Entrevista. Pietro Bartolo: “Migrantes estão a fugir de conflitos que o Ocidente criou nos seus países”
O eurodeputado Pietro Bartolo defende que a Europa tem o dever de acolher os migrantes que fogem de “problemas que o Ocidente criou” e acusa os governos de extrema-direita de cultivarem “narrativas tóxicas” sobre as migrações.
Médico de formação, o eurodeputado italiano, integrado na Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, dedica-se desde 1992 ao tema dos refugiados e já foi responsável pelo acolhimento de 250 mil migrantes na sua terra natal, a ilha de Lampedusa (sul).
Enquanto cidadão de uma das regiões que recebe o maior número de migrantes, Pietro Bartolo afirmou, em entrevista à agência Lusa, que a pressão migratória se mantém, embora no passado se tenha manifestado mais.
“Depois da Primavera Árabe [em 2011] a pressão foi maior, éramos 5.000 habitantes em Lampedusa e chegaram cerca de 7.000 migrantes“, recordou.
Esta terá sido a altura em que os locais se sentiram mais desconfortáveis com a presença de estrangeiros, adiantou.
Mas Bartolo descreve a vida em Lampedusa como harmoniosa e afirma que os habitantes locais nunca fecharam nem fecharão as portas aos migrantes, apesar de atualmente terem surgido movimentos de extrema-direita que afetaram uma minoria da população.
“Somos pessoas do mar, tudo o que vem do mar é bem-vindo. A discussão não existe porque nunca nos sentimos invadidos“, acrescentou.
Apesar da abertura da população, o eurodeputado assumiu que a questão podia ser mais bem gerida, mas essa é uma questão da responsabilidade do Governo nacional e o poder local tem feito o que está ao seu alcance para disponibilizar aos que chegam todos os cuidados necessários.
Sobre o Estado de Emergência nacional recentemente declarado pelo Governo italiano — uma coligação de direita e extrema-direita liderada por Giorgia Meloni e que inclui o ex-ministro anti-imigração Matteo Salvini — o eurodeputado classificou-o como ridículo, não acreditando que seja a solução uma vez que “não existe nenhuma invasão“.
O político afirmou que se candidatou a eurodeputado porque acredita que é necessário alterar a política migratória europeia, “sacrificando a carreira e a família para combater a narrativa tóxica dos governos de direita que entendem o fenómeno humano como um problema“.
Bartolo, eurodeputado desde 2019, afirmou ainda que do ponto de vista médico e demográfico a Europa só tem a ganhar com a chegada destas pessoas que “trazem as suas famílias e força de trabalho para um continente velho, com uma esperança média de vida aumentada e uma natalidade reduzida“.
Durante a entrevista, considerou que as últimas declarações do ministro italiano da Agricultura, Francesco Lollobrigida, sobre uma “substituição étnica” em Itália, são muito graves, considerando que “todos são resultado de misturas há milhares de anos“, o que torna a população “mais forte e saudável“.
“Não temos o direito de não os receber. As pessoas estão a fugir de conflitos que o Ocidente criou nos seus países“, argumentou.
O eurodeputado defende uma visão a longo prazo para a Europa, e deseja que os horrores que estas pessoas passam se tornem apenas numa parte da História.
“Espero que o meu trabalho na Europa dê resultados para poder dizer aos meus netos que fui útil para estas pessoas“, afirmou, observando que este o seu maior objetivo enquanto eurodeputado.
Pietro Bartolo estará em Portugal no dia 06 de maio, no Porto, para a segunda edição das “Conversas Europeias”, um evento organizado pela eurodeputada Isabel Santos.
Com o tema “Por uma política de migração e asilo de rosto humano“, o evento terá como foco principal a crise humanitária resultante das sucessivas vagas de migração, no ano em que se assinala uma década desde a tragédia de um naufrágio em Lampedusa que vitimou 130 pessoas e deixou outras 200 desaparecidas.