Casa das Histórias Paula Rego assinala os 50 anos do 25 de Abril com exposição “Manifesto”
A nova exposição da Casa das Histórias Paula Rego evoca a primeira mostra individual da artista, apresentada em 1965 na Sociedade Nacional de Belas-Artes, para relembrar, nos 50 anos do 25 de Abril, os temas e acontecimentos marcantes da história recente de Portugal que Paula Rego, destemidamente, explorou nas suas obras.
“Paula Rego: Manifesto” tem curadoria de Catarina Alfaro e Leonor de Oliveira e estará patente na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, de 18 de abril a 6 de outubro 2024. A exposição é realizada numa iniciativa da Fundação D. Luís I e da Câmara Municipal de Cascais, no âmbito da programação do Bairro dos Museus, que assim prosseguem a ambiciosa política cultural que em conjunto definiram.
“Paula Rego: Manifesto” parte da recriação da primeiríssima exposição individual de Paula Rego, apresentada há quase 60 anos, numa altura marcada pela intensificação do ambiente repressivo e persecutório da ditadura. A partir de 18 de abril, dezoito das dezanove pinturas que compunham aquela mostra histórica, criadas entre 1961 e 1965, estarão novamente reunidas e poderão ser vistas na Casa das Histórias Paula Rego.
Algumas das obras que integram “Paula Rego: Manifesto” foram localizadas apenas recentemente, depois de anos em paradeiro incerto, fruto de um minucioso trabalho de investigação, ainda decorrer, que ambiciona catalogar todos os trabalhos conhecidos que Paula Rego produziu entre as décadas de 1950 e 1960. As obras em empréstimo são provenientes das coleções de instituições nacionais como a Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação de Serralves, além de coleções particulares portuguesas, inglesas e francesas.
Em obras como “Manifesto por uma causa perdida” (1965), “Cães famintos” (1963), “Alegoria Britânica” (1962-63), “Tarde de Verão” (1961) e “Fevereiro 1907 (O Regicídio)” (1965), Paula Rego, corajosamente, afirmava uma atitude de resistência contra a ditadura, que considerava anacrónica e absurda. As pinturas exibidas em 1965 e novamente em 2024, comunicavam a sua experiência enquanto artista e mulher e revelavam a violência da realidade vivida, que incluía a Guerra Colonial Portuguesa, que a artista também criticou. Para ressaltar a importância daquela exposição no panorama cultural português da época, “Paula Rego: Manifesto” integra documentos daquele período relacionados com a organização e a receção crítica da mostra de 1965.
As pinturas em exposição também revelam como o experimentalismo plástico confundiu a censura e colocou em causa as convenções artísticas, políticas e sociais da época. As curadoras da exposição de 2024, Catarina Alfaro e Leonor de Oliveira, observam que “a técnica plurimaterial que a artista então desenvolvera, utilizando materiais heterogéneos — tintas, papéis recortados e colados sobre a tela — e os temas abordados, que sugerem um posicionamento crítico e de desafio em relação à autoridade, manifestam uma atitude de resistência política através da prática criativa. A sua primeira exposição individual criou, por isso, nesse ano sombrio de 1965, um espaço de dissensão, confronto e liberdade”.
Contudo, a recriação da exposição original ocupa apenas 1 das 8 salas da Casa das Histórias Paula Rego dedicadas à mostra que será inaugurada a 18 de abril. A segunda parte da exposição apresenta cerca de 60 obras e propõe um aprofundamento crítico, através do olhar e da experiência de PaulaRego, sobre temas como o contexto pós-revolucionário, assim como a intervenção cívica da artista no seu país de origem. As curadoras também salientam: “pela primeira vez reúne-se um conjunto de obras que comentam a Revolução de 25 de Abril de 1974 e a persistência de elementos icónicos da ditadura na sociedade portuguesa em democracia”.
A segunda parte da exposição apresenta ainda as obras em que Paula Rego aborda temáticas relativas aos direitos das mulheres, um assunto que tratou durante toda a sua carreira, desde as suas primeiras provocações sobre o prazer feminino, a constante denúncia sobre a repressão, violência e discriminação contra as mulheres, às séries mais recentes, como “Mutilação genital feminina” de 2009. Destacam-se os desenhos em que confronta a indiferença dos portugueses, traduzida na grande abstenção ao referendo de junho de 1998, sobre a questão da despenalização do aborto. Com estas obras, a artista interveio mais diretamente na discussão política em Portugal e “contribuiu decisivamente para consciencialização da opinião pública sobre a necessidade de uma tomada de posição, que viria acontecer no terceiro referendo realizado em 2007 e que veio finalmente alterar a legislação portuguesa”, recordam as curadoras.
Para Catarina Alfaro e Leonor de Oliveira, Paula Rego foi uma artista contrahistoriadora: “a narrativa sobre a ditadura e o processo de democratização têm sido dominados pela perspetiva e ações masculinas. Em contracorrente, a obra de Paula Rego inscreve na abordagem crítica desses momentos históricos não só a experiência feminina, mas também o papel das mulheres na luta pela democracia e pelos seus direitos. O trabalho criativo e a intervenção cívica da artista recordam-nos ainda que a democracia é um projeto em construção e tem que ser revista e promovida constantemente”.