A máscara da professora
Todos os anos, com o mesmo rebuliço inaugural, irrompem pela sala rapazes e raparigas, cada vez mais distantes da minha idade. Uns quase a arfar, ávidos de novidades, outros a arrastar as alças de um tédio caído, impróprio para quem não acumulou conhecimento ou cansaço bastantes.
Os alunos e as alunas não são meus nem minhas, são temporários, transitórios, somos um grupo apenas e durante o tempo que dita o semestre. Estão do outro lado da barricada, não como o inimigo, mas dão-me luta todos os dias porque é preciso espicaçá-los para atacarem a ignorância. Esmorecem com facilidade em sessões presenciais, como plantas biónicas que se alimentam de ecrãs. Nem sequer se dão ao trabalho de esconder o bocejo. «As suas aulas atrofiam-nos», disse-me um deles há dias. Respondi-lhe que se fosse fácil não tinha graça nenhuma, pelo menos para mim, e que me dá gosto assistir ao fumegar das suas cabeças. É preciso queimar muito carvão para pôr a locomotiva a andar.
Muitas vezes sou mais performer do que professora, tenho plena noção de que não posso deixar cair a cena. Quem se põe à frente de uma plateia, como é o caso de quem ensina ou tenta ensinar alguma coisa todos os dias, claro que tem uma personagem intermédia. Como se poderia sobreviver a tamanha exposição sem uma máscara, mesmo que não muito distante da própria cara? Embora o mais difícil não seja mostrar o próprio rosto. O mais custoso é fazer com que os alunos se vejam a si próprios. Um bom mestre faz isso. É apenas um veículo que potencia os rapazes e as raparigas acabados de estrear na sua pele de adultos. Sinto uma ternura evidente pelas pernas agitadas nas cadeiras antes de me revelarem um texto, quando lhes peço para lerem em voz alta. O medo do julgamento, o medo de falhar. Se eles soubessem que quem está deste lado da sala também tem medo de lhes falhar.
Há dias, num corredor da Universidade, uma aluna disse-me que tinha lido uma crónica que escrevi para uma publicação e quis dar-me um abraço. Desarmou-me. Não estava à espera que uma aluna que mal conheço me quisesse abraçar no meio do corredor por causa da leitura de um texto. Coloquei a máscara, recusei. Horas depois, já tarde demais, arrependi-me de ter declinado o seu gesto de carinho. Suponho que nunca se deve negar um abraço e que não há ética profissional entre professora e aluna que proíba a manifestação de afectos. Gosto dos alunos e das alunas, mesmo que lhes evite o uso do pronome possessivo e que coloque por vezes a máscara. Talvez seja uma protecção porque os rostos mudam todos os anos, vêm sempre outros diferentes e mais jovens, e possivelmente me proteja dessa ligação emocional que acontece entre professores e alunos. Inevitável afeição ao ver como muitos florescem durante o semestre, alimentados pelo pouco, mas honesto, que lhes damos.