A Divina Dramédia

por Leonardo Cruz,    31 Outubro, 2022
A Divina Dramédia

E eu digo:

— “London Bridge is Down”(1). Foi esta a expressão de código com que o secretário privado da Rainha de Inglaterra anunciou a morte da monarca à primeira-ministra. Já foi escolhida a frase que será utilizada quando o seu sucessor, Carlos III, der o derradeiro real suspiro: o código é “Uh eeh uh ah ah ting tang walla walla bing bang”(2).

Silêncio. 

Uma pessoa manifesta-se. De um universo de 30 e tal. A audiência não é grande, bem sei, mas 1 em 30 é uma péssima concretização.

Continuo.

Tento imitar aqueles tipos cheios de certezas que nos incomodam com Dez tipos de coisas que tens que absolutamente saber/ver/ler/aprender, etc. Vai daí:

— Cinco vogais imprescindíveis para qualquer aspirante a escritor: “A, E, I, O, U”.

Na última letra, duas ou três pessoas acenam como quem percebe a piada.

Já um pouco em pânico, procuro no telemóvel notícias curiosas ou algo do género. Encontrei a história de uma mulher que fez uma operação estética de “estreitamento vaginal”. Mostro a reportagem com a citação: “A minha vagina ficou tão apertada que chia quando ando”. A sorrir, avanço sem medos:

— Ó Joca, que barulho é este, há ratos no sótão?

— Não. É a mamã que acabou de chegar.

Digamos que não foi desta que a barreira foi quebrada.

Regresso aos cabeçalhos insólitos: “Corpo de Homem desaparecido há 10 anos encontrado em frigorífico de bar”.

— A esposa já reagiu: “Não estou surpreendida”.

Quatro pessoas reagem. OK, está a melhorar. Aos poucos isto vai lá.

— Notícia CMTV: “Na Póvoa do Varzim, trabalhador morre sodomizado pelo patrão com um ferro”. É por estas e por outras que eu defendo o teletrabalho!

Afinal não. Mas desistir não está nos meus planos.

— No passado dia 7 de Outubro, o líder russo Vladimir Putin fez 70 anos — inicio a leitura de um horóscopo no ecrã do telemóvel — Os nativos de Balança são pessoas sensíveis, comunicativas e muito ligadas às relações pessoais. De uma maneira geral são pessoas simpáticas, elegantes, que gostam de viver com conforto. São bons amigos, gostam de receber em casa e fazem de cada evento uma ocasião especial…

Cinco pessoas acharam piada. Prossigo.

— Na Grécia antiga, pénis pequenos eram celebrados e vistos como sinais de inteligência. Homens com pénis grandes eram vistos como grotescos, risíveis e bárbaros — paro de olhar o ecrã e enfrento o público — Já virem esta merda desta crenssa dos grêgos, caralho, lol?

Duas pessoas.

Desisto, já chega. Não vale a pena insistir. Vou mas é comer qualquer coisinha.

— Um restaurante em Ovar serve caldo verde com tripas à moda do Porto, fino e café por oito euros e meio. Oito euros e meio!

Dez pessoas aplaudem. A minha maior aprovação. Mas agora? Nem sequer era uma tentativa de humor…

No telemóvel surge uma fotografia do busto de Jorge Jesus desenhado numa melancia. Recordo aquela vez em que o treinador amadorense “cantou”, numa entrevista, uma música de Mariza. Hesito em arriscar outra graçola, já estava mesmo de saída. Mas não resisto: faço uma última piada com aquela imagem projetada para todos:

— Sei que o melão de mim está para chigar.

Reflito se há nesta frase algo de presságio. E não vacilo: mais vale sair mesmo. 

De uma vez por todas, está na hora de abandonar o Twitter.

— Boa noite a todos!

1) A Ponte de Londres Caiu;
2) Uh eeh uh ah ah ting tang walla walla bing bang

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