Reportagem. Dos rankings, do ensino secundário ao ensino profissional: o que falta no acesso ao ensino superior?
Constatou-se que nas escolas secundárias que contam com um alto nível de ensino profissionalizante, estas terão uma tendência para constar no final dos rankings, uma vez que o número de exames para ingressar no ensino superior é tendencialmente reduzido, ou muito reduzido, como no caso da Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar. Quanto aos alunos da via profissionalizante, nas escolas secundárias, poderão ingressar no ensino superior, mas em conversa com o IAVE, o instituto responsável pela elaboração dos exames nacionais, o organismo revelou que ainda não lhe foi encomendada uma prova de acesso específica para o ensino profissional. Pedro Freitas, investigador e especialista em economia da educação pela Nova SBE, explica que os Institutos Politécnicos poderão ter um papel fulcral em ajudar a estabelecer uma ponte mais sólida entre o ensino profissional e o ensino superior.
A Comunidade Cultura e Arte (CCA) foi à procura de respostas a estas questões: O que é que alguns dos agrupamentos escolares e escolas secundárias em contextos mais desfavorecidos têm a dizer sobre os rankings, os exames nacionais, e o peso destes nas médias de conclusão do secundário? Quais os desafios que enfrentam na preparação de alunos que, muitas vezes, provêm das classes sociais mais baixas? Qual o papel da via profissionalizante do ensino e como é visto? Será que ainda há preconceito contra este tipo de ensino? O que é que o IAVE (Instituto de Avaliação Educativa), entidade responsável pela realização dos exames nacionais, tem também a dizer e quais os desafios que enfrenta ano após ano? E quanto aos próprios alunos? Será que se sentem valorizados? Como olham para a inflacção, a subida das rendas, e para as notícias que avisam que a diferença salarial entre licenciados e não licenciados tende a diminuir? Será que os rendimentos familiares interferem na escolha da faculdade na qual os alunos pretendem ingressar, caso sigam a via universitária?
Dessa forma, a CCA falou com alguns agrupamentos escolares que têm surgido nos últimos lugares dos rankings anuais e que se encontram em contextos sociais desfavorecidos, como também com outros agrupamentos que têm conseguido bons resultados. Falou com o próprio IAVE, especialistas de educação e, como não poderia deixar de ser, com alguns estudantes do 11.º e 12.º anos que se preparam para o seu início de vida pós-ensino obrigatório.
Os rankings escolares: serão justos para as escolas em contextos mais desfavorecidos ou que ficam em último lugar? Quais as vantagens e os seus desafios?
As médias dos exames nacionais dos agrupamentos escolares que são publicados pela imprensa portuguesa podem oscilar, dependendo do jornal que dá os resultados. Por exemplo, um dado grupo de comunicação pode avançar que o agrupamento escolar com piores resultados de um distrito é um, enquanto que outro grupo de comunicação pode avançar que o pior agrupamento escolar desse mesmo distrito é outro. Estas diferenças terão a ver, também, com as instituições com as quais os grupos de comunicação colaboram e o número de exames que as instituições contam para as médias.
Os rankings publicados anualmente pela imprensa portuguesa, podendo haver pequenas oscilações nas médias dos exames dos agrupamentos escolares, dependendo do grupo de comunicação que publica os resultados (esta reportagem vai explicar o porquê), dizem-nos quais as escolas básicas e secundárias com melhores e piores resultados. Há quem defenda e critique estes mesmos rankings, e quem refira que são necessários porque se trata de um direito ter acesso a esta informação mas, mesmo assim, precisam de melhorar alguns aspectos, como uma melhor inclusão do contexto social das escolas. A verdade é que, também, temos assistido à inserção de novos indicadores, como o da equidade e superação, que oferecem mais contexto sobre os agrupamentos escolares. Como Pedro Freitas, investigador da Nova SBE (Nova School of Business and Economics) e especialista em economia da educação, explicou à CCA, “o Ministério da Educação fecha os dados relativamente ao ano anterior, dispõe-nos aos jornalistas que os trabalham e que depois publicam os rankings após um período de embargo“, revelou.
Mas o que dizem os directores de alguns agrupamentos e escolas secundárias em contextos mais desfavorecidos? Ana Rangel é directora da Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar, escola essa que, desde 2009, foi integrada no “Projecto TEIP”, programa governamental que, tal como explica a Direcção Geral da Educação (DGE) no seu sítio online, se localiza “em territórios económica e socialmente desfavorecidos, marcados pela pobreza e exclusão social, onde a violência, a indisciplina, o abandono e o insucesso escolar mais se manifestam“, esclarece-se. Este programa tem como “objetivos centrais a prevenção e redução do abandono escolar precoce e do absentismo, a redução da indisciplina e a promoção do sucesso educativo de todos os alunos“, complementa-se ainda.
A Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar é, portanto, “um território educativo de intervenção prioritária“, como avisa Ana Rangel. No ranking que saiu este ano (2023), que diz respeito aos resultados de 2022, a escola ficou no lugar 509, nos jornais que fizeram lista em parceria com a Católica Porto Business School; no lugar 432, nos grupos de imprensa que se associaram à Nova SBE; e no lugar 548 nos jornais do grupo da Global Media, não chegando a ser cotada pelo grupo Imprensa na posição geral do ensino secundário, mas somente no ranking do ensino profissional, ficando aí no lugar 43, num total de 688 escolas. Não foi cotada também pelo grupo Renascença e, quanto ao grupo Cofina, não realizou rankings este ano. A média conseguida nos exames pela Católica Porto Business School foi de 10,06; pela Nova SBE a média foi de 11,16 e, pelo grupo Global Media, foi de 10,21.
Para Ana Rangel, a directora da escola, quanto aos rankings, lançou o desafio, “é óbvio, quer seja a escola, quer seja o colégio em primeiro lugar, seria uma experiência social interessante trocarmos os alunos, para vermos se tem a ver com a escola em si, ou se tem a ver com os alunos e com as expectativas dos alunos que frequentam as escolas“, rebate. E complementa ainda, “obviamente, os rankings reflectem, acima de tudo, as expectativas daqueles alunos, mais do que a qualidade das escolas. Claro que é fácil ser um bom professor, com bons alunos. Acho que aí ninguém tem dúvidas. O difícil é ter bons resultados com alunos que, logo à partida, dizem: “mas eu não quero estudar, eu ando na escola porque sou obrigado“, diz.
