgência, filmes para competição nacional, internacional e, ainda, duas retrospetivas — a questão colonial no cinema e a retrospetiva Carlos Reichenbach.