O que ainda move Putin, perguntou-se no festival LeV- literatura em viagem
O mundo mudou, e o LeV – literatura em viagem, em Matosinhos, refletiu sobre as diferenças que nos assaltam em todos os noticiários.
José Milhazes, José Pedro Teixeira Neves e Paulo Moura debateram sobre “Dias que mudaram o mundo: com que lente vemos o mundo de hoje”.
Maria João Costa (moderadora) foi directa ao assunto que monopoliza a actualidade:
“O que ainda move Putin?”
José Milhazes tinha resposta pronta. É a sede de poder e o facto de viver noutra realidade, afirmou. Apontou três vertentes dentro desta ideia:
Primeiro, uma política que invade a Ucrânia é de uma incompetência absoluta.
Só na cabeça de Putin é que os ucranianos se iam render e recebê-los com flores. Um russo devia saber da capacidade de resistência de um ucraniano.
Em segundo lugar, pensava que tinha uma das maiores forças armadas do mundo. Afinal, enviam sucata para a frente de batalha.
Por último, ele quer travar o alargamento da NATO.
Temos um paranoico no poder. Nós temos de ter profunda consciência de que não pode ganhar; ele vai querer mais, tal qual Hitler. Um precedente vai levar a um efeito dominó. Uma revisão de fronteiras não pode ser feita através da guerra.
Para José Pedro Teixeira Fernandes, já estávamos num mundo em transição. A guerra na Ucrânia está a acelerar a transição para algo que não sabemos o que é. Não se trata exclusivamente da natural incerteza geopolítica.
Há excesso de informação e desinformação. Não temos a certeza da absoluta factualidade do que ouvimos. Não há forma, tantas vezes, de confirmar.
Será que a guerra da Ucrânia é mais mundial ou mais regional, interrogou-se.
“Tenho muitas dúvidas que seja mundial, como muita gente imagina.”
O crescimento vai continuar para lá do ocidente; a guerra da Ucrânia não implica que essa tendência se inverta. É preciso não perder a ideia de conjunto.
A atitude do Brasil dá-nos um barómetro de quem olha para o conflito fora do ocidente.
A luta central do poder no mundo é entre EUA e a China. Arriscamo-nos a um excesso de atenção num problema grave e perdemos a atenção sobre o resto do mundo.
A Rússia vai perder, não se sabe por quanto, mas não haverá uma vitória conclusiva.
Longe da academia e do comentário televisivo, está Paulo Moura. O jornalista que já cobriu vários conflitos conhece a guerra no terreno, entre os combatentes.
Quando se vê o exército russo na rua, como ele viu na Chechénia, percebe-se que é caricatural. Em Grozni eram muito jovens, sem ideia do que estavam a fazer, e alcoólicos. É fácil imaginar o que poderá ser na Ucrânia.
Apesar das muitas opiniões dos militares nas televisões, é incrível a incapacidade de previsão do que vai acontecer. A previsão para a Ucrânia é de curtíssimo prazo, mas não vejo como pode acabar bem, afirmou.
José Milhazes acrescentou que não se fazem previsões porque as elites não lêem quem sabe sobre o problema. Na Chechénia, morreram milhares de pessoas e a União europeia assobiou para o lado; ainda houve a Geórgia e depois a Crimeia.
É a política económica e financeira que esmaga a capacidade de reacção. Segundo Milhazes, Merkel fez com a Rússia o que o ocidente fez com a Cinha. No primeiro caso, a dependência do gás; no segundo caso, a desindustrialização. Tinham a ilusão de que haveria uma classe média e uma elite, criadas com essa riqueza, que pudessem tomar o lugar do comunismo.
A guerra é a única solução, perguntou Maria João Costa.
As pessoas que vivem numa guerra habituam-se rapidamente, encontram formas de negócio e de sobrevivência, respondeu Paulo Moura. A guerra é incluída nas vidas das pessoas e acaba por se banalizar. Não há guerra só na Ucrânia. O ocidente deixou de estar atento, mas há mais países em guerra.
José Milhazes rematou a conversa dizendo que é preciso diferenciar as guerras. Aquela que é para defender a nossa casa, a nossa família, os nossos amigos, não é uma guerra criminosa. É óbvio que pode haver crimes, mas não é criminosa.
A Ucrânia está a defender-se.
Temos de discernir sobre o que é violador e violado.