A urgência do combate ao desperdício alimentar
O aumento da quantidade de alimentos desperdiçados e do número de pessoas em risco de insegurança alimentar, motivaram um cozinheiro, uma médica e um advogado a desenvolver uma política pública intitulada “doar não é desperdiçar”.
Em Portugal, o número de alimentos anualmente desperdiçados não é animador. Os dados mais recentes divulgados pelo INE, indicam-nos que em 2020, Portugal está acima da média europeia, desperdiçando 1.890.712 toneladas de alimentos (o equivalente ao peso de mais de 200 mil elefantes). No mesmo ano, a DGS identificou que um terço dos portugueses se encontrava em situação de insegurança alimentar. Um número que certamente aumentou face aos últimos anos de pandemia e mais recentemente com a guerra. Nos últimos meses, perante uma inflação cavalgante, algumas notícias veiculadas pela comunicação social divulgaram a existência de medidas de prevenção de roubo de alimentos em determinados supermercados.
Este cenário, demasiado preocupante, não inibiu um cozinheiro, uma médica e um advogado de se juntarem com o objetivo de desenvolver uma política pública, que desse resposta a estes problemas. Desafiados pela Próxima Geração, Academia Política Multipartidária, foram escolhidos três Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS 2- “erradicar a fome”, ODS 3 — “saúde de qualidade” e ODS 12 — “produção e consumo sustentáveis”) e surgiu a política pública “doar não é desperdiçar”, que se concretiza em três medidas.
A primeira, visa alterar o critério legal que hoje se encontra consagrado na Lei n.º 62/2021, de 19 de agosto. Esta lei, apesar de ter apenas cerca de 1 ano e meio, encontra-se atualmente inoperacional por falta de iniciativa governamental e, por outro lado, deixa de fora grande parte dos estabelecimentos do dever de doarem os seus bens alimentares. Assim, para ultrapassar estes constrangimentos e perante uma urgência social cada vez maior, propomos que o critério legal se deva centrar numa análise a jusante da quantidade de restos alimentares desperdiçados. Deste modo, os estabelecimentos que desperdicem uma determinada quantidade de alimentos (por exemplo, no Reino Unido o critério é 5 kg/semana) estariam abrangidos pelo dever de doar os bens alimentares. Para além disso, uma vez que a medida terá impacto direto nos estabelecimentos do setor agroalimentar, propõe-se que haja um aumento dos benefícios fiscais para os mesmos. Em segundo lugar, propomos a criação de campanhas de consciencialização cívica e uma reformulação do selo “produção sustentável, consumo responsável“, do CNCDA. Por último, a terceira proposta sugere a criação de um “estatuto de insegurança alimentar”, através do qual as famílias em risco de insegurança alimentar podem ser acompanhadas pelos cuidados de saúde primários. Desta forma, cria-se um elo de ligação entre as famílias e todas as entidades autorizadas a receber, transportar e entregar aos destinatários finais os géneros alimentícios.
Estas propostas foram desenvolvidas junto dos intervenientes que atuam nesta área, através de diversas reuniões com a presidente do Banco Alimentar e a diretora do Núcleo da Maia da Refood, no sentido de averiguar se se adequavam às necessidades dos portugueses. Recebemos as sugestões de melhoria com agrado e os elogios com modéstia. No entanto, estas propostas carecem de uma intervenção legislativa, pelo que, o próximo passo será apresentá-las junto dos grupos parlamentares da Assembleia da República.
A situação é cada vez mais alarmante, não pelas latas de atum que se encontram no supermercado, reféns e monitorizadas, mas pelas nossas próprias ações que têm conduzido à produção do equivalente a 200 mil elefantes em alimentos deitados para o lixo num único ano. Está na hora de agir e monitorizar estas ações, seja ao alto nível político ou individualmente no dia-a-dia.
Crónica de João Tomé Pilão, Katerina Drakos e Vasco Vigário.
Este artigo foi desenvolvido no âmbito de um programa do Próxima Geração com propostas específicas para combater o desperdício alimentar.