Demasiado tarde para a Barbie e demasiado cedo para mim
Em criança tinha uma vasta coleção de bonecas com as quais brincava gentilmente. Tive cerca de quatro ou cinco Barbies (só um Ken para todas), todas loiras, com corpos magros e que não tinham nada a ver com o meu. Não percebia porque é que as bonecas tinham de ser parecidas comigo, era só um brinquedo, e quando, anos mais tarde, a minha prima herdou as bonecas, lhes arrancou impiedosamente a cabeça e as enterrou no quintal, fiquei feliz de não haver uma Barbie Joana por lá.
Quando se começou a tentar cancelar a Barbie por instituir padrões de beleza inatingíveis, a Mattel atualizou rapidamente o design das bonecas, criando assim centenas de Barbies com físicos, cores e condições diferentes. Esta semana vi pela primeira vez uma caixa com uma Barbie parecida comigo, tão parecida que fiquei assustada. Tinha as ancas largas, as coxas que tocavam uma na outra, cabelos castanhos longos e contrariava tudo o que imaginamos quando pensamos numa Barbie. Mas era tarde demais: já não é sobre querer ser a Barbie, é sobre ter o que ela tem.
Já aprendi a aceitar o meu corpo e as bonecas parecidas com as donas parece-me um capricho superficial. Com 23 anos olho para a Barbie e percebo que não quero Ser a Barbie, apenas ter o que ela tem. A boneca criada pela Ruth Handler tem um carro, uma casa, inúmeras profissões, e provavelmente não tem medo de andar na rua sozinha à noite. E talvez isto seja um desejo materialista inerente à sociedade capitalista onde vivemos, mas venho sugerir à Mattel uma nova coleção de Barbies, aquelas que nos representam mesmo, que, não sendo iguais a nós, tenham o que podemos ter.
O famoso descapotável rosa da Barbie é o carro de sonho de qualquer menina pirosa como eu. Mas tal como nunca pedi aos meus pais um carro da Barbie para as minhas bonecas por saber que era mais caro do que uma boneca nova, também nunca pensei em comprar um carro, tal como a maioria das pessoas da minha idade. E sejamos francos, o custo de comprar um carro a sério tem na minha cabeça de 23 anos o mesmo peso que comprar o carro da Barbie tinha aos 5. Sugiro então fazer a Barbie Transportes — anda de autocarro e de comboio e como acessório tem o seu passe Lisboa-Metropolitana cor-de-rosa.
Nem vou começar a falar da Casa de Sonho da Barbie. Nunca tive uma. Nunca sonhei em ter uma, não dava para alugar, os meus pais não podiam comprar, e eu não a podia trocar por pastilhas Gorila. Hoje também não penso em ter a minha própria casa, é um sonho longínquo. Proponho que a Mattel comece a fabricar a Casa de Sonho Dos Pais Da Barbie Onde Ela Também Reside, talvez assim as crianças se identifiquem mais facilmente e sonhem mais perto do chão. É que a Casa de Sonho da Barbie se fosse em Lisboa só poderia ser habitada pela Barbie Nómada Digital.
Podia acrescentar a Barbie Dívida à Segurança Social, a Barbie Desempregada, a Barbie Licenciatura Inútil, ou a Barbie Sofre Com 40ºC em Maio, mas se calhar já estou a chatear muito os senhores da Mattel. Peço apenas que me expliquem como é que a Barbie consegue tantos trabalhos com tanta facilidade e como é que não precisa de ficar presa no mesmo cargo durante décadas para progredir na carreira.
Se em criança sempre vi a Barbie apenas como uma boneca para longas novelas de brincar, e não quis ser como ela, hoje não é o caso. A Barbie tem tudo o que quero ter e me parece impossível: trabalho, tempo e sanidade mental para atividades e vida social, um carro giro, uma casa fantástica e um namorado devoto.
Queria ir para a Barbielândia, mas no seu filme Greta Gerwig instituiu que para lá chegar temos de ir de patins, foguetão, carro, barco e mota da neve. O meu problema principal nem é ir ao espaço, é que com este calor, quando chegar à montanha já não há neve nenhuma. Portanto não posso ir. Fico aqui no mundo real, onde nem posso usar as roupas da Barbie sem ter uma data de homens a olhar para mim na rua.