Ir atrás da liberdade
A liberdade deve ser sempre comemorada.
Especialmente em nome daqueles que ainda não a têm. Numa sociedade onde não existe liberdade não podemos pensar sobre nós, sobre os outros e sobre o mundo. A criação só é possível numa sociedade onde impera a liberdade. Da mesma forma, a psicologia e a psicoterapia só podem existir num regime de liberdade. A dúvida faz parte da criação e também da mudança. Interessam mais as perguntas do que as respostas. O crescimento e a saúde mental não está em saber-se dar respostas a tudo, mas sim, em ter-se espaço e possibilidade para questionar. O questionar está sempre de mãos dadas com a liberdade.
Há 49 anos, em Portugal, não era possível questionar em espaço público. Não apenas questionar, mas também expressar afecto por outra pessoa em espaço público. Não era possível dar um beijo a alguém que amassemos. Não era possível sermos, pensarmos e sentirmos. Quem o fizesse era punido. Num ensaio escrito por Irene Flunser Pimentel em 2021 podemos perceber como é que a PIDE funcionava. “Curiosamente, havia mais candidatos a informador da PIDE do que aqueles que a polícia recrutava.”. Queremos tanto sobreviver que muitos de nós preferem caminhar com a maré do que a questionar.
Isto aplica-se aos tempos de PIDE e aos tempos actuais.
Hoje voltamos a ver partidos populistas de direita a ganhar poder e destaque. É necessário continuar a comemorar a liberdade. E comemorar a liberdade também é continuar a cultivar uma sociedade de questionamento. Em espaço público, em espaço privado, em todos os espaços. A educação de uma criança começa em casa. É com os pais que começa a aprender a dar os primeiros passos, a relacionar-se com os outros e depois consigo mesma e com o mundo. Porém, ao crescer e ao começar a interagir mais activamente com o mundo e com os pares, a escola desempenha um papel crucial. Para além de ensinar matéria escolar propriamente dita, a escola também ensina ou deveria ensinar a pensar.
A pensar sobre o mundo. A pensar sobre o papel que eu e tu desempenhamos ou podemos vir a desempenhar no mundo que nos rodeia.
A ideia de que a liberdade é uma coisa adquirida e que não nos pode ser retirada é errada.
A liberdade é uma luta constante. As novas gerações devem estar conscientes disto.
A liberdade não é impor uma ideia sobre outra ideia. A liberdade é existir espaço para as duas ideias. A liberdade não é não ter responsabilidade. Muito pelo contrário. A liberdade implica muita responsabilidade. Quanto mais liberdade, mais responsabilidade existe. A liberdade implica sentido crítico e não é só sobre os outros é também sobre nós. A liberdade é respeitar a minha alteridade e a do outro. A liberdade é questionar, mas aceitar também a diferença. É precisamente no questionamento que nos apercebemos das semelhanças e diferenças que podemos ter com os outros. A liberdade deve ser sempre, mas sempre, comemorada. Não só em nome daqueles que ainda não a têm, mas também porque a liberdade não é coisa que se tenha e que fique. Teremos de ir sempre, mas sempre, atrás dela.
Como a Sónia Balocó diz no seu poema:
“Pensei
que a liberdade vinha com a idade
depois pensei
que a liberdade vinha com o tempo
depois pensei
que a liberdade vinha com o dinheiro
depois pensei
que a liberdade vinha com o poder
depois percebi
que a liberdade não vem
não é coisa que lhe aconteça
terei sempre de ir eu.”