‘Coco’, o terno e vibrante retrato sobre a memória e a família
Têm sido raros os originais lançados pela Pixar nos últimos anos. Se analisarmos quais são os lançamentos que antecederam e sucederão a este Coco, então tudo é ainda mais sintomático sobre a importância deste filme. Coco aparece nos cinemas depois de Finding Dory e Cars 3, duas sequelas, e antecede os lançamentos de The Incredibles 2 e Toy Story 4. Desde Inside Out (2015) que a Pixar não lançava um filme com o conteúdo e originalidade de Coco – uma verdadeira pedrada no charco numa companhia que actualmente recicla mais do que cria.
A importância da família (ou o significado que damos a esta palavra/quem consideramos realmente “família”), a memória, a solidariedade, o perdão são valores e conceitos tipicamente natalícios que não deveriam ser esquecidos durante o resto do ano. Coco torna-se especial por isso. Apesar de estar inserido num contexto de estreias natalícias nos nossos cinemas, ser focado na cultura mexicana através do Dia de Los Muertos – e com um elenco maioritariamente mexicano -, dá-lhe uma importância que não fica estancada no contexto da época em que se encontra, tratando-se também de uma mensagem de proximidade e carinho em relação ao México que não deve ser olhada de forma leviana sobretudo se pensarmos nas mensagens políticas proferidas pelo actual presidente dos EUA durante a sua campanha presidencial.
Coco conta-nos a história de Miguel Rivera (pela voz de Anthony Gonzalez), um menino de 12 anos cujo seu maior sonho é tornar-se num músico como o seu ídolo Ernesto de la Cruz. No entanto, e apesar do seu sonho, vicissitudes do passado, ligadas à sua trisavó, fazem com que a família de Miguel proíba a música no seu seio familiar, onde todos os membros da família se dedicam exclusivamente ao fabrico de sapatos; um futuro ao qual Miguel quer fugir, apesar dos intentos da sua avó e dos seus progenitores.
Convencido que de la Cruz é o seu trisavô, Miguel decide lutar pelo seu sonho participando no concurso de talentos do Dia de Los Muertos. Para isso rouba a guitarra do músico que se encontra por cima da campa do falecido, mas ao primeiro acorde, Miguel é transportado para a Terra dos Mortos. O imaginário tantas vezes terrível e apocalíptico de um sítio como a Terra dos Mortos é aqui habilmente desconstruído pelos realizadores Lee Unkrich e Adrian Molina.
Num jogo de cores fluorescentes impressionante, os realizadores demonstram que o sítio em questão não deve ser minimamente temido, abrindo a possibilidade para o uso destemido deste local como palco para o filme, nunca descurando no entanto a importância do mesmo, nem diminuindo-o. Apesar da palete de cores animada, na Terra dos Mortos os mortos cujos familiares vivos já não os recordam são esquecidos e desaparecem. A subtileza com que a perda e a importância de recordarmos aqueles que nos são queridos (algo com que a Pixar sempre lidou, mas recordamos facilmente por exemplo em Up), atrevo-me a dizer, nunca foi tão bem tratada como em Coco pela companhia norte-americana.
Repleto de twists, cor e com uma banda sonora à altura, Coco ganha ainda todo um novo significado mais perto do final, onde a importância da bisavó de Miguel se clarifica na história à qual ela dá o nome, num toque que faz terminar o filme de lágrima cambaleante no canto do olho.
Coco é um filme de extraordinária ternura, que nos faz sair da sala de coração cheio. E bem que precisávamos disso depois da “curta” que o antecede, Olaf’s Frozen Adventure , uma irritante e longa curta-metragem (de pastosos 22 minutos) repleta de musicas sem qualquer conteúdo e cenas terrivelmente desnecessárias que resultam num enorme falhanço para esta preview do próximo capítulo de Frozen ao ponto de se falar do seu cancelamento nas salas americanas, eliminando a sua exibição antes de Coco. Um “tv special” tornado numa curta-metragem que antecede um filme. Que péssima ideia, além do conteúdo banal, mas que tem o condão de dar ainda maior valor ao filme pelo qual fomos ao cinema.