‘TFCF’: o trabalho cru e incompleto dos Liars
Desde a sua formação em 2000, os Liars parecem nunca ter sido a mesma banda, tanto pela completa reinvenção sónica de álbum para álbum, como pela mudança de alinhamento. Como um quarteto, passaram pelo dance-punk de Brooklyn, tornando-se um trio para experimentar com colagens noise niilistas, devaneios electroacústicos e electrónica pura, culminando finalmente na actual formação a solo de Angus Andrew. No entanto, a sua música tem retido sempre uma aura de experimentalismo sombrio muito sui generis, assim como uma postura ao vivo e componente visual marcantes.
Para a sua primeira aventura, Angus faz uma espécie de resumo da carreira do projecto que criou, criando um álbum composto pelas suas diferentes fases musicais, ao mesmo tempo que explora algum território novo. A mistura resulta tanto nas suas virtudes, como nos seus maiores defeitos, na medida em que os diferentes estilos tornam o álbum fresco e surpreendente, mas também pouco coeso. A falta de coesão é minimizada pela produção uniforme, com um som granular que traz à mente a sensibilidade lo-fi dos primórdios dos Liars, combinado com uma redobrada atenção às texturas electrónicas. Pequenas colagens de som e interlúdios vão aparecendo ao longo de algumas canções, criando uma manta de retalhos formada pelas variadas ideias do mestre do projecto. Este aspecto confere crueza ao trabalho, mas também transmite uma certa sensação de incompletude.
“The Grand Delusional” abre o álbum com uma guitarra acústica que ecoa e a voz vulnerável de Angus. A meio da canção, a voz duplica-se numa versão robótica e surge uma batida electrónica que se poderia denominar de sensual. As duas componentes contrastantes, acústica e electrónica, criam uma antítese que funciona bastante bem, rodeada de um ambiente nocturno e rígido. O tema é muito focado, de uma forma que o trabalho dos Liars nem sempre é, antecipando algo mais sério. A seguinte faixa dissipa a maioria das dúvidas.
“Cliché Suite” é talvez aquela que mais anda numa direcção diferente. Um ritmo à espanhola, acompanhado de trompetes de touradas, pandeiretas e de uma entrega épica por parte do vocalista, vê-se rodeado de feedback e outros sons electrónicos. Ainda assim, a canção soa tão séria que acaba por dar a volta ao espectro do humor, tornando-se cómica e divertidíssima, de uma forma que não reduz a sua qualidade.
“Staring at Zero” traz de novo o ambiente da primeira canção, com uma batida electrónica tão profunda como as melhores que a banda criou outrora, contrapondo-se a mais um número de guitarra acústica que vem a seguir, em “No Help Pamphlet”. Esta última parece ser uma mensagem directa para o antigo parceiro de escrita, Aaron Hemphill, mas a sua doçura cai mal no seguimento do álbum. Por esta altura, já se entendeu que o álbum é feito de contrastes, que acabam por funcionar melhor quando se complementam.
Uma das melhores canções do álbum destaca-se pela sua produção. “Face to Face With My Face” tem sintetizadores lustrosos e uma batida que acaricia os tímpanos com o seu baixo fenomenal. Para não tornar a canção demasiado simples, Angus rodeia-la de distorção, acabando por lembrar algumas canções do álbum anterior, Mess, da melhor forma possível.
O trio de canções que se inicia em “No Tree No Branch” funciona quase como uma única canção composta por três suites, pelo foco na secção rítmica. São músicas dançáveis, que desembocam umas nas outras tornando-se mais e mais caóticas. A mais interessante é “Coins in My Caged Fist”, pelo ritmo esquizóide que a faz soar a uma espécie de punk do futuro. A voz monocórdica do vocalista enfatiza o ambiente austero e anguloso do álbum, especialmente nestas canções. Infelizmente, a força mecânica que impelem dissolve-se no duo de música ambiente desinspirada que termina o álbum.
Apesar de ser um dos trabalhos mais acessíveis dos Liars, esta não é uma audição fácil. As arestas não limadas das suas ideias fazem parte da visão de Angus Andrew, que canalizou o isolamento nesta colecção de canções de uma forma muito sua e de mérito respeitável, mas que por vezes é difícil de absorver. Após o casamento apressado consigo mesmo (ideia transmitida pela capa), virão os anos de auto-conhecimento que provavelmente darão a Angus o foco que necessita para materializar a sua visão única num produto melhor desenvolvido.