‘The Neon Demon’ e a estética sobre o conteúdo
Nicolas Winding Refn é um realizador obcecado com o perfeccionismo de uma estética e estilo provocantes que são já de cunho próprio e inconfundível. A esses aspectos se junta invariavelmente uma banda sonora (a cargo de Cliff Martínez, um habitué junto do realizador) que quase se faz sentir também ela no aspecto visual sendo visceral, crua e em harmonia com tudo o que está à sua volta, como é apanágio do cinema deste realizador dinamarquês.
O realizador que saltou para a ribalta com o fantástico Bronson (com Tom Hardy no papel principal) optou em Drive e Only God Forgives (ambos com Ryan Gosling) por um uso de palete de cores mais chamativa e apelativa ao olhar, hipnotizando-nos (sobretudo em Drive) para que o desculpássemos o suficiente por uma falta de essência passível de ser apontada por vezes aos seus protagonistas. Em The Neon Demon, Nicolas volta a repetir essa fórmula que é tão sua e capaz de provocar diferentes reacções, amando-a ou odiando-a, como aconteceu em Cannes este ano, onde esta última obra do realizador foi alvo de criticas ferozes pela “falta de sumo” e conteúdo.
A cena inicial prontamente se presta a demonstrar toda a excentricidade na fotografia (a cargo de Natasha Braier que em 2014 nos trouxe o excelente The Rover) que Winding Refn traz aos seus filmes. Uma sessão fotográfica de tons aguerridos e ensanguentados contrastados na pálida e angelical tonalidade de pele de Jesse (Elle Fanning), uma adolescente que chega a LA para tentar singrar na moda. Elle Fanning, que é sem dúvida uma das boas surpresas neste filme, tem uma inocência no seu olhar e na sua figura que a tornam a escolha perfeita para o papel de “menina” que chega a uma Los Angeles pecaminosa e injusta, sobretudo numa indústria competitiva como a da moda.
À timidez inicial opõe-se uma frieza súbita e forçada que nos é dada de rompante no segundo acto do filme. É neste “crescimento” inesperado da personagem principal que a obra perde a sua subtileza de até então, sobretudo em relação a Jesse, optando em vez disso por uma (demasiado) repentina mudança da sua personalidade. Demasiado abrupto numa obra hipnótica e delineada para que deixássemos que não nos cause estranheza.
O filme, que conta ainda com as presenças de Karl Glusman (o Murphy de Love, de Gaspar Noé), Desmond Harrington e uma participação especial de Keanu Reeves, vale, além da já falada Elle Fanning, pelas fantásticas prestações de Jena Malone e da surpreendente Abbey Lee.
Revestido por um sentido de humor negro a espaços, The Neon Demon é um cruel retrato do mundo cínico e concorrencial como o da moda e de como a inocência (não) encaixa numa selva social como Los Angeles (porventura, o grande demónio de néon). Com uma recta final cativante (como de resto o são algumas cenas ao longo do filme e que são por si só merecedoras do bilhete) neste surpreendente thriller “estilizado” à maneira de Nicolas Winding Refn, The Neon Demon é um estranho mas agradável amargo de boca (um pouco como o efeito que as gomas ácidas têm em nós quando as trincamos) e um caso caso em que se acaba por aceitar o estilo sobre o conteúdo, e não o convencional contrário. Belo e assustador.