O ensino profissional tem também um grande peso nesta escola secundária, aliás, desde há 20 anos que escolas secundárias oferecem cursos profissionalizantes, tal como uma escola profissional pode oferecer. Se olharmos para o final da tabela dos rankings em geral, por exemplo, aparecem mais algumas escolas dentro desse contexto como, por exemplo, a Escola Secundária da Baixa da Banheira, Moita; a Escola José Cardoso Pires, de Loures; a Escola Secundária Marquês de Pombal, de Lisboa; a Escola Secundária D. Afonso Sanches, de Vila do Conde; e a Escola Básica e Secundária da Rebordosa, de Paredes, entre outras. Num panorama geral, não se poderá dizer que todas as escolas em contexto desfavorável ou no final da tabela pendem para um peso maior do ensino profissional face ao ensino científico-humanístico, mas se o foco pender para as escolas secundárias, ou básicas e secundárias cuja percentagem do ensino profissional que oferecem acaba por ser superior ao ensino científico-humanístico, então haverá uma tendência a serem escolas com poucos exames nacionais, porque a maioria dos alunos poderá pretender seguir a via laboral, e estando em contextos intermédios a desfavorecidos, salvo algumas excepções.
Por isso, haverá um pendor para ficarem ou no final na tabela, ou sem classificação dado o número mínimo de exames. No leque de escolas referido, estas escolas seguem todas, de uma forma ou de outra, este padrão, se atentarmos no ranking da Católica Porto Bussiness School referente a 2022. São a excepção a Escola Secundária Marquês de Pombal, que surge assinalada pelos rankings da Católica Porto Business School referente a 2022 como sendo de um contexto favorável, mas com apenas 24 provas e média negativa de 8,82 nos exames, não chegando a ser cotada no ranking da Católica. As escolas secundárias José Cardoso Pires e D. Afonso Sanches têm, respectivamente, 116 e 224 provas, estando a Escola José Cardoso Pires no final da tabela na posição 570 e assinalada como pertencente a um contexto desfavorável, e a escola D. Afonso Sanches assinalada como estando num contexto intermédio, mesmo ocupando a posição 239.
Nas primeiras 200 escolas do ranking elaborado em parceria com a Católico Porto Bussiness School, por exemplo, no que concerne a escolas públicas profissionalizantes, a tendência é estarem em primeiro lugar escolas artísticas, dedicadas às artes visuais ou música, que têm pré-requisitos para a entrada dos alunos ou provas de admissão. Daí, logo no lugar 12, aparecer a Escola Artística do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian. Já no lugar 78, surge a Escola Artística António Arroio e, no lugar 137, a Escola Artística Soares dos Reis. Escolas secundárias em termos de ensino generalista que pendem para um maior ensino profissional, aparecem apenas duas nos primeiros 200 lugares: a Escola secundária de Estarreja, no lugar 114, mas já com um número de 228 provas e em contexto favorável. Surge, depois, a escola básica e secundária Eng.Dionísio Augusto, na posição 183, com 72 provas, em contexto desfavorável.
No que concerne a escolas deste contexto, assinaladas em contexto intermédio/desfavorável e com um menor número de exames, tendencialmente estarão no final da tabela ou não serão cotadas como, por exemplo, a própria Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar apenas com 54 provas em 2022 ou, então, a Escola Básica e Secundária de Rebordosa que não surge classificada e apresenta 27 exames no ranking deste ano. Para escolas dentro deste contexto, o número de exames que apresentam pode ser uma desvantagem para a cotação, ou uma boa cotação do ranking. Tal, no entanto, parece não ser tão significativo para escolas privadas, colégios ou institutos ou escolas só com um ensino especializado como as escolas artísticas, que conseguem ter maior controlo sobre a entrada dos seus estudantes, nem que seja por requisitos específicos, como no caso das escolas artísticas públicas.
Daí se compreende que, por exemplo, a Escola Secundária de Estarreja, no lugar 114, tenha já um número de 228 provas e, as primeiras três escolas secundárias a aparecer no ranking da Católica Porto Bussiness School tenham, respectivamente, 122, 665 e 551 provas. Os rankings, por si só, não dão a informação sobre a percentagem de ensino profissional e ensino científico-humanístico que as escolas secundárias leccionam, à excepção do ranking do grupo imprensa que disponibiliza, então, o ranking do ensino profissional. A informação pode ser encontrada, no entanto, no site governamental infoescolas e, foi a partir daí, que se guiou esta análise. É importante salientar, porém, que os últimos dados disponibilizados pelo Infoescolas referem-se ao ano lectivo de 2020-21, podendo, desde então, haver algumas pequenas alterações.
É por todas estas questões, no entanto, que um membro da direcção de uma escola secundária que se inclui nestas características, enfatizou anonimamente que são poucos os alunos da sua escola que fazem exames, por serem mais os que pretendem seguir uma via profissional. Complementado que, embora os rankings possam ser úteis para uma mediação, o lado publicitário das escolas que surgem em primeiro lugar acaba por se destacar. Esclarecendo que, muitas vezes, se compara o incomparável.
A directora da Escola Secundária José Cardoso Pires, escola assinalada em contexto desfavorável pelo ranking da Católica, dá uma outra perspectiva: “O que se passa aqui com a realidade do agrupamento é que estamos, nós e outros aqui em volta, a receber alunos vindos de fora, portanto, são alunos que têm uma integração mais lenta, por causa da barreira da língua. Comparando a nossa realidade com as outras escolas, torna-se impossível termos bons resultados académicos. Até ao final do ano lectivo, nós estamos a receber alunos. Portanto, há aqui entradas e saídas constantes de alunos, o que faz com que não tenhamos uma estabilidade que permita, depois, nos rankings, estarmos equiparados a outras escolas que têm uma realidade completamente diferente“, explica. Pelo Infoescolas, o ensino profissional representava, na Escola Secundária José Cardoso Pires, no ano lectivo 2020-21, um peso de 52,3%, enquanto que o ensino cinetífico-humanístico representava 47,7%. A directora explica que estes valores já não serão os mesmos, mas que os dois tipos de ensino estão bastante equilibrados e “ela por ela“, refere. Quanto aos exames realizados por cada escola, nesse campo o Infoescolas já disponibiliza os exames que cada escola fez em 2022, o ano que os últimos rankings publicados dizem respeito. Mas até neste campo haverá que ter contexto. Pelo Infoescolas, a Escola Secundária José Cardoso Pires apresentou um total de 87 exames feitos, porque apenas conta os alunos internos. Os rankings da Nova SBE referem que a escola realizou 64 provas por contar apenas quatro discplinas e, pelo ranking da Católica Porto Bussiness School esse valor subiu para 116 porque valida para a sua contagem oito exames.
