‘Victoria & Abdul’ é um bom drama de época
O realizador britânico Stephen Frears regressa aos bastidores da realeza britânica depois de ter dirigido o aclamado The Queen, que valeu a Helen Mirren o Óscar de melhor actriz. Mais recentemente Frears dirigiu filmes como Florence Foster Jenkins ou Philomena, protagonizados por Meryl Streep e Judi Dench, respectivamente. É curiosamente nesse registo, protagonizado no feminino, que Frears tem tido maior sucesso, aliando a linguagem de um certo cinema televisivo com a robustez da interpretação de algumas das melhores actrizes a trabalhar na grande indústria, sempre acompanhadas por figuras masculinas, de suporte, que não oferecem a mesma profundidade nem no papel, nem no ecrã. É o que acontece também com Victoria & Abdul.
Este filme, assumidamente baseado de forma vaga numa história verídica, relata de forma episódica os bastidores dos últimos anos da monarca britânica e a sua relação de amizade com um servo mensageiro da Índia que se tornou seu conselheiro e confidente. Apesar do emparelhamento do seu título, é a rainha Victoria, interpretada com astúcia pela veterana Judi Dench, que dá o tom ao filme, quem o carrega, quem o eleva a patamares superiores do que é comum apresentar neste tipo de dramas de época e que na esmagadora maioria das vezes se limitam a cumprir um determinado caderno de encargos pré-concebido. Ou seja, pouco ou nada arriscado, preferindo deixar em branco a assinatura de autoria do seu realizador e que muitas vezes se limita a cumprir as linhas de orientação, como foi o caso de Tom Hooper em The King’s Speech.
De forma aparentemente leve e descomprometida, com tons humorísticos bastante simples que não fazem justiça ao estóico humor britânico mas que cumprem, Victoria & Abdul desenvolve alegremente os trejeitos dos bastidores da corte britânica muito graças também à agradável interpretação de todo o elenco de suporte. No entanto, disfarçadamente, e sempre que a rainha Victoria de Judi Dench dá um murro na mesa, enfrentando o racismo e preconceito dos seus conselheiros e demais funcionários reais, apercebemo-nos que Victoria & Abdul não é um mero filme descritivo. Existe de facto aqui algo que está a ser dito e criado, com pena de autor, com Frears a preencher habilmente as lacunas que os documentos históricos, insuficientes para provar a veracidade do que nos é contado no filme, nos deixaram. Julgo que caberá aos historiadores fazerem esse julgamento.
Em cinema é de louvar que Frears, britânico, tenha esta coragem, como já teve a espaços anteriormente, de expor e reflectir, sem grandes pudores, os preconceitos que pautavam o comportamento da realeza britânica no auge do seu imperialismo. Com uma linguagem cinematográfica acessível, mas sempre consciente do seu propósito, este Victoria & Abdul é um bom drama de época e um dos mais agradáveis dos últimos anos.