António Guterres é “moralmente forte, mas politicamente fraco” em seis meses de guerra, afirma analista Richard Gowan

por Lusa,    6 Abril, 2024
António Guterres é “moralmente forte, mas politicamente fraco” em seis meses de guerra, afirma analista Richard Gowan
Fotografia de Eric Bridiers – United States Mission Geneva

O analista Richard Gowan, do International Crisis Group (ICG), considera que o secretário-geral da ONU, António Guterres, foi “moralmente forte, mas politicamente fraco” durante os seis meses de guerra entre Israel e o Hamas em Gaza.

Em entrevista à Lusa, Gowan, um especialista no sistema das Nações Unidas, Conselho de Segurança e em operações de manutenção da paz, observou que apesar da reputação de ser um secretário-geral extremamente cauteloso, Guterres tem sido “muito ousado” nas suas declarações sobre esta guerra.

“Guterres tem sido invulgarmente franco nas suas críticas às ações israelitas e apelos a um cessar-fogo. (…) Isto não só prejudicou as suas relações com Israel, mas também irritou a administração de Joe Biden”, advogou Gowan.

De acordo com o analista, as autoridades norte-americanas estão “muito frustradas” com as declarações públicas do ex-primeiro-ministro português sobre a guerra, que, por sua vez, “sente que tem a obrigação moral de adotar uma posição forte em questões humanitárias”.

Mas, apesar da frustração norte-americana, Gowan acredita que Guterres conquistou o respeito de muitos outros membros da ONU pela sua posição.

O ataque sem precedentes do Hamas a Israel em 07 de outubro, assim como a implacável resposta das forças israelitas na Faixa de Gaza, voltaram a colocar os olhares internacionais não só na ONU, como também no seu secretário-geral, António Guterres, que transmitiu inúmeros apelos a um cessar-fogo urgente e imediato, mas também alertas de catástrofe humanitária.

Contudo, esses apelos não só foram amplamente ignorados pelas partes em conflito, como valeram duras críticas a Guterres e à própria ONU por parte de Israel, que acusa o ex-primeiro-ministro português e a organização multilateral de “parcialidade”.

A já tensa relação entre Israel e a ONU atingiu um novo patamar quando Guterres, na abertura de uma reunião do Conselho de Segurança, em 24 de outubro passado, admitiu que os ataques do Hamas “não aconteceram do nada”, frisando que o povo palestiniano “foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante”.

Essas declarações levaram Israel a pedir a demissão “imediata” de Guterres da liderança da ONU.

Apesar de avaliar que Guterres se manteve moralmente forte durante este meio ano de conflito, Richard Gowan frisou que o secretário-geral não foi capaz de desempenhar um papel político significativo na guerra.

“Israel não confia em Guterres e os EUA não querem que a ONU complique os seus próprios esforços diplomáticos. Guterres nem sequer visitou Israel durante a guerra, nem falou por telefone com Benjamin Netanyahu [primeiro-ministro israelita]”, recordou.

“Isto é frustrante para Guterres, embora eu não tenha a certeza de que algum secretário-geral teria tido mais acesso aos israelitas. Netanyahu desconfia fundamentalmente da ONU como um todo”, declarou Gowan, que é diretor do departamento da ONU no ICG, organização não-governamental voltada para a resolução e prevenção de conflitos armados internacionais.

O analista advogou que, após os ataques de 07 de outubro, Israel tomou claramente a decisão de “ignorar toda e qualquer crítica da ONU”, mesmo sabendo que iria enfrentar resoluções negativas no Conselho de Segurança e na Assembleia-Geral.

“Eles simplesmente rejeitam todas as críticas sob o argumento de parcialidade da ONU. Em última análise, enquanto Israel tiver a proteção dos EUA no Conselho de Segurança, não se importará realmente”, defendeu.

O especialista também notou que, embora muitos países tenham condenado Israel nos fóruns da ONU, muito poucos tomaram medidas reais para penalizar os israelitas, como o corte de relações diplomáticas bilaterais.

“Isto faz com que os seus posicionamentos na ONU pareçam menos significativos – ou talvez estejam a usar as suas declarações na ONU como um álibi para evitar qualquer ação real”, argumentou Gowan, em declarações à Lusa.

Prestes a completar seis meses, a guerra na Faixa de Gaza foi iniciada com um ataque sem precedentes do Hamas contra Israel em 07 de outubro, onde fez 1.163 mortos, na maioria civis, e 250 reféns, cerca de 130 dos quais permanecem em cativeiro e 34 terão entretanto morrido, segundo o mais recente balanço das autoridades israelitas.

Em retaliação, Israel declarou uma guerra para “erradicar” o Hamas, que começou por cortes ao abastecimento de comida, água, eletricidade e combustível na Faixa de Gaza e bombardeamentos diários, seguidos de uma ofensiva terrestre ao norte do território, que depois se estendeu ao sul, estando agora iminente uma ofensiva à cidade meridional de Rafah, onde se concentra mais de um milhão de deslocados.

A guerra entre Israel e o Hamas provocou até agora na Faixa de Gaza mais de 33 mil mortos e quase dois milhões de deslocados, mergulhando o enclave palestiniano sobrepovoado e pobre numa grave crise humanitária, com mais de 1,1 milhões de pessoas numa “situação de fome catastrófica” que já está a fazer vítimas – “o número mais elevado alguma vez registado” pela ONU em estudos sobre segurança alimentar no mundo.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.