Como se depreende nas médias de exames apresentadas nesta reportagem, tendo em conta a Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar, por exemplo, ou até a contagem do número de exames, como se viu pela Escola Secundária José Cardoso Pires, já se torna perceptível que as diferentes opções na elaboração das médias influem em diferenças de valores, mesmo que em pequenas décimas, e até na ordem das escolas. Numa análise dos resultados deste ano do distrito de Bragança, por exemplo, a CCA constatou que um grupo de comunicação avançou que a escola com pior média era a Escola Secundária de Alfândega da Fé, enquanto que os restantes grupos avançaram que a pior escola era a Escola Secundária de Carrazeda de Ansiães. Enquanto a Escola Secundária de Alfândega da Fé aparecia em último lugar no grupo Global Media, com uma nota de 9,52, num total de 12 escolas do distrito; no grupo em parceria com Católica Porto Bussiness School aparecia em penúltimo lugar, com uma nota de 8,88, por exemplo. A Escola Secundária de Carrazeda de Ansiães teve uma média de 9,69 no grupo Global Media e, com a Católica Porto Bussiness School, teve uma média 8,85. As diferenças não são grandes ou, sequer, significativas a nível estatístico entre as duas escolas, mas a questão impõe-se, principalmente para a imprensa regional que, grosso modo, não está nos grandes grupos de comunicação nacionais ou não tem parceria com as escolas superiores ou institutos de economia do país, que auxiliem na elaboração do ranking mas que, mesmo assim, a sua notícia sobre a melhor ou pior escola do distrito será a que terá mais impacto local, assim como a escolha do instituto, ranking a noticiar. Tal não significa que os rankings estejam errados, apenas que há factores que interferem nessas diferenças. Por exemplo, a Global Media conta para a média a nota das dez disciplinas com maior número de exames e só conta as escolas secundárias que fazem, pelo menos, dez provas. Já o grupo que fez o ranking com a Católica Porto Bussiness School contou para a média as oito disciplinas com mais exames e as escolas com, pelo menos, 54 provas. Tal como Pedro Freitas explicou, são estas as nuances que podem ditar as diferenças, e que já foram percepcionadas pela análise para esta reportagem, “jornais diferentes e depende, também, da instituição onde se faz os rankings. Por exemplo, o Público tem feito com a Católica [Católica Porto Business School] e o Observador tem feito com a Nova SBE“, referiu. Mas complementou mais dois motivos, “primeiro, o número mínimo de exames que é considerado, por exemplo. Há vários rankings que consideram o número mínimo de 15 exames, que tendem a descartar escolas muito pequenas, porque escolas muito pequenas fazem dois ou três exames numa disciplina e isso não quer dizer nada. Depois, há outras questões mais finas como, por exemplo, se é aluno interno ou se é aluno externo, portanto, tem a ver com o número mínimo de exames e o facto de se contar os alunos internos e externos, que podem fazer com que as notas oscilem em algumas décimas, digamos assim.“
Mas ressalva que o mais interessante, ao invés de se apresentar os rankings como uma hierarquia da melhor e pior escola, “porque em muitos casos, o que difere o primeiro do segundo lugar, o penúltimo do último lugar, são apenas décimas que, do ponto de vista estatístico, pouco contam“, como explica, seria, antes, apresentar as escolas por grupos: “este é o grupo de 5% de escolas com melhores resultados, este é grupo de 10% de escolas com melhores resultados. Se reportarmos assim, estas pequenas diferenças deixam de importar porque estamos a olhar para grupos de escolas: ‘5 por cento de escolas melhores, 5 por cento de escolas piores“, exemplifica. A seu ver, desta forma, “essas questões desaparecem. Essas diferenças podem existir mas estão diluídas num grupo“, justifica. E corrobora que o melhor seria sempre dar prioridade ao contexto social das escolas, com os dados que o Ministério da Educação já fornece, mas que a solução jamais seria deixar de publicar os rankings. Por isso questiona: “Deixar de ter rankings melhora? Temos evidências de que não melhora. Os pais têm direito à informação? Os pais têm todo o direito à informação para decidir onde pôr os filhos consoante a informação que têm. Em terceiro, se há escolas com piores resultados, então a obrigação do sistema é reagir e ajudar estas escolas a obter melhores resultados“, refere. Exemplifica ainda que no País de Gales, durante um período, “finais dos anos 90, inícios dos anos 2000“, deixaram de publicar os rankings, “ao contrário da Inglaterra que decidiu continuar a publicar”, explica. “O que aconteceu às piores escolas do País de Gales?“, pergunta. “As piores escolas, simplesmente, tornaram-se ainda piores, porque deixou de haver qualquer mecanismo externo que assinalasse, claramente, os resultados daquelas escolas. Portanto, o mecanismo de incentivo que fazia aquelas escolas trabalharem para terem um resultado melhor, do ponto de vista da exposição externa, deixou de existir. O resultado foi pior ainda“, avançou.
Posição semelhante à de Pedro Freitas tem Luís Santos, presidente do Conselho Directivo do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE). Em conversa com a CCA, revelou que “é favorável à transparência” e que todos devemos conhecer os resultados para que, pelas suas palavras, “possamos fazer com os resultados o que quisermos. Os jornais e a opinião pública têm todo o direito em conhecer os números“, avança Luís Santos. Mas complementa ainda que “ao fazermos um ranking apenas pelos valores absolutos que as escolas atingem nos exames nacionais, estamos a ser muito simplistas e a reduzir um sistema que é extremamente complexo, como se deve calcular, e estamos a ser muito redutores quando olhamos apenas para um ranking de classificações em sede de exames nacionais“, aponta. E conclui, “essa é que é a grande crítica, se pegarmos nos números e fizermos apenas isso. Concordo que os dados sejam públicos sempre, nós somos pela transparência total, somos pela prestação de contas. Agora os jornais, e têm feito isso, têm de fazer uma análise mais contextualizada do desempenho das escolas. Não pode ser por um simples valor da classificação de exames que é importante conhecer, mas que tem de ser contextualizado. O que é comparável, é comparável, o que não é comparável não podemos comparar“, afirma.
Já vimos algumas idiossincrasias próprias de algumas escolas que tendem a ficar no fim da tabela, mas o que dirá o director de uma escola, como a Escola Secundária de Miranda do Douro, que ficou em primeiro lugar em todos os rankings, no distrito de Bragança, conseguindo constar nos primeiros cem lugares? A primeira reacção de António Santos, o director do agrupamento local, foi a de relativizar: “Gosto sempre de relativizar estas questões, em primeiro lugar porque isto não é uma corrida, porque todos os anos são diferentes. Temos professores que, felizmente se vão mantendo, mas temos algumas mudanças. Há anos que são melhores, em que temos melhores equipas, em que temos grupos mais bem preparados, mas os resultados acabam por ser melhores. Outros anos, isso não é possível e não conseguimos“, explica. Revela que ficou satisfeito pelo resultado, por se provar que quando há condições se consegue, mas não deixa de referir, tal como os entrevistados anteriores que, por vezes, “se compara o incomparável“, refere.
