Teatro Maria Matos estreia “O rei zarolho” comédia negra de Marc Crehuet
As dificuldades de comunicação entre pessoas fechadas na sua visão do mundo formam o tema central da peça “O rei zarolho”, com texto e encenação de Marc Crehuet, a estrear na quinta-feira no Teatro Maria Matos, em Lisboa.
“O que acontece quando nos encontramos com pessoas com ideias e funções opostas às nossas” e as consequentes “dificuldades reais de comunicação” que daí advêm, sobretudo quando essas pessoas vivem “fechadas nos seus parâmetros de visão do mundo” são as questões na base da conceção da peça, disse à agência Lusa o dramaturgo, encenador e realizador espanhol Marc Crehuet.
A ação desta “comédia negra”, nas palavras do autor, centra-se num jantar “cheio de humor negro e tenso” com dois casais, organizado por duas amigas de infância que há muito não se viam e pretendem apresentar uma à outra os respetivos parceiros.
Uma delas, Lídia, continua a morar nos subúrbios onde cresceu, está desempregada e namora com David, um polícia de intervenção.
A outra, Sandra, uma intelectual que há muito abandonou o bairro onde crescera, está apaixonada por André, um realizador de documentários, que atravessa um “período difícil na vida”, depois de ter perdido um olho durante um ataque da polícia numa manifestação.
Logo no primeiro ato, dá-se o encontro entre as personagens opostas, David e André.
David dá-se a conhecer como polícia antimotim, e André, questionado sobre o que se passara, fala da agressão de um polícia durante uma manifestação.
Na origem deste “jantar explosivo”, segundo o dramaturgo e encenador, esteve a dúvida sobre se “seria o polícia capaz de modificar a sua atitude e comportamento” caso conhecesse “de tão perto a vítima da violência legal do seu trabalho”.
“O que se passaria se um manifestante que tivesse ficado sem um olho encontrasse o polícia responsável” por aquele ato?, interrogou-se Crehuet. Será que o polícia “mudaria” a sua atitude, o seu comportamento? Que consequências traria a situação para ambos?
“A grande questão é o que acontece quando nos encontramos com pessoas que desempenham funções opostas às nossas” e as “dificuldades reais de comunicação” com que nos deparamos quando encontramos alguém que está fechado na sua visão do mundo.
Dez anos depois de ter escrito a peça e desta ter sido representada na América Latina e na Europa de Leste, Marc Crehuet acrescentou que está agora em Lisboa, a convite da Força de Produção, que inicialmente apenas lhe pedira os direitos do texto, convidando-o depois para dirigir o espetáculo na “única vez” que foi convidado para o fazer.
O convite ocorreu também sete anos depois de o autor ter transposto a peça para cinema, “El rey tuerto” (2016), com argumento e realização que assinou.
Nascido em 07 de abril de 1978, em Santander, o encenador e dramaturgo encontra-se pela primeira vez em Lisboa. Em Portugal conhecia apenas o Porto “cidade que tinha visitado durante uma ida a um festival”.
Para escrever “O rei zarolho”, teve de se “pôr na pele” de David e André, ressalvando, todavia, que, “do ponto de vista ideológico, está mais próximo de André”.
“Pop ràpid” (2011) e “El vecino” (2019) são séries da autoria de Marc Crehuet, cujo trabalho mais recente é “Espejo, espejo”, uma comédia estreada na Netflix, em 2022, cuja trama se centra em quatro funcionários que trabalham numa empresa de cosméticos.
De momento, encontra-se a escrever o argumento de um novo filme, “El bicho” (“O inseto”, numa tradução livre), outra “comédia negra”, sem que saiba ainda quando nem onde será feita a estreia.
Neste novo filme, o autor volta a “temas que o preocupam”, desta vez, “o negócio imobiliário”, frisou.
“El bicho” é um termo utilizado em certas regiões espanholas para inquilinos e, “os ‘bichos’ mal-amados”, expressão com que os proprietários se referem a inquilinos que não conseguem fazer sair das habitações, de que detêm o “direito real, mas não do usufruto”, destinando-se a arrendamento.
Os atores Benedita Pereira (Sandra), Diogo Morgado (André), Dinarte Branco (Político), Jorge Mourato (David) e Susana Blazer (Lídia) interpretam “O rei zarolho”.
“O rei zarolho” tem tradução de Ana Rita Sousa, cenografia de Joana Sousa, figurinos de Andy Dyo, desenho de luz de Luís Duarte e assistência de encenação de Sónia Aragão.
A peça fica em cena no Maria Matos até 28 de maio, com sessões de quinta a sábado, às 21:00, e, ao domingo, às 17:00.
Hoje, véspera da estreia, haverá um ensaio solidário, com a receita de bilheteira a reverter a favor da Fundação Raquel e Martin Sain, Instituição Particular de Solidariedade Social destinada sobretudo à formação profissional de “cegos, com o fim especial de lhes assegurar possibilidades de trabalho remunerado”.