Do papel à película se fazem os prémios do Porto/Post/Doc
A los libros y a las mujeres canto, da espanhola Maria Elorza, vence Competição Internacional. Português Lucefece: Where There is no Vision, The People Will Perish, de Ricardo Leite, ganha Competição Cinema Falado.
Há prémios assim, que acabam por se reencontrar numa espécie de cosmos de ideias de cinema. No caso, entre o papel e a película. Vejamos, A los libros y a las mujeres canto, da cineasta basca Maria Elorza, venceu a competição internacional do Porto/Post/Doc. Sim, um filme sobre a “literatura”, mas que rima com a condição de “mulher”; vence igualmente, embora na secção Cinema Falado, referente ao cinema nacional, um registo assente na materialidade da película. Curiosamente, um filme português registado com o sugestivo título internacional — Lucefece: Where There is no Vision, The People Will Perish, de Ricardo Leite. Digamos que no apogeu digital do mundo, apetece saudar o refrescamento da lucidez que passa pelo lado físico da criação.
No caso da primeira longa metragem de Maria Elorza sente-se que houve um caminho percorrido, curiosamente até pelo foco que o PPD dedicou à sua obra, com a apresentação das suas diversas curtas. Isto além da masterclass em que a cineasta partilhou parte da sua estratégia criativa e o rumo seguido na sua transição do pequeno ao grande formato.
A los libros y a las mujeres canto é um filme belíssimo, arrebatador pela mensagem inesperada – tão inesperada quanto o seu ponto de partida: como avaliar o risco de uma biblioteca provocar a morte do seu proprietário? De resto, um acidente vivido pela própria Elorza que vai discorrendo (quase sempre em italiano) com a filha Anne, ao longo de uma conversa, feita emaranhado de histórias, como uma teia, unindo quatro mulheres pelo prazer literário, relatando “o livro como objeto sedutor, perigoso, mas sempre próximo do mundo doméstico, rodeado por uma rede feminista de cuidado”, como se refere na menção do júri.
Pelo meio, esboça-se a ideia da biblioteca infinita, familiar a Borges, numa viagem acompanhada ainda por Virgilio, Rilke, Goethe, Petracta, entre outros. Embora seja quase de imediato que ficamos irremediavelmente seduzidos pelo poder das palavras e do conhecimento escondido no papel. E, gradualmente, pelas histórias de um quarteto de mulheres emancipadas.
O curioso é perceber como no caso do filme do portuense Ricardo Leite, Lucefece (adotando o título mais curto), é o mesmo apego à materialidade do seu suporte que está em causa. De uma forma até mais arrebatada, diríamos, pois, na justificação do júri, sublinha-se a “materialidade química, quase alquímica, física do próprio filme”.
Na verdade, o próprio cineasta assume uma parte da “alquimia” pela forma intensa, dedicada (teimosa!) e artesanal como se dedica ao tratamento da película que filma, e revela, servindo-se unicamente de processos naturais. E optado por um processo de auto-biografia, estendido ao longo de duas décadas, em que ele próprio e a sua pequena família são absorvidos por essa força do filme-ensaio, atravessado por traumas familiares e fantasmas.
O filme de Basil da Cunha, 2027, recebeu ainda uma menção honrosa, salientando o “sentido de ritmo, pela especial e profunda ligação à comunidade de pessoas que retrata”. No plano da curta metragem, ou seja, na competição Cinema Novo, foi distinguido o trabalho de Marta Vaz, Rubab. Já Siete Jerles, da dupla Gonzalo Garciá Pelayo e Pedro G. Romero venceu o Prémio Transmission, sobre música e movimentos culturais. No caso, dando expressão ao flamenco nas ruas, fora do palco. Neste caso, uma reedição, já que venceram o mesmo prémio em 2021.
Os restantes premiados foram Girl’s Stories, de Aga Borzym, com o Prémio Teenage, Bocaína, de Pedro Gonçalves Ribeiro, para o melhor projeto apresentado na oficial Aché. Por fim, Cape of the World, de Tomás Baltazar, venceu o prémio Working Class Heroes.
Foi assim o PPD, versão 2023.