Os desafios do ensino profissional face ao ensino regular
Ainda não foi encomendada ao IAVE uma prova de avaliação externa que fosse adequada, directamente, aos alunos do ensino profissional. Organismo revela que se encontra a desenvolver um estudo com a OCDE para avaliar as competências específicas de alguns cursos profissionais.
Como já havia avisado a directora da Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar, integrada no projecto TEIP, o ensino profissionalizante tem neste estabelecimento de ensino um grande peso, o que também se repercutirá nas expectativas dos alunos.
No caso desta escola há um alto número de alunos a beneficiar de acção social escolar. No entanto, pelos dados disponibilizados pelo Infoescolas, percebemos que há um número reduzido de alunos a realizarem exames neste estabelecimento de ensino. Em 2022, o Infoescolas aponta que só na disciplina de português é que a escola conseguiu ter mais de dez alunos internos a realizar um exame nacional, mais concretamente 18 alunos. Nas restantes disciplinas, o número de exames efectuados ficou sempre abaixo da dezena, entre um a sete exames, por disciplina.
No entanto, se olhamos para o histórico de alunos inscritos no ensino profissional e nos cursos humanísticos, o Infoescolas demonstra que, por exemplo, no ano lectivo de 2020-21, só 87 alunos se encontravam inscritos no cursos científico-humanísticos ao passo que, nos cursos profissionais, se encontravam inscritos, na mesma escola e no mesmo ano lectivo, 113 alunos. Ou seja, na Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar, no ano lectivo 2020-21, o ensino científico-humanístico tinha um peso de 43,5%, enquanto que o ensino profissional representava 56,5%.
Constata-se, então, que escolas em contextos desfavorecidos, com um grande peso no ensino profissional e poucos exames, como a Escola São Pedro da Cova, aparecerão sempre, por inerência, nos lugares mais baixos. Daí especialistas e directores das escolas defenderem que se pode estar a comparar o incomparável: os rankings principais têm em conta os exames feitos e priorizam escolas com maior número de exames, uma vez que escolas com um número reduzido de provas podem nem chegar a ser cotadas, enquanto a proposta destas escolas pode passar por um outro caminho. No caso da Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar, em específico, por exemplo, fica numa posição superior se tivermos em conta o ranking do ensino profissional, disponibilizado apenas pelo grupo imprensa. Nesse mesmo ranking, como já se havia referido, a Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar ficou, este ano, no lugar 43, num total de 688 escolas.
Mas o ensino profissional nas escolas secundárias, que desafios apresenta? Será que ainda é visto com preconceito? Segundo a opinião anónima de um integrante da direcção de uma escola secundária, este adverte que os cursos profissionais ainda têm a tendência de albergar os alunos com dificuldades educativas que não se enquadrarão no programa curricular regular. A partir daí, haverá uma tendência para estes alunos serem direcionados para os cursos profissionais. Alega que mais do que dificuldades cognitivas, haverá alunos com dificuldades de organização e falta de condições favoráveis ao estudo, o que proporcionará dificuldades acrescidas e poderão marcar a diferença. A seu ver, este propósito é o contrário do que o ensino profissional deverá ser.
Concorda que a vantagem do ensino profissional é a praticidade e a componente prática, alicerçada em aulas laboratoriais, além da perspectiva do aluno do aluno em contactar com uma empresa. Os horários reforçados, por sua vez, e a elevada carga horária serão um problema a ser resolvido, uma vez que poderá levar a que alunos que já não gostam da sua área estudo tenham ainda uma carga horária maior e mais intensiva, recordando, por exemplo, que as aulas que não são dadas têm, no ensino profissional, de ser repostas, ao contrário do que acontece no ensino regular. Concordando que alunos de meios mais desfavorecidos, sem bons resultados, acabam por ser encaminhados para o ensino profissional. Tudo isto, a seu ver, pode conduzir a resultados globais menos bons de algumas escolas.
O objectivo destes alunos, salienta, é uma perspectiva profissional e de contacto com as empresa, distanciando-se, assim dos exames nacionais. Alega que estes alunos podem sentir mais dificuldades, no que concerne à realização dos exames e consequente acesso ao ensino superior, mesmo que possam fazer tal, uma vez que nestes cursos se prepara mais para uma via profissional e técnica e não tanto para a carga teórica das provas, segundo explicou.
Já a directora da Escola Secundária José Cardoso Pires tem uma outra visão e esclarece que, a seu ver e no seu caso, mesmo estando a Escola José Cardoso Pires num contexto desfavorecido, pelo que referem os rankings, “quanto a estes alunos que temos nos cursos profissionais, são alunos que alguns deles vêm de outras escolas porque aqui conseguem encontrar esta oferta, como também há outros alunos que fazem o percurso connosco. Não associo cursos profissionais a meios desfavorecidos porque, hoje em dia, temos nos nossos cursos profissionais alunos que podem não ser, propriamente, aqueles alunos que não conseguem ou que têm más notas e, por isso, enveredam nestes cursos. Tenho exemplo de alunos que foram meus alunos que, este ano, estão no primeiro ano do curso Técnico de Desporto, por exemplo e, no entanto, tiveram excelentes notas“, explica.
Enfatiza e corrobora que “é uma mais valia, é uma forma dos alunos beneficiarem de uma formação diferente. Depois, os alunos conseguem na mesma aceder à universidade e acabam, aqui, por terem um contacto directo com aquilo que estão a estudar. Por exemplo, cursos como Técnico Auxiliar de Saúde, Técnico Auxiliar de Desporto ou Técnicos de Design de Comunicação Gráfica, têm estágios ao longo deste percurso de três anos, o que acaba por abrir horizontes e dar uma perspectiva daquilo que irão fazer. Muitos dos nossos alunos, alguns deles, acabam por querer tirar um curso superior dentro da área que estudaram nos três anos. Portanto estas ofertas acabam por ser uma mais valia“, explica.
Em conversa com IAVE, este organismo explicou que gostaria imenso que o ensino profissional deixasse “de ser considerado como uma via de segunda categoria“, diz Luís Santos. Confessa, no entanto, que nunca foram encomendadas ao IAVE “por exemplo, provas de avaliação externa que fossem adequadas, directamente, aos alunos do ensino profissional“, revela. Complementa ainda que o “IAVE conseguia fazer, basta encomendarem. Nós conseguimos fazer o que nos encomendarem. Tecnicamente, nós conseguimos fazer muita coisa, não conseguimos fazer tudo, mas conseguimos fazer muita coisa, e nunca nos foi pedido para fazer uma prova de avaliação externa que fosse 100 % adequada aos alunos do ensino profissional“. Explica também que “esses alunos, quando querem ir para o ensino superior, ou vão pela via daqueles cursos técnico-profissionais superiores [CTESP], não precisam de fazer exames e, partir daí, podem entrar em cursos de licenciatura e mestrados, ou fazem exames idênticos aos dos cursos científico-humanísticos. Não é, propriamente, uma coisa muito adequada em termos de avaliação“, expõe.
