Carlos Avilez: o transgressor que gravou o experimentalismo no Teatro Português

por Lusa,    22 Novembro, 2023
Carlos Avilez: o transgressor que gravou o experimentalismo no Teatro Português
Fotografia de Manos Gkikas / Unsplash

O encenador e ator português Carlos Avilez, que morreu hoje aos 88 anos, deixa para a História do teatro uma carreira de mais de 60 anos de conquistas e de um percurso “provocador e transgressor”, construído sem querer.

Carlos Avilez morreu na madrugada de hoje vítima de paragem cardio-respiratória, no Hospital de Cascais, onde deu entrada na terça-feira com uma indisposição, disse à agência Lusa fonte do Teatro Experimental de Cascais.

O nome de Carlos Avilez confunde-se com parte da História do Teatro português, tendo passado por várias casas de espetáculos nas últimas décadas, como ator, encenador ou fundador e mantendo-se profissionalmente ativo até ao fim da vida.

Nascido em 1935, Carlos Vítor Machado, ou Carlos Avilez, como é mais conhecido, estreou-se profissionalmente como ator em 1956 na Companhia Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, onde se manteve até 1963.

Nesses sete anos acumulou a interpretação com a escrita de peças de teatro e com a direção de espetáculos teatrais na Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul e no Centro Espanhol, tendo acabado por orientar a sua vida profissional para a encenação, seguindo um conselho de Amélia Rey Colaço, que teve essa antevisão, antes de ele próprio se aperceber que o seu futuro passava por deixar para trás a carreira de ator.

É já nessa condição que em 1963 apresenta a sua primeira encenação, uma versão arrojada da tragédia “A Castro”, de António Ferreira, na Cossoul, que causou agitação no meio artístico lisboeta e lhe granjeou o estatuto de ‘enfant terrible’ do teatro português.

Numa entrevista de vida concedida em abril deste ano à revista Visão, Carlos Avilez afirmou: “Nunca procurei ser provocador e transgressor, mas fui”.

Em 1964, já se estreou profissionalmente como encenador com “Carta perdida”, no Teatro Experimental do Porto, e ainda no mesmo ano tornou-se diretor do CITAC – Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, onde encenou “As Bodas de Sangue”, de Federico García Lorca, com música de Carlos Paredes.

No ano seguinte, Carlos Avilez foi um dos fundadores do Teatro Experimental de Cascais (TEC), que, após o colapso de algumas companhias do chamado teatro de ensaio, trouxe uma nova dimensão ao teatro.

Esta novidade atraiu alguns dos maiores nomes da cultura portuguesa da altura e um público que apreciava o que de inovador se fazia naquela companhia.

Entre as peças que encenou no TEC, contam-se “D. Quixote”, “Fedra”, “Galileu, Galilei”, “Rei Lear”, “Doce Pássaro da Juventude”, “Inês de Portugal”, “Muito Barulho Por Nada”, “Peer Gynt”, “Macbeth”, “Tempestade”, “Os irmãos karamazov”, entre muitos outros.

Com esta companhia, Carlos Avilez apresentou alguns dos seus espetáculos em Espanha, França, Itália, Hungria, Brasil, Estados Unidos da América, Japão, Angola e Moçambique.

Numa entrevista de 2021 a uma publicação da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Avilez justificava a sua longevidade no TEC e a sua capacidade de ser “experimental” há mais de meio século, com uma “rebeldia e coragem”, que advém de se manter a loucura ao longo dos anos.

“A idade passa, fica a experiência e o conhecimento, ficam as memórias e a força”, disse, na altura, Carlos Avilez, para quem o teatro era “o espelho” do país e o palco “uma radiografia terrível”.
Paralelamente ao seu trabalho no TEC, dirigiu Raúl Solnado no Teatro Villaret, e trabalhou em França com Peter Brook, e na Polónia com Jerzi Grotowsky.

No ano de 1970, foi nomeado diretor artístico e responsável pelo dia de Portugal na Expo ’70 em Osaka, no Japão, e nove anos depois foi nomeado, juntamente com Amélia Rey Colaço, diretor da Companhia Nacional de Teatro I – Teatro Popular, então sediada no Teatro São Luiz.

Fez também uma incursão pelo teatro lírico, tendo encenado várias óperas, entre as quais “Carmen”, “Contos de Hoffmann”, “Kiu”, “As Variedades de Proteu”, “Ida e Volta”, “O Capote”, “Inês de Castro”, “O Barbeiro de Sevilha” e “Madame Butterfly”.

Em 1993, fundou a Escola Profissional de Teatro de Cascais, uma ideia nascida de uma proposta do antigo ministro da Educação Roberto Carneiro, no final de um espetáculo no TEC a que assistiu com os filhos.

Entre esse e o ano 2000, Carlos Avilez passou também pelos teatros nacionais D. Maria II e S. João, como diretor, e pelo Instituto de Artes Cénicas, como presidente.

Mais recentemente, encenou “Inês de Castro”, para Coimbra – Capital Nacional da Cultura 2002.
Agraciado em 1995 com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, Carlos Avilez foi ainda distinguido com as Medalhas de Honra e Mérito Municipal da Câmara Municipal de Cascais, de Mérito Cultural da Secretaria de Estado da Cultura, da Associação 25 de Abril, e com a Medalha de Mérito Cultural da Vila de Óbidos.

Foram vários os prémios que recebeu ao longo da carreira, desde logo no início o Prémio António Pinheiro, da antiga Secretaria de Estado da Informação e Turismo, e o Prémio de Imprensa, da Casa da Imprensa, pela encenação de “D. Quixote”.

Daí para a frente somou muitos outros, como prémios da crítica e de vários órgãos de comunicação social, de que se destacam vários Se7e de Ouro, Nova Gente e Globos de Ouro.

Foi ainda distinguido com o Prémio da Crítica 2015 – Distinção Particular ao Teatro Experimental de Cascais, e com o Prémio Carreira e Obra da Sociedade Portuguesa de Autores.

Sempre provocador e transgressor, Carlos Avilez bateu-se continuamente pela sobrevivência do teatro e lamentava a crescente solidão das pessoas, agravada com a pandemia, que retirava público às salas de espetáculos.

Numa entrevista de 2021, ao ‘site’ Cultura Cascais, Carlos Avilez frisou a necessidade de as Companhias que lutam pela sobrevivência se unirem cada vez mais e mostrarem à sociedade e aos poderes públicos que são importantes e que estão vivos, todos os dias e não apenas no Dia Mundial doo Teatro.

“Nós não somos objetos decorativos. Somos pessoas que dependem desta profissão que é uma profissão difícil que arranca a alma das pessoas. Não nos deixem desaparecer porque nós também não vamos deixar que o Teatro desapareça. Isso está fora de questão”, disse.

Carlos Avilez desapareceu hoje, mas deixou bem viva a sua marca gravada na História do Teatro.

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