Entrevista. Tiago Bartolomeu Costa: “‘As Ilhas Encantadas’ é a problematização do mar na identidade coletiva nacional”
A palavra sucesso não será, por certo, impositiva para descrever a receção ao filme português As Ilhas Encantadas, de Carlos Vilardebó, no festival Lumière, em Lyon (de 14 a 20 de outubro). Esta é uma seção integrada em ‘tesouros e curiosidades’, dedicada a trabalhos recentes de restauro, em que se destaca a originalidade de realizadores e de obras que não chegaram a afirmar-se, mas que merecem essa visão distanciada. Por certo, adequada ao controverso e mal-amado filme que Vilardebó realizou em 1965 e que agora se sugere um desafio de autêntica redescoberta. Isto antes da exibição em diversas cidades portuguesas, no início do próximo ano, integrada no programa FILMar, conforme informou José Manuel Costa (ler entrevista), diretor da Cinemateca Portuguesa e confirmou Tiago Bartolomeu Costa, coordenador do FILMar, onde se integra este e outros filmes sobre a temática do mar. À saída da sessão de As Ilhas Encantadas, o filme de Carlos Vilardebó, exibido no contexto do Festival Lumière, em Lyon, recolhemos os depoimentos de Tiago Bartolomeu Costa, coordenador do projeto FILMar.
De que forma acha que o tempo e esta cópia nova permitem reenquadrar a visão e a opinião deste filme mal-amado?Este restauro é a possibilidade de trazermos um bocadinho de luz a uma leitura absolutamente plana e superficial de uma história de cinema, com estrelas, coproduções e grandes meios. Algo que vai um pouco ao arrepio da história oficial que estava na altura pelas mesmas pessoas.
Uma produção de António da Cunha Telles que acabou vetado pela crítica portuguesa da altura…
O grupo do Cunha Telles é o mesmo que trabalhou no Belarmino, nos Verdes Anos, no Catembe. Esta é uma geração que está a inventar uma nova história e para a qual este filme parecia não ter lugar.
O contexto do cenário das Madeira parece fundamental para a atmosfera particular deste filme.
É muito interessante ver este filme de 1965 rodado na Madeira. No mesmo local onde o Jorge Brum do Canto realiza A Canção da Terra, um filme sobre a aridez do território, sobre a impossibilidade emocional, o isolamento. Ambos feitos a partir de condições com uma camada política e social. Trata-se de um projeto que permite olhar de forma diacrónica um aspecto evidente, a relação do cinema português com o mar. Algo que permite compreender ligações políticas, sociais, históricas, relações das comunidades com a paisagem, com o território.
Seguramente, um filme que se integra bem dentro do projeto FILMar.
Depois de termos digitalizado um conjunto de documentários (encomendas oficiais e institucionais, em que apresentam a ilha como paraíso turístico potência económico), é interessante chegar a este filme e a mesma paisagem pode dar-nos diferentes narrativas que são absolutamente contemporâneas e que tendemos a classificar como pertencendo a famílias diferentes. Mas pertencem de facto a esta ideia de que existe um eixo estruturante, que é a problematização do mar na identidade coletiva nacional, mas sobretudo como os diferentes cineastas foram conscientes como o mar é um problema, mas é também um potencial metafórico.
É um filme que poderemos ver em salas de cinema? E quando?
Nos vamos integrá-lo dentro daquilo que é a retrospetiva FILMar. A partir de Fevereiro vamos apresentar o filme me diferentes pontos do país. Os vários filmes que digitalizamos ao longo destes três anos que serão parte de um programa vasto, em várias cidades do país. Algo que estava previsto desde o início. Vamos sempre adequar os filmes aos locais de apresentação. E este naturalmente é um dos faróis, um dos filmes-âncora deste programa. Como têm sido outro que temos vindo a apresentar, Os Tabuleiros, Maria do Mar, A Canção da Terra. Mas sobretudo as curtas metragens, que é a descoberta que este programa permite. A Cinemateca poder focar-se na digitalização de curtas metragens, que sem este programa, o PRR, não era possível acelerar. Este filme é um daqueles que vamos, naturalmente, apresentar a partir de Fevereiro nas sessões que vão fazer parte da retrospetiva.