Continua que “vemos o profissional como uma via tão importante como a via científico- humanística. Já temos quase metade dos alunos no profissional, e até lhe digo mais, esta é a visão de muitas instâncias na união europeia, na própria OCDE.” E avança que o IAVE está “a trabalhar com a OCDE, neste momento, para o desenvolvimento de um estudo internacional parecido com o PISA, mas que vai avaliar as competências específicas de alguns cursos profissionais. Isto vai dar, daqui a alguns anos, quando o estudo puder ser operacionalizado, uma visão muito melhor do ensino profissional“, aponta.
O investigador Pedro Freitas, além de salientar o papel importante dos CTESP, alerta para o papel importante que os institutos politécnicos podem ter no sentido de constituírem uma ponte do ensino profissional para o ensino superior. Na sua visão, explica que se devem criar “mecanismos próprios. Se é uma prova a nível nacional, feita para o ensino profissional, que os politécnicos podem usar nas candidaturas, ou provas desenhadas pelos próprios politécnicos, ou critérios desenhados pelos próprios politécnicos para absorção dos alunos do secundário, depois podemos discutir isto, mas acho que é esse caminho: criar mecanismos próprios de acesso para o ensino profissional para, nomeadamente, os institutos politécnicos. Apostar-se mais, também, em cursos específicos como os CTESP, há aqui um caminho que se pode fazer e acho que é um caminho que se pode desenvolver, sim“, exemplifica.
Não deixa de colocar a tónica, no entanto, nos estágios desenvolvidos no ensino profissional e que são de suma importância: “Esse estágio, no fim do curso profissional, é muito importante, o que no fundo possibilita a entrada para o mercado de trabalho. O que eu noto, muitas vezes — e estes estágios são organizados pelas escolas, ou seja, são as escolas que têm de procurar junto das empresas onde os alunos possam fazer os estágios — é que é muito importante garantirmos que as escolas tenham capacidades semelhantes de recrutar empresas da área onde se encontram. Ou seja, garantir que a qualidade dos estágios é semelhante entre escolas, porque esses estágios são muito importantes, é a primeira experiência profissional destes alunos, que têm 17 ou 18 anos, e essa experiência será provavelmente o trampolim para o mercado de trabalho, portanto, é muito importante que possamos garantir que escolas semelhantes consigam estágios de qualidade semelhantes aos seus alunos. Isso às vezes acontece, isso às vezes não acontece, até porque as dinâmicas diferentes das escolas permitem uma relação diferente com as empresas à sua volta“, enfatiza.
Quanto ao alargamento do ensino obrigatório e quase 40% dos alunos nas vias profissionais, Pedro Freitas considera que isso é bom. Indica, no entanto, que é preciso reforçar, para diminuir o estigma, o seguinte: “Num estudo de Hugo Reis, Pedro Raposo e Joop Hartog, quando se olhava para as diferenças salariais entre alunos do profissional e alunos do científico humanístico, reparamos num padrão, não só no caso português mas em outros sistemas de ensino, que é o seguinte: os alunos do profissional têm um prémio salarial maior, ou seja, têm um salário maior no início da carreira, do que os alunos do científico-humanístico, só com o 12.º ano. Mas à medida que as carreiras avançam, é aí que os alunos do profissional têm uma progressão salarial mais baixa do que os alunos do cientifico-humanístico, que acabam por ter uma progressão salarial mais acelerada e acabam por apanhar os alunos do profissional“, observa.
Porém, esclarece que “o que se tem observado nos últimos anos, e isso é que é curioso, sobretudo nas gerações mais novas, é que os alunos do profissional têm uma capacidade de manter um salário superior àqueles alunos que só fazem o 12 º ano numa via científico-humanística. Tem-se visto, também, que os do profissional têm tido mais capacidade de emparelhar, digamos assim, terem um matching no mercado de trabalho com empresas de melhor qualidade. Isso é um bom sinal“, revela.
Além de alguns directores de algumas Escolas Secundárias, a CCA falou com alunos da Escola Secundária de Mirandela sobre as suas perspectivas de futuro e entrada no ensino superior. Encontrou alunos que condicionam a sua escolha de faculdade devido aos rendimentos e, quanto aos exames, uma aluna referiu que os manuais escolares não acompanham bem a matéria de estudo para os exames. Livros de apoio são caros, mas os alunos conseguem encontrar material via internet. Investigador Pedro Freitas considera que há muita falta de informação dos alunos quanto à progressão salarial em Portugal consoante as habilitações literárias e que a questão da igualdade de acesso ao ensino superior não se resolve através da baixa de propinas, mas através de apoios que permitam a alunos economicamente mais desfavorecidos manterem-se numa cidade diferente.
A Escola Secundária Pedro da Cova, de Gondomar, apresenta cerca de 50% dos alunos com ASE (Acção Social Escolar) que conseguiram concluir os estudos durante os três anos de secundário requeridos, segundo aponta o ranking da Católica Porto Business School, referente ao ano de 2021, uma vez que no ranking que saiu este ano, esse valor não se encontra descrito. Mas, no entanto, através do ranking da Nova SBE, fica-se a conhecer que o número de alunos carenciados da escola fica nos 44,4 %. Ana Rangel, directora da escola, corrobora esse valor e diz que sim, que o valor de alunos a beneficiarem de apoio social rondará os 50%.
No retrato que faz dos seus alunos, a directora da Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar explica, por sua vez, que, “obviamente, estes alunos têm mais dificuldade“, reforça. Avisa que “muitos deles, viu-se isso, então, quando foi da pandemia, vivem em casas pequenas, não têm condições ideais para estudar, têm de prestar apoio à família, tomar conta dos irmãos mais novos, quando não são os irmãos, são os avós que também vivem com eles. Normalmente têm, portanto, uma vida familiar mais complexa, e que obriga a uma menor dedicação aos estudos, daí essa relação, eventualmente, mais directa entre a questão de terem apoios sociais e terem um fraco rendimento escolar. Mas tem mais a ver com a vida familiar, obviamente, do que com a escola em si e, depois, são normalmente esses alunos que, devido a essas razões, não vêem o ensino superior, a continuidade dos estudos ou a escola em si como a possibilidade do chamado elevador social“, afirma
Ana Rangel reiterou, também, que “era necessário que eles [os alunos] vissem uma mais valia no acesso ao ensino superior. Penso que, agora, não é tanto na nossa escola, é genérico. Tem muito a ver com a expectativa que os alunos têm. O que se passa é que temos muita gente com licenciatura, mestrado, desempregada, ou a trabalhar em trabalhos não adequados à sua área de formação. Isso é algo, portanto, que acaba por ter impacto negativo em alunos que, já por si, têm poucas expectativas em conseguir entrar no ensino superior. Isso teria de ser um trabalho mais a nível social, junto das famílias, porque se antigamente as famílias podiam dizer, ‘agora vais estudar para ter aquilo que eu não tive’, hoje em dia isso já não é apelativo. Portanto, isso teria de ser um trabalho mais a nível social, para eles poderem ver que o ensino superior não é garantia imediata de emprego, mas dá a flexibilidade para as pessoas poderem evoluir, mudar de emprego, mais do que se tiverem só o 12.º ano de prosseguimento de estudos, que nem sequer tem competências a nível profissional que lhes possa dar abertura para o mercado de trabalho“, refere.
