‘POST-‘: a power pop de Jeff Rosenstock não se rende a esta estranha América
A capa mostra-nos um pós – alguém que aspira o chão, um anónimo num qualquer átrio de entrada. Pós que é também, e sempre, um pré. O labor da limpeza, que se segue à última festa e antecede a próxima, é daquelas tarefas circulares que não nos permitimos dispensar. Mas POST-, título e capa, querem propor-nos algo mais. Isso nos revelam as letras incendiadas e ritmos revoltos, que assumem uma atitude política proeminente; ou não fosse convocada silenciosamente uma personagem americana incontornável ao longo do último ano, e a multidão que democraticamente a elegeu. Conhecemos a cabeça desse movimento não só pelo nome como pelas extensas listas de defeitos que acompanham a sua persona pública (e, muito provavelmente, também a privada). Os revoltados hinos pop americanos têm-se vindo a multiplicar, e são reflexo de uma assimetria ideológica no seio de um vasto e fracturado território. POST- mune os cidadãos de mais uns quantos.
A power pop de Jeff Rosenstock tem vindo a angariar-lhe uma acérrima legião de fãs. A sua personalidade irreverente ajuda, assim como a atitude artística – ao longo dos anos, decide lançar de forma independente todos os seus discos na plataforma BandCamp, no formato pay-what-you-want a partir de 0$. Não furou o esquema com este último, lançado de surpresa a 1 de Janeiro na sua versão digital, prevendo-se para o final do mês o seu lançamento físico pela Polyvinyl.
POST- é uma importante colectânea de temas pertinentes, construída a partir de temas musicais coesos e criativos. A canção que abre o álbum apresenta-se desde logo como um hino completo: seis minutos, com direito a entrada acelerada conduzida pela guitarra, a súbita quebra ao som de um teclado distópico, lento crescendo e apoteose final no regresso em força da guitarra e da bateria. Ouvimos a repetição incessante de Jeff, cada vez mais exaltada: “We’re tired and bored”.
“What’s the point of having a voice / When it gets stuck inside your throat?“. O feedback da guitarra no riff de “Yr Throat” contribui para a emoção geral; os gritos revoltados são os da metade derrotada nas urnas, num medir de forças milimétrico que, mais do que expressão de uma vontade dominante, reflecte uma fractura. Ao longo das faixas, Jeff vai reflectindo sobre as dimensões pessoal e comunitária; os conflitos internos que potenciam os externos. “Powerlessness” fala sobre isto: “How can you solve all the problems around you / When you can’t even solve the ones in your head?“.
Musicalmente, “TV Stars” é dos exercícios mais bem-sucedidos, com modelações vocais particularmente interessantes no refrão. A estrutura interna da canção é um atestado positivo à capacidade de Rosenstock em compor canções mais longas que o seu habitual. A história do punk (embora a classificação surja aqui ao nível do sub-género, e não propriamente como o manual estilístico determinador da linguagem musical) está recheada de composições curtas, ideias gritadas e condensadas num conjunto parco de pertinentes versos. Talvez por isso seja interessante observar – e sem com isto tirar o devido mérito às restantes canções, quase todas catchy – que as três faixas mais longas sejam os melhores momentos do álbum. Se tivéssemos de escolher uma quarta: coincidência ou não, recairia precisamente sobre a quarta mais longa: “9/10″, com a sua segunda metade sonhadora, pontuada com xilofones distantes.
Quando na última canção, “Let Them Win”, Rosenstock tossica para aclarar a voz após dois versos particularmente exigentes a nível vocal, sabemos o quanto se leva a sério. Isso é um bónus considerável numa carreira explosiva, em que se tem vindo a tornar cada vez mais conhecido, ao mesmo tempo que mantém o bom nível de qualidade de lançamento para lançamento. O grande trunfo e novidade de POST-, em relação ao antecessor WORRY, são os hinos de longa duração. “Let Them Win” é uma última faixa absolutamente incontornável, que serve de pretexto para podermos exigir a estreia ao vivo de Rosenstock em Portugal. Nós não sabíamos; mas o músico percebeu, e bem, que 2018 seria melhor inaugurado ao som deste energético e revolto power pop. O presidente que se acautele, porque – e assim canta Jeff – “We’re not gonna let them win“.