Fim dos insetos polinizadores acabaria com maior parte dos alimentos, alerta bióloga Carla Rego
O desaparecimento das abelhas e outros insetos polinizadores seria também o fim da maior parte dos produtos alimentares, diz a bióloga Carla Rego, que alertou ontem para uma diminuição mundial dos insetos.
Em entrevista à Agência Lusa a propósito do Dia Mundial da Abelha, que se assinala no sábado, a especialista, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Entomologia, alertou para os problemas para a humanidade decorrentes da diminuição do número de insetos e manifestou também preocupação sobre o impacto dos antibióticos do gado bovino na fauna que promove a decomposição dos dejetos.
“Não temos a consciência do problema que isso pode ser”, afirmou, lembrando que a Austrália já teve que importar insetos, quando se deu conta de que os dejetos das vacas não eram decompostos, criando um problema de saúde pública.
“Ainda são estudos, mas há provas de que é um problema que temos de encarar nos próximos anos”, disse.
O Dia Mundial da Abelha foi proclamado pela ONU e destina-se a sensibilizar a população mundial para a importância das abelhas e de outros polinizadores.
Segundo Carla Rego, que coordena o projeto da primeira Lista Vermelha dos Invertebrados em Portugal (os insetos são um dos grupos de invertebrados), em Portugal há pelo menos 740 espécies de abelhas, embora oficialmente sejam 724.
E acrescenta que se conhece ainda mal o mundo dos insetos do país, como também não há dados que comprovem a diminuição dos insetos, que é patente pela observação. Como exemplo aponta as viagens de automóvel, em que no passado, ao contrário de hoje, deixavam o para-brisas cheio de insetos.
Científico, diz, é o facto de 70% a 80% da flora mundial depender da polinização por insetos. E se em alguns países a polinização possa ser feita também por aves e morcegos Portugal depende quase exclusivamente dos insetos.
É certo, lembra, que a polinização acontece por vezes de outras formas, como através do vento, mas há exemplos, como o morango, em que os frutos são maiores e conservam-se mais tempo quando a polinização é feita pelos insetos.
Os morangos são uma das frutas que precisam de polinizadores mas há muitas outras plantas a depender deles. Segundo Carla Rego, entre 57% e 60% das plantas cultivadas. Grande parte dos produtos à venda nos mercados desapareceria com o fim dos polinizadores.
“Sem polinização não teríamos alimentos”, diz Carla Rego, alertando para a assustadora diminuição de insetos no mundo, incluindo os polinizadores. A China, recorda, “foi dos primeiros pontos do globo a confrontar-se com a ausência de polinizadores, devido ao uso indiscriminado de pesticidas, e já são pessoas que estão a fazer a polinização”.
Também já estão a ser desenvolvidos pequenos drones para fazer a polinização, uma situação que a bióloga considera “caricata”, porque o natural devia ser a natureza fazer esse trabalho.
Informação da União Europeia compilada em 2019 e depois atualizada indica que a “grande redução” de colónias de abelhas representa uma “crise global”, e relembra que os insetos polinizadores são essenciais para os ecossistemas e para a biodiversidade. Menos polinizadores é sinónimo do declínio de plantas e de impactos na segurança alimentar.
A União Europeia já tem iniciativas de defesa dos polinizadores, sendo uma delas a redução em 50% da utilização de pesticidas químicos mais perigosos.
Dizendo que a informação disponível aponta para um “claro declínio” das populações de polinizadores, a União Europeia cita investigações que indicam que uma em cada 10 espécies de abelhas e borboletas está em risco de extinção na Europa.
Alterações do uso dos solos, agricultura intensiva, pesticidas, inseticidas e herbicidas e espécies invasoras podem ser causas que levam à diminuição de insetos. A estas, Carla Rego acrescenta as alterações climáticas, havendo espécies com menos tolerância térmica, os fenómenos climáticos extremos, ou a poluição atmosférica e o excesso de luz artificial.
A responsável, do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3C), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, admite que com a publicação da Lista Vermelha algumas espécies vão ter o estatuto de proteção.
“Temos consciência de que o nosso bem-estar depende da preservação dos ecossistemas e em grande parte dos insetos, que tentamos ignorar. Estes seres são muito importantes em muitas facetas, da reciclagem de nutrientes à produção alimentar”, adianta.
Os insetos são também uma parte importante da cadeia alimentar. Em 1962, o livro “Primavera Silenciosa” alertava para o desaparecimento de aves devido ao uso indiscriminado de DDT, um pesticida. “O que presenciamos agora é muito mais complicado, há uma diminuição de aves muito possivelmente devido ao desaparecimento do alimento insetos”.
Nas últimas décadas, acrescenta a bióloga, os humanos estão cada vez mais alheados da natureza, não gostam dos insetos nas suas casas, “só se preocupam com o que pode ser doentio e esquecem-se que eles fazem parte de um ecossistema”.
É preciso, diz, fazer um trabalho de sensibilização em relação aos insetos, e fazê-lo sobretudo nas escolas.
Na segunda-feira, para se assinalar o Dia Internacional da Diversidade Biológica, proclamado pela ONU, realiza-se em Lisboa um seminário sobre a importância da escola nesta matéria, promovido pela Associação Portuguesa de Educação Ambiental.
Ontem, a marca alimentar Nestum ofereceu 300 núcleos de abelhas-rainha a apicultores portugueses. Desde 2021 já ofereceu mil colmeias, o equivalente a 50 milhões de novas abelhas no país, especialmente para zonas afetadas por incêndios.