Sobre estes pontos, e estando a Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar inserida no projecto TEIP, o investigador Pedro Freitas também é da opinião que, nestes contextos, há um trabalho de reforço a ser desenvolvido fora do contexto da sala de aula. Pelo que referiu à CCA, revela que quanto às “escolas em contextos mais desfavoráveis, é preciso que haja, fora da sala de aula, uma estrutura de apoio aos alunos, e quando digo de apoio aos alunos, apoios específicos, fortes, para determinados tipos de alunos, porque nestes meios mais desfavorecidos, os professores não conseguem fazer tudo dentro da sala de aula, é impossível“, explica.
Pedro Freitas complementa que “é preciso que, na sala de aula, haja elementos focados em pequenos grupos, com poucos alunos, que cheguem às necessidades académicas, próprias, destes alunos, e depois é preciso um conjunto de apoios, também, forte, fora da sala de aula, nomeadamente psicólogos, dentro da escola, que vão fazendo este trabalho mais individualizado. Acho que nestas escolas tem de acontecer muito para além do que acontece na sala de aula. Quando digo isto, é conseguirmos apoiar minimamente as necessidades académicas específicas de cada aluno e, estes alunos, nestes contextos, são muito heterogéneos, têm dificuldades muito dispersas. Tem de existir a capacidade de equipas próprias que consigam auxiliar os alunos nas dimensões emocionais que, muitas vezes, nestes contextos são muito frágeis. Há alguns projectos que tentam dar isto, por exemplo. As escolas TEIP tentam dar isto, o programa nacional de promoção sucesso escolar tenta dar isto. Mas o que eu digo é que para dividirmos estes recursos pelas escolas portuguesas, era bom que à cabeça internalizássemos a situação de cada escola e distribuíssemos, dessa forma, os recursos“, refere.
Ana Rangel acrescenta, no entanto, que quanto ao apoio às escolas em contexto semelhante à sua, não deixando de enfatizar que, por exemplo, no que toca a apoio psicológico, a Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar está até numa primeira linha no rácio psicólogos para alunos, “o necessário nunca é, porque nós fazemos sempre, ou temos direito a alguns apoios em função dos resultados dos anos anteriores que, muitas vezes, não correspondem ao que este ano é necessário”, revela. E continua que “embora possam ser solicitados apoios extra, dificilmente se consegue, realmente, o tipo de apoio que é necessário em tempo oportuno. As previsões que nós fazemos partem de um princípio que se no ano passado tivemos isto, então, no próximo ano, vamos ter esta situação, mas a verdade é que cada vez mais, por exemplo, temos alunos com necessidades específicas, nomeadamente a nível de apoio psicológico, e não é possível a escola, com os recursos que tem, dar essa resposta. Quando se solicita mais recursos, aquilo que nos dão como resposta é que não é possível este ano, para o ano irá ter. Pois, mas para o ano já não vem em tempo útil para estes alunos“, enfatiza.
E, embora salientando que a sua escola beneficia de uma psicóloga a tempo inteiro e de uma psicóloga a meio termo, “por outro lado, também temos uma quantidade de alunos com necessidades específicas a este nível que triplicou. Aliás, eu arriscaria a dizer que nós temos cerca de 80% da nossa população estudantil a precisar de apoio psicológico, com ataques de ansiedade, ataques de pânico, alguns deles que reagiram muito mal ao reingresso na vida social depois da pandemia. A seguir à pandemia, depois destes últimos anos, notam-se, realmente, muito mais problemas do foro psicológico, muitos mais alunos com muitos problemas de ansiedade, muitos problemas de interacção social, pouca capacidade de resolver os seus problemas e de interacção uns com os outros. Eram problemas que existiam antes da pandemia, mas num número muito mais baixo do que aquele que existe agora“, aponta.
Quanto à desmotivação dos alunos na forma como encaram o ensino superior, sobre o facto da garantia de emprego ter decrescido e, correlacionando tal com a notícia que avançava que a diferença salarial entre licenciados e não licenciados tem vindo a diminuir, o investigador de educação Nova SBE, Pedro Freitas, expõem que percebe tal, mas revela que “continua a haver prémio salarial, o prémio salarial não é zero. O prémio salarial continua entre os 30%, 40%. Isso é um trabalho que desenvolvemos este ano no âmbito deste projecto. Acho que às vezes, quando nós temos este debate, tem um risco que é, depois, passar para os alunos, para as escolas até, que não vale a pena ir para o ensino superior. Isto não é verdade. Acho é que no 9.º ano há ainda muita falta de informação para os alunos sobre quais são as diferenças salariais. Isso, por exemplo, foi muito visível, que os alunos tinham muita pouca noção sobre qual era a distribuição salarial do país, e tinham muita pouca noção sobre quanto é que se ganhava mais em ir para o ensino superior ou ficar no ensino secundário. Portanto, acho que isso pode ser desmotivador, mas isso pode ser desmotivador porque a informação no 9ºano ou no secundário é uma informação incompleta. Acho que temos de trabalhar, e isso fez parte do projecto que desenvolvemos este ano, no sentido de dizermos aos alunos que ir para o ensino superior ainda dá um retorno. Dar aos alunos uma perspectiva do retorno salarial em Portugal, coisa que que eles têm de forma muito enevoada, digamos. Isso foi muito claro neste projecto, que eles têm muita pouca percepção na distribuição salarial no mercado de trabalho e, por isso, é necessário dar essa percepção, para não se criarem estes mitos de que é indiferente ir para a faculdade“, afirma.
Já sobre se a condição social dos seus alunos afecta a decisão na altura de escolherem uma universidade, a directora Ana Rangel explica que “muitos alunos não concorrem para fora do Porto, exactamente porque não teriam capacidade financeira para estudar fora. Alguns deles até poderiam entrar no ensino universitário público fora do Porto, mas não vão porque, fazendo as contas, a pagar por pagar, é preferível ficar perto de casa, no privado. Há muitos que, logo à partida, nem concorrem porque sabem que não vão conseguir suportar gastos , seja no privado, seja a ir para o exterior do Porto, e isso também pesa. Seria incapazes de suportar as propinas no caso de irem para o privado, ou de suportar os custos de deslocação, no caso de irem para o público fora do Porto“, revela.
