Jovens reclusos de Leiria trocam emoções, dúvidas e conselhos com estudantes do secundário e do ensino superior

por Lusa,    8 Fevereiro, 2024
Jovens reclusos de Leiria trocam emoções, dúvidas e conselhos com estudantes do secundário e do ensino superior
Fotografia de Vinicius “amnx” Amano / Unsplash

Jovens reclusos de Leiria e estudantes do secundário e do ensino superior trocaram emoções, dúvidas e conselhos através do desenho, poemas ou pequenas mensagens, inscritas em diários gráficos, que durante quatro meses viajaram entre estabelecimentos.

António Muambuco está detido no Estabelecimento Prisional de Leiria Jovens. Começou a escrever o que lhe ia na alma no diário e agora assume que a escrita tomou conta de si: “Fazia uns desenhos a condizer o que estava a sentir e escrevia algumas palavras de positividade. Foi bom libertar o que sentia. Comecei a escrever cartas, que mando para casa. Foi uma oportunidade para transmitir os meus sentimentos a outra pessoa”, contou à agência Lusa.

Também Gabriel Ramos admitiu que, agora, escreve sempre que tem tempo, seja palavras motivacionais ou o que está a sentir no momento: “Descobri que consigo escrever e que isso me faz bem”.

“Cá dentro, Lá fora/Lá dentro, Cá fora” é um projeto que uniu estudantes da Escola Superior de Ciências Sociais do Politécnico de Leiria, da Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo e um grupo de 22 jovens da ‘prisão-escola’, que visou a correspondência semanal e o seu registo gráfico em diários, entre jovens dos 17 aos 23, anos em contextos diferentes.

Não faziam ideia com quem se correspondiam, qual a idade e o género. Os projetos eram assinados com um pseudónimo. Os sentimentos e incertezas, que assolam os jovens, são comuns, apesar de estarem em contextos diferentes.

Assumem que era um refúgio e uma forma de libertarem o que sentem e admitem que há quem possa estar livre fisicamente, mas preso dentro de si.

“Há pessoas que estão lá fora e estão piores que nós”, afirmou Miguel Gonçalves, outro dos reclusos que participou no projeto.

“A liberdade acaba por ser subjetiva. Cada um tem a interpretação do que é a liberdade”, acrescentou José Fernandes, que começou por se corresponder através do desenho, mas depois aventurou-se na escrita.

Com jeito para o desenho, mas também para a criação de música, Hélio Rodrigues escreveu alguns versos musicais, que transmitiam as dificuldades por que já passou, situações não muito diferentes das que passam outros jovens da sua idade. “Não há motivo para baixar a cabeça e desistir”, tentou transmitir.

O mesmo objetivo teve Gabriel Ramos, que procurou incentivar os outros, com palavras manuscritas ou através de colagens, dando “forças para quem estava lá fora a passar por um momento difícil”.

“Esta foi uma maneira de mostrar às pessoas que estão lá fora que somos todos iguais, não é por termos cometido um erro que somos diferentes dos outros jovens. Mostrámos que alguns, aqui, também têm talento”, sublinhou José Fernandes, ao confessar que, para si, “foi uma libertação de alguns sentimentos”.

Miguel Gonçalves entende que este projeto teve ainda uma tónica de reinserção social, “ao mesmo tempo que deu para perceber que não é só cá dentro que há problemas, que a vida lá fora também é difícil”.

Desanuviar e libertar o ‘stress’ é como Guilherme Ferreira sentiu a sua participação nos desenhos que foi rabiscando no seu diário, que transmitiam as suas emoções. Aguardava ansioso pelo regresso do diário e gostava de algumas coisas que via. “Dava para perceber se estavam tristes ou felizes. As cores mostram muitas coisas”.

Dentro dos diários gráficos viajaram mensagens de encorajamento e motivação: “Ensinámos a não baixar a cabeça aos problemas e a manter sempre a cabeça erguida, independentemente das circunstâncias. Por mais que pareça difícil, dá sempre para superar e há sempre alguém pior que nós”.

Pedro Correia, aluno finalista de Educação Social na ESECS, experimentou a técnica do ‘doubling’ em desenho para exprimir o que sentia, mas considerou que a parte escrita do projeto “foi a mais interessante, porque muitas vezes havia mesmo troca de correspondência, com respostas a perguntas e conselhos, mesmo sem saber com quem se estava a falar”.

Este jovem elogiou a arte de um aluno recluso, que “compôs letras musicais espetaculares”. “É uma pessoa extremamente expressiva e conseguiu passar os seus sentimentos para o papel. Tivemos um momento em que nos encontrámos fisicamente com eles e percebemos que os diários eram um escape. O interessante é que da nossa parte sentimos exatamente a mesma coisa”, confessou Pedro Correia, ao considerar que o ponto mais forte deste projeto foi a componente sociopedagógica.

“A prisão deve ser vista como um meio de capacitar e incentivar as pessoas a contribuir e a participar ativamente na sociedade para poder construir algo melhor. Conseguimos isso através da pedagogia e destes projetos”, defendeu o estudante.

Ricardo Henriques, outro estudante da ESECS, tentava coisas diferentes sempre que tinha o diário. “Expressava-me como me vinha à cabeça. Escrevia emoções que sentia na altura e passei-as para desenhos. Era despejar o que estava cá dentro”, contou.

“Percebemos que os jovens reclusos são pessoas como outras quaisquer, com emoções, com desejos e com sonhos. Podem ter cometido um crime, mas isso não os define. Escreviam sobre a família e desenhavam abraços. Querem carinho como nós”, acrescentou.

Ângelo Teixeira e Andreia Pinheiro foram dois dos alunos do 12.º ano da turma de Artes Visuais que trocaram correspondência com os outros jovens através do desenho. Não tinham a liberdade dos outros, pois a sua participação tinha um tema dado pelo professor. Tiveram de dar azo à criatividade para desenhar janelas.

“No início, estava um pouco triste, porque me empenhava muito nos meus trabalhos e os deles eram muito pobrezinhos. Mas eles foram melhorando. Às vezes, chegavam-nos poemas ou desenhos de grades”, contou Andreia Pinheiro.
Para Ângelo Teixeira, este foi “um projeto interessante”. “É conversar com eles de maneira diferente. Alguns já enviavam mensagens com ‘emojis’”.

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