‘Mundo Interior’ – O circo português está diferente
“Mundo Interior” surge de um sonho antigo de um professor, João Garcia Miguel e um aluno, João Paulo Santos, no Chapitô. De um encenador e um aluno que se especializou na técnica do mastro chinês. No passado dia 13 de Outubro este espetáculo de circo contemporâneo, esteve no Convento de São Francisco, em Coimbra, e nós fomos ver.
Apesar de ser uma técnica centenária, os performers de mastro chinês portugueses devem poder contar-se pelos dedos das mãos. Mas não é por aí que o espetáculo começa, apesar de essa ser a fase mais interessante. Tudo se inicia numa pilha de cadeiras da escola com as pernas enfaixadas umas nas outras, umas viradas para cima, outras para baixo, outras para o lado, como se fossem um monte de entulho desorganizado.
Um único personagem (João Paulo Santos), com traços cómicos, começa a tentar chegar ao topo da pilha de cadeiras encarrapitando-se nas de baixo e nós, na plateia, quase que temos a certeza que também conseguiríamos fazer aquilo… mas é mentira. João Paulo Santos joga com a gravidade e o seu peso com muita mestria e uma delicadeza exemplar, digna daquilo que é a câmara lenta no cinema – cada movimento do seu corpo é claro e limpo, vê-se o corpo a deslizar pelo ar, em suspenso.
Um dos momentos mais curiosos do espetáculo é quando o performer começa a fazer uma pirâmide de cadeiras sobrepostas, transportando-as na subida do mastro chinês, uma a uma, seis ou sete, e depois se coloca no topo da pirâmide. A ver da plateia, dir-se-ia que há 90% de probabilidade de aquilo tudo deslizar e ele cair, mas não: ele é o homem flutuante.
De fundo há uma história que vai correndo, contando a história de um contador de histórias, às vezes de acordo e outras vezes contra o que se está a passar em palco, mas sem interferir. A voz de Miguel Borges funciona bem como paisagem sonora, envolve e torna a cena mais etérea. Diz a sinopse, e bem, que o espetáculo se trata de “um corpo em busca da sua poesia”.
É um espetáculo que dá saúde e renovação ao circo em Portugal. O circo está diferente. O novo circo, ou circo contemporâneo, tem uma linha que liga as performances, têm um pensamento lá atrás que quer um objetivo além de mostrar habilidades. O circo continua também a ter de ter perigo e técnicas difíceis de desenvolver, que demoram anos a conseguir… anos cada vez mais longos. O circo contemporâneo exige um intocável domínio da técnica, uma limpeza e um rigor que nos envolve e nos leva na sua ilusão.