Sobre a discussão sobre o peso do custo das propinas ou o peso dos custos de deslocação, arrendamentos, alimentação e bens do dia-a-dia numa cidade diferente, Pedro Freitas defende “que a questão dos custos revela aquilo que nós já sabemos que é, falar de propinas não chega. Acho que nós reduzimos o debate sobre os custos de ir para o ensino superior em torno das propinas, acho que hoje em dia, os principais problemas em termos de custos e decisão de ir para o ensino superior se prende com outros custos que não as propinas, nomeadamente alojamento. Acho que isso é que está a afectar, sobretudo, a decisão de alunos não irem para grandes áreas urbanas, sobretudo Lisboa e Porto. Portanto, eu acho que temos de despegar o debate das propinas, e ir para um debate mais alargado sobre como podemos ter um ensino superior com capacidade de financiamento para aqueles alunos que, de facto, têm restrições orçamentais. Temos de conseguir mais apoios reforçados que cheguem a tempo e horas, que vão para lá das propinas. Os alunos ricos vão sempre para o ensino superior, eles não precisam que lhes baixem as propinas. Eu não preciso de defender propinas de 1000 euros para 600 euros para uma família rica em Lisboa, não preciso. Ele vai continuar a ir para o ensino superior. O que me interessa é como vamos discutir um mecanismo de financiamento dentro do ensino superior que permita recursos para ajudar com bolsas os alunos de famílias mais pobres“, expõe.
Já Ana Rangel conclui, no entanto, que “nós fazemos tudo para que os nossos alunos tenham sucesso, dentro daquilo que é possível. Desde ter um gabinete de apoio ao aluno e família que procura identificar todas as situações de maior carência para podermos dar o apoio necessário, como por exemplo, fornecermos refeições intercalares, pequeno-almoço e lanche no caso dos alunos que têm essas necessidades. Damos apoio a nível de estudo, também, para os ajudar a obter os resultados que eles precisam para eventual prosseguimento de estudos, e temos, também, obviamente, o apoio da psicologia. Em termos de cursos profissionais, também temos um bom relacionamento com a comunidade empresarial ou institucional da zona. Neste caso, pertencemos à área metropolitana do Porto, o que permite que os nossos alunos desenvolvam o seu estágio já nas áreas vocacionadas do curso e já em bons locais com possibilidade de poderem a vir ter emprego. A ideia que nós temos, no entanto, é que é difícil ultrapassar as barreiras sociais. Mesmo quando oferecemos apoio ao estudo, temos muitos encarregados de educação a dizerem que não querem. Há uma resistência dos alunos e famílias para virem à escola usufruir daquilo que a escola podia oferecer“, explica.
A realidade da Escola Secundária de Mirandela é diferente, encontra-se num contexto médio/favorável, nos rankings consensualmente a meio da tabela, mas, com uma conversa com os alunos de 11.º e 12.º anos, mais concretamente nos dias da realização do exame de matemática do 12.º ano, dia 26 de Junho, e de Biologia e Geologia, do 11.º, no dia 23 de Julho, a Comunidade Cultura e Arte pôde constatar que a questão dos custos do dia-a-dia, arrendamentos e os gastos inerentes a viver numa outra cidade também preocupam estes alunos em questão e podem influenciar as suas escolhas, nomeadamente Diana Luz, do 12º ano, que por causa disso mesmo pretendia escolher Gestão e Administração Pública, no pólo de Mirandela do Instituto Politécnico de Bragança (IPB): “os rendimentos foram preponderantes para escolher um estabelecimento de ensino, principalmente os custos do dia-a-dia”, revela Diana. “Por isso mesmo vou escolher o IPB como primeira opção“, revela.
Na mesma situação encontram-se Rodrigo Correia e Hugo Clemente, alunos do 11.º ano. Ainda não sabem, em concreto, o estabelecimento de ensino para o qual vão concorrer, mas Rodrigo Correia esclareceu que os pais já começaram a abordar o assunto: “Tinha pensado ir para o Porto, mas ao falar com os pais, as rendas no Porto estão muito caras, e os meus pais já avisaram que é melhor outras cidades como Coimbra ou Braga, por causa do custo das casas. No Porto está muito caro, então os meus pais disseram que não têm dinheiro para sustentar“, confessou. Na mesma situação encontra-se o seu amigo e colega Hugo Clemente que, apesar das dificuldades, tal como Rodrigo, não perde a esperança no ensino superior, embora valorize, antes, a saída profissional na escola no curso: “Acho que, por exemplo, agora há mais gente com cursos do que antigamente. Por isso é mais importante ter um curso agora do que antes“, explica. Já Rodrigo exemplifica com o exemplo do seu pai: “O meu pai não tem curso, mas no trabalho em que está, tem de ter um curso superior. Ter um curso superior ainda é necessário para ter um bom trabalho“, revela. Sobre o que valorizava mais, se a saída profissional ou o gosto pelo curso em si, Rodrigo esclarece: “Temos de ter em consideração os dois. Mas a saída profissional é importante porque se estamos a tirar algo é para trabalhar“, explica.
Uma visão diferente tem Diogo Lima, do 12.º ano, que não quer seguir o ensino superior nem se sente motivado para tal. Ainda não sabe bem o que fará depois, explicou-nos.
A questão dos arrendamentos, muito salientada também pelos noticiários, é uma das preocupações mais salientada pelos alunos. Questionado sobre o que o preocupava mais, se os exames ou os custos inerentes a estar numa cidade diferente, Rafael Afonso, do 12.º ano, avança que, para si, é a questão do alojamento: “Tem sido cada vez mais caro. Quanto aos exames, a dificuldade tem sido relativamente a mesma“, aponta.
Quanto à preparação destes alunos para os exames nacionais, Rodrigo Correia apontou que, embora achasse os livros de apoio extra caros, conseguiu recorrer às explicações grátis que a escola oferecia. Os professores tentam ajudar nesse sentido e reveza-se pelo material que consegue encontrar via internet, e a consulta de exames anteriores também.
É Sofia Machado, do 11.º ano, quem deixa o alerta, “por acaso acho que os livros de preparação para o exames são um bocado caros“, embora também veja na internet uma solução. Mas complementa que, a seu ver, “os livros escolares não têm estado a acompanhar, às vezes, alguns exercícios dos exames“, revela.
Este ano, o novo contingente prioritário para a entrada de alunos beneficiários do escalão A permitiu a entrada de 1013 alunos carenciados no acesso ao ensino superior. Pedro Freitas, o investigador da Nova SBE, diz que, a seu ver, “não basta dar acesso a estes alunos, é preciso garantir o seu sucesso ao longo do ensino superior, nomeadamente através de um acompanhamento mais próximo. A monitorização desta medida deve ter em conta o aproveitamento destes alunos e o que pode ser feito para garantir o seu sucesso“, avisa.
