O que está em causa no novo e controverso projeto de lei sobre política migratória da Alemanha
O ‘Bundestag’, câmara baixa do parlamento federal alemão, aprovou, na semana passada, um projeto de lei que endurece as condições de deportação, numa altura em que milhares de cidadãos têm protestado nas ruas contra a extrema-direita.
Os protestos surgiram após a divulgação de uma investigação jornalística de alegados planos de expulsão de estrangeiros no país, traçados numa reunião organizada por figuras influentes da extrema-direita, com a presença de membros do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que ocupa o segundo lugar nas sondagens alemãs.
As manifestações, que têm reunido centenas de milhares de pessoas em toda a Alemanha, contaram com o apoio de membros do Governo alemão, nomeadamente o chanceler alemão, Olaf Scholz, e a ministra dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock.
Eis perguntas e respostas sobre o que está em causa com a chamada “Lei de Melhoria do Repatriamento”:
Quais são os principais pontos da lei aprovada?
A polícia passa a ter novos poderes para procurar as pessoas identificadas para sair do país – pode, por exemplo, fazer buscas em quartos de alojamento partilhado e não apenas no quarto do indivíduo que está a ser deportado.
Este tem sido um obstáculo comum para as autoridades em caso de deportações falhadas devido à incapacidade de localizar as pessoas envolvidas. A falta de cooperação dos migrantes, que podem querer não fornecer documentos de identificação sabendo que isso pode dificultar o repatriamento, também pode atrasar ou impedir o processo.
Por outro lado, a duração máxima de retenção antes da expulsão passa de 10 para 28 dias, para dar às autoridades mais tempo para organizar as expulsões.
A lei prevê sanções mais severas para o tráfico de seres humanos, sejam as ajudas à viagem remuneradas ou não.
Além disso, os requerentes de asilo passam a poder começar a trabalhar após seis meses, em vez dos atuais nove meses. A duração dos benefícios será alargada de um ano e meio para três anos.
A regra também inclui que os crimes de ódio antissemitas podem ser considerados “graves” para efeitos de deportação. O mesmo se aplica ao racismo, à xenofobia, ao género ou à orientação sexual.
O que diz a lei sobre as Organizações Não-Governamentais (ONG)?
O diploma contém disposições que limitam os processos à assistência em terra, o que, segundo o governo, protege as organizações não-governamentais que ajudam os migrantes no mar.
Que impacto terá a lei?
O governo estima que a nova lei vai afetar cerca de 50 mil pessoas e conduzir a 600 expulsões suplementares por ano.
Segundo a ministra do Interior, as deportações em 2023 aumentaram para 16.430, cerca de 27% mais do que no ano anterior, em resultado de uma aplicação mais firme da política existente.
Como votaram os partidos?
A lei foi aprovada com os votos da coligação formada pelo Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), o Partido Democrático Livre (FDP) e Os Verdes.
Tanto a AfD como a União Democrata-Cristã (CDU) votaram contra por considerarem que a lei deveria ser mais dura.
Qual foi a posição do Governo sobre a lei?
“Queremos que as pessoas que não têm o direito de ficar no nosso país sejam obrigadas a abandoná-lo mais depressa”, declarou a ministra do Interior, Nancy Faeser, a propósito deste projeto de lei, que visa “expulsar de maneira mais rápida e mais eficaz”.
A governante, que pertence ao SPD do chanceler Olaf Scholz, garantiu: “Os que fogem da guerra e do terrorismo podem contar com o nosso apoio”.
Quantos pedidos de asilo houve em 2023?
A Alemanha recebeu 352 mil pedidos de asilo no ano passado, mais 51% que em 2022.
No entanto, estes números estão distantes do pico da crise migratória entre 2015 e 2017, quando 722 mil pessoas solicitaram asilo.
Além disso, o país acolheu cerca de 1,1 milhão de refugiados ucranianos na sequência da invasão russa, em fevereiro de 2022.
Que reações houve à lei?
Grupos de defesa dos direitos humanos criticaram as novas disposições, tendo a Associação Alemã de Advogados argumentado que não são “proporcionais”.
“Estamos horrorizados com a ideia de que as pessoas em fuga e aqueles que lhes oferecem ajuda humanitária possam ser ameaçados com penas de prisão”, afirmou a associação de salvamento marítimo SOS Humanity.
A ONG afirmou que o Governo alemão “quebrou as promessas feitas no acordo de coligação de não dificultar a busca e salvamento civil”. A ONG afirma ainda que, nalgumas circunstâncias, a nova lei poderá expor os seus voluntários a penas de prisão.
Uma petição que reuniu 136 mil assinaturas contestou a “prisão por salvamento marítimo civil”.
A Medical Volunteers International, outra das organizações envolvidas numa ação de protesto no dia da aprovação da lei, declarou: “A União Europeia continua a fechar-se e a restringir maciçamente o acesso aos direitos humanos. A criminalização das ONG que trabalham em prol dos direitos humanos é terrível! A saúde é um direito humano e deve ser disponibilizada incondicionalmente a todas as pessoas, independentemente do local onde vivem ou do seu estatuto”.