Falemos de saúde mental
É certo que vivemos tempos conturbados. Quantas vezes não estivemos perdidos e fomos depois achados pelos atalhos desta vida. Nós, que já vivemos tantos enredos e já nos sentimos mais artilhados para lutar contra as sombras do caminho, calcemos os sapatos das crianças, dos adolescentes, dos nossos filhos, netos, irmãos.
Os desafios no nosso quotidiano multiplicam-se, estamos numa evolução constante, galopante, exponencial dos nossos estilos de vida, ritmos, rotinas. Nesta correria desenfreada, entre os mil afazeres profissionais, pessoais, familiares, podemos correr o risco de arrumar os brinquedos dos garotos demasiado cedo e, com eles, todos os mundos imaginários a fervilhar; podemos perigosamente deixar perguntas por fazer e fechar a janela por onde elas poderiam entrar, voando rasantes e sorrateiras. Porque eles têm sempre novas perguntas prontas a entrar e outras que nascem, espontâneas, pelo meio da conversa.
É que, também eles, ao final do dia tiveram mil aulas, algumas em que, se calhar, se sentiram menos em relação aos colegas, discutiram com a melhor amiga, sentiram o baque ardente da primeira paixão ou o travo amargo do amor não correspondido. Também eles chegaram a casa na mesma aceleração; perguntam-lhes como correu o dia, respondem “normal”.
Volvidos vários dias assim, não se falou abertamente da zanga, da tristeza, da solidão, da frustração, não se classificou o que borbulha lá dentro, uma mescla indefinível, uma gelatina de emoções que ou explode ou, pior, implode — o pior risco tanto para o jovem como para os que o ladeiam.
Foram anos demais, aqueles em que julgámos nem valer a pena remexer. “Isso passa-lhe” — o que quer que fosse, era um mal passageiro, fases da infância, dramas da adolescência…
Hoje, os números são preocupantes e cada vez mais os pequenos sofrem de problemas psicológicos: pensa-se que até 20% pode ter algum tipo de doença psiquiátrica até aos 18 anos e a maioria destes mantém-na como companheira de viagem na idade adulta. Os números são frios, mas queimam quando são os nossos, por isso urge detetar e urge intervir.
Os mares estão agitados, mas a bóia está lançada: falemos de saúde mental.