Natércia Salgueiro Maia chegou a receber a notícia da morte do marido, durante a guerra colonial
Natércia Salgueiro Maia chegou a receber a notícia da morte do marido, durante a guerra colonial, através do próprio sogro, que numa manhã lhe bateu à porta, depois lhe terem dito que o filho tinha morrido na Guiné.
“Ainda estava deitada, eram aí umas 09:00. Era o meu sogro a dizer que, no Entroncamento, lhe tinham dito que o filho tinha morrido”, disse à agência Lusa a mulher do capitão de abril Fernando Salgueiro Maia, que viria a morrer em 1992, por doença.
Depois de várias tentativas infrutíferas para confirmar a notícia, Natércia Salgueiro Maia conseguiu finalmente estabelecer ligação com a Guiné. “Liguei para a Escola Prática [de Cavalaria], liguei para vários sítios, ninguém sabia de nada. Depois, liguei para a Guiné. Naquela altura era através de uma telefonista. Até contei a minha história à telefonista, que foi muito simpática”, confessou à Lusa, ao recordar os tempos conturbados que viveu antes da revolução de abril de 1974.
“A primeira vez ele não atendeu, depois a senhora continuou a insistir, até que falei com ele”, afirmou, recordando que Salgueiro Maia não respondeu à primeira chamada porque acabara de regressar de uma operação militar numa das zonas onde se impunha a resistência à colonização: “Vinha muito cansado, estava a descansar e então, quando foram contactá-lo para vir ao telefone, ele não percebeu e mandou, se calhar, a pessoa dar meia volta, porque queria era descansar”.
Quando se apercebeu da origem do telefonema, Salgueiro Maia acabou por atender, mas este não foi o único susto que Natércia apanhou naqueles tempos: “Tenho uma amiga que foi minha colega de curso e cujo marido era alferes na companhia do meu e ela uns dias antes, não muitos, tinha-me dito — Olha Natércia vou dizer-te uma coisa porque se fosse ao contrário também gostaria que me contasses”.
A amiga recebera uma carta do marido, em que este lhe dizia que Salgueiro Maia tinha sido ferido, mas sem gravidade. “Eu até acreditei, mas depois fiquei a pensar que se calhar até foi mesmo grave e a coisa não correu bem”, confessou a antiga professora de matemática, que tenta encontrar explicação racional para tudo, como o facto de se manter calma em situações de grande stress e adormecer subitamente a meio do dia, com o quarto iluminado de sol. “Não sou de dormir durante o dia, não durmo. Como não deito para fora…”.
Com 80 anos impercetíveis, Natércia guarda inúmeras memórias do tempo que viveu com Salgueiro Maia, da guerra colonial ao 25 de Abril, entre muitas outras. Em casa, ainda conserva lenços que foram oferecidos ao então capitão pelos civis que saíram à rua em apoio aos militares no dia em que se cumpriu o golpe de Estado que abriu caminho para a democracia: “Ele tinha sinusite. Naquela altura não se usavam lenços de papel, os populares foram comprar e deram-lhe, porque ele já não devia ter e precisava muito”.
Depois da revolução, Salgueiro Maia regressou a Santarém, mas o papel desempenhado na queda do regime faria com que a população o procurasse junto da instituição militar para pedir ajuda nas mais diversas situações.
Nas aldeias, os militares fizeram fontes, arranjaram terrenos para campos de futebol e atenderam a outras solicitações do povo, que procurava por Salgueiro Maia na Escola Prática de Cavalaria de Santarém.