Entrevista. Sociedade brasileira não está preparada para discutir aborto e educação sexual, afirma Cida Gonçalves
A ministra das Mulheres do Brasil, Cida Gonçalves, considera que a sociedade brasileira não está preparada para discutir temas como a interrupção voluntária da gravidez ou a educação sexual.
“Eu acho que é uma sociedade que não está preparada“, disse a governante, em entrevista à agência Lusa, em Brasília, frisando, por outro lado, que o Estado brasileiro tem de estar preparado para “avançar em diversos aspetos“.
Antes de se discutirem temas como a interrupção voluntária da gravidez, o Brasil deve fazer valer a legislação já em vigor, disse, considerando que “o Governo anterior trabalhou para que não houvesse serviços que atendessem as mulheres nesses casos“.
“Estamos com a maioria dos serviços completamente destruídos”, disse.
No país, o aborto legal só é autorizado em três situações: violência sexual, risco de vida da mãe e anencefalia fetal.
“Os serviços de saúde no Brasil não trabalham só a questão da interrupção da gravidez, trabalham toda a contraceção de emergência“, começou por explicar Cida Gonçalves.
Mas, no país, a maioria das pessoas não vão ao serviço público porque têm medo de ser criminalizadas, “têm medo de responder como assassinas“, explicou.
O objetivo do Governo, sublinhou, passa por recompor o quadro de uma rede de atendimento às mulheres vítimas de violência sexual de serviços de contraceção de emergência após a violação.
“Nós precisamos trabalhar para que os profissionais possam fazer o atendimento sem medo de serem criminalizados, nós precisamos fazer com que as mulheres acreditem no estado e no serviço brasileiro”, disse a ministra.
O mais importante, frisou, é que “a sociedade comece a entender que no caso da interrupção o serviço de aborto é legal, é um direito da mulher, porque ela foi violentada“.
De acordo com uma sondagem realizada em 2022 pelo instituto Datafolha, 32% da população concorda com a total restrição da interrupção da gravidez no país, quatro em cada 10 brasileiros acredita que a lei não deve sofrer alterações, 18% acredita que o aborto deve ser permitido em mais situações e apenas 8% defende que o aborto deve ser permitido em qualquer situação.
A diferença entre a opinião de homens e mulheres é praticamente residual: 31% do público masculino e 33% das mulheres afirmam que o aborto deve ser proibido em qualquer caso.
“A maioria de professores tem sofrido perseguição de pais, de alunos quando discute a questão de género, quando discute a questão da igualdade“, denunciou a ministra.
A questão da gravidez na adolescência é um caso que tem de ser discutido dentro da sociedade brasileira, na família, na escola, na igreja, considerou Cida Gonçalves.
“Uma criança que sofre, que está grávida, é uma violação de direitos no Brasil, é uma violência sexual e é crime“, disse.
“E nós não orientamos essas crianças de que isso é crime, então nós deixamos elas mais vulneráveis“, sublinhou.