Complementa que “convém, também, garantir que estes alunos têm acesso a condições materiais para realizar o seu curso, nomeadamente acesso à habitação caso fiquem colocados em regiões com maior pressão imobiliária. Em paralelo a mecanismos como este contingente, é necessário compreendermos que se queremos ter mais alunos de meios mais desfavorecidos socialmente a entrar no ensino superior, esse trabalho faz-se desde os primeiros anos de escola, por forma a garantir o sucesso académico que depois os fará entrar na faculdade“, explica. Enfatiza que a democratização do ensino superior não se faz nos últimos anos do secundário, mas acaba por ser um contínuo.
A média dos exames nacionais e o mecanismo de entrada para o ensino superior
Um dos factores a ter em conta para a entrada no ensino superior e que é imensamente debatido prende-se, precisamente, com o peso que as notas dos exames nacionais têm tanto na entrada na faculdade como na conclusão do ensino secundário. A pandemia trouxe modificações: a nota dos exames deixou de ter peso na nota interna do aluno para a conclusão do ensino secundário, passando esta a contar, somente, para o ingresso nas universidades. Esta medida continuou a vigorar no ano lectivo de 2022/23, mas a regra mudará este ano. A medida que se encontra em cima da mesa prevê que os exames tenham um peso de 25% na média interna da graduação do secundário e que haverá três exames, sendo o de Português obrigatório e, os outros dois, à escolha do aluno.
Quando questionada se concordava com esta modificação e, principalmente, se os exames deveriam ou não contar para a conclusão do ensino secundário, a directora da Escola Secundária de São Pedro da Cova, Gondomar, referiu à CCA que no caso dos alunos que frequentam a sua escola “é extremamente complicado para eles concluírem o secundário, mais do que o acesso ao ensino superior, porque aqueles que querem prosseguir o acesso ao ensino superior, que são poucos, aqui neste contexto, estão preparados e preparam-se nesse sentido. A questão tem a ver com o impacto que esse exame vai ter na nota interna e no impacto na conclusão do 12.º ano“, aponta. Por outro lado, o aluno Nuno Gomes, do 11.º ano da Escola Secundária de Mirandela, no que concerne ao peso dos exames no ingresso para o ensino superior, revela que, no seu caso pessoal, acha que um peso de 50%, por exemplo, já é excessivo, tendo em conta as diferentes ponderações das universidades entre 35%, o mínimo, e os 50%. Relembre-se que uma das decisões prende-se com o aumento do peso dos exames para o ensino superior, passando estes contar, no futuro, no mínimo 45%, não podendo ser a percentagem da nota do secundário, a valer 40%, ser superior ao peso da nota do exame.
Luís Santos, presidente do conselho do IAVE, reforçou que estes são assuntos que extrapolam e saem do domínio do campo de acção do instituto, mas que, no entanto, “o que podemos dizer no acesso ao ensino superior é que, e isto é uma opinião pessoal, os exames têm uma vantagem, são instrumentos de avaliação que são iguais para todos os alunos”, refere. E acrescenta: “Os alunos realizam os exames à mesma hora, é o mesmo instrumento de avaliação e, portanto, essa é uma vantagem que, quanto a mim, é crucial, para termos uma ideia do mais aproximado que há de justiça no acesso ao ensino superior. Portanto, as alterações que foram feitas, foram relativamente pequenas, apenas uns ajustamentos relativamente ao modelo. O modelo mantém-se, em alguma extenção está baseado nas classificações dos exames nacionais, mas os exames nacionais não são tudo no acesso ao ensino superior. Portanto, existe uma grande percentagem que está alocada às classificações que os alunos têm no ensino secundário. Mas atribuir aos exames, por um lado, só essa função, de certificação e de acesso ao ensino superior, é muito redutor, os exames nacionais têm muitas outras funções de regulação, como permitir às escolas fazerem a sua própria auto-avaliação e a aferição em todo o país“, esclareceu Luís Santos.
Quanto a este modelo e à utilidade dos exames nacionais, Pedro Freitas complementa que é favorável a este modelo, tanto na contagem dos exames para a graduação no secundário como para o ingresso no ensino superior. A seu ver ajudam a combater a questão da inflacção das notas, visível na pandemia, complementando que “esse é um modelo que pode trazer ganhos equitativos porque a não existência de exames significa não haver um mecanismo de avaliação externa das escolas, o que pode levar a problemas de inflacção no privado mas também do público“, aponta.
Não considerava o modelo anterior ao da pandemia um mau modelo, embora acusasse, a seu ver, algumas fragilidades. Mas, como avisa: “Acho que as fragilidades do modelo eram porque, infelizmente, os resultados que os alunos tinham à saída do secundário eram muito desiguais entre grupos sociais. Acho que isso se pode regular. Para acabar com essa desigualdade, é um trabalho que tem de se fazer muito antes do 12.º ano“. Não deixa de considerar que as faculdades devem continuar “a ter uma importante palavra em dizer quais as provas específicas que acham importantes para o acesso aos seus cursos“, diz. E acha que aí é que as faculdade “conhecem a sua realidade, conhecem os alunos que querem ter e, portanto, devem ter uma palavra nas provas de acesso“, aponta.
Continua que, “depois, há aqui uma questão dos pesos, maior ou menor, a reforma. Acho que há uma proposta que está em cima da mesa que é a mudança da fórmula de cálculo do ensino secundário. Vejamos, o que acontecia anteriormente é que, por exemplo, o Português, que é uma disciplina trianual, contava tanto como uma disciplina optativa de 12.º que era, apenas, uma disciplina anual. Essa mudança de fórmula à saída do secundário parece-me uma boa alteração, de forma a que as disciplinas que os alunos têm mais tempo contem mais do que as disciplinas que têm menos tempo, isso parece-me razoável. Depois a questão do peso dos exames, do número de exames, é uma afinação que acho que mais exame, menos exame, acho que está em linha com o que nós tínhamos antes“, aponta.
Nota: O objectivo inicial desta reportagem era perceber até que ponto condições desfavoráveis, ao longo do percurso escolar, podem afectar a entrada no ensino superior, e quais as preocupações dos alunos do 12º ano. No entanto, mediante as respostas que fomos obtendo, não poderíamos deixar de parte a realidade do ensino profissional, também, nas escolas secundárias gerais em específico. Por esta razão, esta reportagem assume um pendor generalista, focando declarações de directores de escolas secundárias, e não de directores de escolas profissionais em si. Tendo em conta o objectivo inicial, por essa mesma razão é que, no capítulo final, falámos com alguns alunos do 11º e 12º ano, numa tentativa de ouvirmos as suas preocupações e opiniões.