E a representatividade da cultura brasileira em Portugal?
Nasci de acidente, filho de mãe angolana professora bailarina que fugiu da guerra para o Brasil com um brasileiro Amazonense de 18 anos. Vim para Portugal há 18 anos para viver numa casa num bairro social, aliás num quarto da casa, junto com a minha irmã e os meus pais. Era a casa dos meus avós maternos, avô angolano e avó portuguesa que já procuravam uma melhor qualidade de vida.
Cedo, o meu pai “saiu fora do barco”, passei a vê-lo apenas aos fins-de- semana. Esses dias tinham algo de mágico, eram os dias que o meu pai tinha concertos e levava-me com ele. Fui com ele para hotéis, botecos, bares, restaurantes, festas de aniversário, eu sei lá… Tanta coisa. O meu pai tocava versões que todos amavam, ou seja, MPB, desde Caetano Veloso, Djavan, Tom Jobim, Vinicius de Morais, Elis Regina, Zeca Pagodinho, Fundo Do Quintal, Arlindo Cruz e tantos outros.
Eu vi-o anos e anos nessa rotina, alimentando as pessoas com essa música da alma, com cultura brasileira, mas sem conseguir sair dos “botecos da arte”. Cada vez que ele tentava sair desse meio, fazer um disco, um projeto, ou tentar atuar em algum festival, não era levado a sério, não havia lugar para um brasileiro na primeira liga. E quando havia era porque precisavam de preencher um momento com um brasileiro que fizesse versões de MPB. Esta não é uma luta nova, já passa de geração em geração. Anos passaram, aumentaram os músicos brasileiros, mas os lugares continuam os mesmos, os “botecos da arte”.
Das frases que nunca irei esquecer do meu pai foi que “onde eles fazem um tu tem que fazer 5” e passadas quase duas décadas como estamos nós músicos brasileiros? Como está a influência cultural brasileira nesta nova Lisboa mestiça?
Vamos ver, fui o primeiro brasileiro a viver em Portugal a assinar um contrato discográfico pela Sony Music Portugal. Deve isto ser motivo de orgulho ou devo sentir angústia por vinte anos sem mudanças? Eu acredito que é motivo de alegria e continuo a sonhar. Mas, na verdade, Lisboa e Portugal inteiro enchem-se de festas brasileiras de funk, samba, sertanejo, MPB em geral e já não é só no verão. Eu já vi essa história acontecer com a Kizomba e com o Afro-beat e derivados. A verdade é que, a nova sonoridade portuguesa é cada vez mais influenciada pela cultura dos PALOP e brasileira, a diferença é que os “filhos” dos PALOP estão tendo espaço no mercado para se manifestarem artisticamente ao ponto de termos um Dino D’Santiago a ser galardoado com prémios como melhor álbum Português, cantando muitas vezes em Criolo, sem contar com Julinho, Ivandro, entre outros que trazem sonoridades afro e estão nos artistas mais ouvidos nas plataformas digitais em Portugal. Então, onde estamos nós? Será o sotaque o problema? É altura de vencermos esse estigma.
Somos a maior comunidade de emigração em Portugal, cada vez mais, com maior poder económico e com mais importância sociocultural. É urgente a nossa representação musical, e não só, feita por terras lusas ganhar espaço em Portugal, que também já é a minha casa, e a de tantos.
A verdade é que, nas últimas duas décadas, provavelmente, nunca houve tantas hipóteses como agora. Vi a Blaya ganhar um espaço na Pop quando ninguém esperava, mais tarde vi o Maninho ganhar o mesmo, talvez não tão perto da comunidade mas com o sotaque virado para o “verde e amarelo”, o que nos faz jogar na mesma equipa, querendo ou não. Vejo artistas como o Leo Middea, Viva o Samba, Blacci, ganhar espaço em festivais, rádios, feats, a serem incluídos nessa “nova cultura” musical, num desafio, combate na linha da frente, numa representatividade que até aqui nunca existiu.
Pai, tu tens razão, continuamos a ter que “fazer 5 onde outros fazem 1”, mas espero conseguir reduzir para quatro ou talvez três, para que as próximas gerações encontrem mais facilidade, possam ter orgulho das suas raízes, sem receios, e que a representatividade, inclusão e a diversidade cheguem também à cultura brasileira em Portugal. Para que essas gerações possam sonhar sem limites de serem barrados por um sotaque, cor, ginga ou modo de interagir culturalmente nesta sociedade que também já é de todos.