Feira do Livro de Frankfurt acusada de “fechar espaço” para voz palestiniana
A Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, foi acusada de se fechar a vozes palestinianas, depois de a entrega de um prémio à autora Adania Shibli ter sido adiada indefinidamente.
A organização do prémio LiBeraturpreis 2023 decidiu adiar a entrega do galardão à escritora palestiniana Adania Shibli, prevista para a Feira do Livro de Frankfurt, devido “à guerra iniciada pelo Hamas”.
“Devido à guerra iniciada pelo Hamas, devido à qual milhões de pessoas estão a sofrer em Israel e na Palestina, a organização decidiu não realizar a cerimónia de entrega do prémio LiBeraturpreis na Feira do Livro de Frankfurt. A Litprom está a tentar encontrar um formato e um cenário adequados à iniciativa, mais tarde”, lê-se num comunicado divulgado no ‘site’ oficial da associação literária Litprom, uma organização distinta da da feira do livro.
No comunicado, é sublinhado que “a entrega do prémio a Adania Shibli nunca esteve em causa”.
Depois de conhecida a decisão da Litprom, foi divulgada uma carta aberta, subscrita por mais de mil personalidades ligadas ao mundo literário, entre as quais os vencedores do Prémio Nobel da Literatura Abdulrazak Gurnah, Annie Ernaux e Olga Tokarczuk, e outros escritores como Colm Tóibín, Ian McEwan, Lauren Groff e Judith Butler ou o arquiteto israelita Eyal Weizman.
Os subscritores alertaram que “nos últimos e terríveis dias, em vários países europeus, aconteceram cancelamentos de eventos culturais que apresentam arte, vozes e histórias palestinianas”, dando a Feira do Livro de Frankfurt, “a maior e mais importante feira do livro internacional”, como exemplo.
A organização da feira “fechou espaço a Adania Shibli e o seu romance ‘Um detalhe menor’, ao mesmo tempo que tornou público que se posiciona ‘com total solidariedade do lado de Israel’, e que quer tornar as vozes judaicas e israelitas ‘especialmente visíveis na feira’”, salientam.
Os subscritores referem-se a uma publicação partilhada há três dias na conta oficial da feira na rede social Instagram, e editada na segunda-feira, mas na qual se mantêm as frases acima transcritas.
Na publicação, fica ainda saber-se que “a guerra contra Israel, o sofrimento que dela resulta e as restrições de circulação tiveram um impacto no programa” desta edição, que acontece entre quarta-feira e domingo, levando ao cancelamento dos concertos das cantoras Liraz e Rita, de Israel.
De acordo com o grupo Leya, da qual faz parte a chancela Dom Quixote, que editou “Um detalhe menor” em Portugal, “vários grupos editoriais árabes presentes em Frankfurt decidiram não participar no evento”, após o adiamento da cerimónia de entrega do prémio a Adania Shibli.
“A Dom Quixote, como não podia deixar de ser, está totalmente solidária com Adania Shibli, escritora que muito se orgulha de ter incluído no seu catálogo”, lê-se num comunicado hoje divulgada pelo grupo Leya.
Originalmente publicado em 2017, “Um detalhe menor” foi nomeado três anos depois para um National Book Award e um Pulitzer Internacional, aquando da edição da versão em inglês.
Com a tradução para alemão, em 2022, o livro venceu o prémio LiBeraturpreis 2023, um prémio anual atribuído a mulheres de Ásia, África e América Latina.
A tradução portuguesa, direta do árabe, do livro de Adania Shibli foi publicada, pela Dom Quixote, em março de 2022.
O livro, traduzido por Hugo Maia, é “um thriller baseado em acontecimentos reais que envolveram uma jovem palestiniana que, após sobreviver a um massacre levado a cabo por soldados israelitas, em 1949, acaba por ser capturada e violada e, depois de assassinada, enterrada na areia”.
O grupo islamita Hamas lançou em 07 de outubro um ataque surpresa contra Israel com o lançamento de milhares de foguetes e a incursão de milicianos armados por terra, mar e ar.
Em resposta, Israel bombardeou a partir do ar várias infraestruturas do Hamas na Faixa de Gaza e impôs um cerco total ao território com corte de abastecimento de água, combustível e eletricidade.
Os ataques já provocaram milhares de mortos e feridos nos dois territórios.
As Nações Unidas consideram a Faixa de Gaza e a Cisjordânia como território ocupados.
De acordo com a lei internacional, incluindo a Convenção de Genebra, como “poder ocupante”, Israel pode controlar a entrada de pessoas e bens, mas tem certas obrigações dentro da Faixa de Gaza.
Entre 2008 e 2020, o conflito israelo-palestiniano matou 5.590 palestinianos e 251 israelitas.
Antes dos ataques deste mês, mais de 200 palestinianos e 30 israelitas tinham sido mortos em confrontos, operações militares e outros incidentes em 2023, que já é considerado um dos anos mais mortíferos na região desde 2005. As Nações Unidas disseram que a “tendência preocupante” revelava um “desespero crescente relativamente ao futuro”.