‘Kid Kruschev’: a ternura ruidosa de Sleigh Bells
Sleigh Bells estão de volta, desta vez com um novo EP, Kid Kruschev, de apenas 22 minutos, prometendo preencher e surpreender o seu público. Este é o seu segundo EP, depois de 4 álbuns de estúdio desta dupla nova-iorquina: Alexis Krauss na voz, e na guitarra Derek Miller. Formados em 2008 e mais conhecidos pelo seu álbum Treats, de 2010, álbum que os afirmou com o seu som cáustico, essencial, fresco, com grande projecção e poder.
O EP está recheado de pequenos recados, mensagens e avisos, sendo um trabalho que tem o seu papel num contexto sociopolítico e mostra alguma preocupação com o mundo, principalmente neste ano preocupante de 2017. Exploram temáticas como a guerra, a sobrevivência, o amor pelo próximo; resumem narrativas acerca da perda, principalmente a perda de noção. As letras não são só palavras que soam bem juntas, na mesma melodia e harmonia; algumas fazem bem sentido e têm pernas para andar.
A música de abertura, “Blue Trash Mattress Fire”, começa com uma melodia engraçada meio videojogo, meio irreal, e pequenas saudações da voz de Alexis, sobre um crescendo sonoro bem audível, antes da explosão ruidosa da guitarra de Derek, acertando um ritmo que reconhecemos como sendo típico de Sleigh Bells. Grandes batidas, guitarras a ditar o ritmo e distorções bastante notáveis. Conforme a música vai avançando, ouve-se cada vez melhor a voz de Alexis. Tudo se intensifica, e a voz personifica também o tempestuoso som instável da guitarra, numa combinação bem lapidada. Uma música um pouco intemporal, porque pode pertencer a qualquer ano, seja no pensamento ou na imaginação.
Há uma certa beleza neste ritmo espalhafatoso, meio descoordenado, que se torna exactamente uma marca do som da banda. A voz de Alexis tem como função colar todas as partes que parecem fora de tempo e fora da imaginação. Se havia qualquer tipo de dúvida, a voz e as letras intensificam-na; se há certezas, a guitarra garante-as. Esta mistura entre o certo e o incerto traz alguma instabilidade e brevidade às músicas, num resultado propositado que também já é uma marca garantida pela banda.
A simplicidade sempre marcou o trabalho da banda, que neste EP volta a ser resultado de uma espécie de simbiose entre as texturas criadas por Derek, através da sua guitarra, e os cantares meio cheerleader de Alexis. Encontramos ritmos bastante acelerados, como se pode ouvir em “Favorite Transgressions”, a segunda música deste EP; um volume intenso e forte, que se ouve em quase todas as músicas, mas principalmente na sensual “Rainmaker”; e até também alguns apontamentos monótonos, principalmente na voz, como na música “Florida Thunderstorm”.
As primeiras três músicas mantêm um ritmo forte, bem enfatizado, com a presença típica da distorção da guitarra; as outras quatro canções têm um ritmo mais lento e deambulante, só ficando na memória pela voz de Krauss. Apesar de algo monótona, vocalmente, a música “And Saints” é uma das mais sentimentais do álbum. Mostra toda a vulnerabilidade que se acumula na voz (“I swear I’m the shell of a man”, diz Krauss) e cria tensão. Não havia melhor música para terminar o EP.
Sleigh Bells distinguem-se muitas vezes pelas paisagens labirínticas que criam, ou seja, onde a forma estrutural se sobrepõe ao conteúdo. As fortes batidas e a guitarra elétrica assumem os principais papéis, e a voz é a actriz perfeita. O ouvinte viaja num mundo de coincidências bem equilibrado, onde lhe é dado uma metade criativa e a outra metade é deixada por descobrir. Ficamos por isso nesta dança entre o perigo e a ternura, assumindo um lugar neste teletransporte para qualquer filme ou ritmo do pensamento.