Entrevista. Fernando Daniel: “Na música, ainda sinto o preconceito com quem não é de Lisboa ou Porto. Não é por mal, mas está enraizado”
Em pouco mais de meia-dúzia de anos, Fernando Daniel passou de um desconhecido a uma das maiores estrelas pop da música portuguesa. Deu-se a conhecer ao país quando venceu o “The Voice Portugal” em 2016, lançou a sua carreira a solo no ano seguinte e tem vindo a cimentar o seu percurso com álbuns, singles e concertos marcantes.
Para este ano, prepara um projeto ambicioso e com uma componente solidária — que ao mesmo tempo pretende contribuir para uma certa descentralização cultural no país — que será uma escola de música na cidade a que chama casa, Ovar. Por um lado, será um sítio para miúdos e graúdos terem aulas com profissionais sem precisarem de ir para um centro urbano maior. Por outro, serão os seus estúdios, com todas as condições para que possa realizar o seu trabalho sem ter de fazer grandes deslocações.
Foi este o principal pretexto para uma entrevista na Comunidade Cultura e Arte, mas também abordámos o disco que o músico de 27 anos está a preparar — o segundo volume de “VHS” — ou o grande concerto no Rock in Rio Lisboa, que vai marcar o ano deste artista.
Um dos motivos que nos levaram a querer fazer esta entrevista foi o projeto da escola de música em Ovar que já anunciaste que irás abrir. Como é que tiveste inicialmente a ideia? E como é que imaginas a coisa a funcionar, na prática?
O princípio é muito básico. Quando pensei nisto, uma das ideias principais sempre foi que, no meu caso, os meus pais não tinham possibilidades para me pôr numa escola de música a aprender — e é uma coisa que sempre me despertou algum interesse. Sou autodidata e fui sempre aprendendo coisas sozinho através de tutoriais no YouTube… No meu caso, consegui chegar até aqui, meio que sozinho, a aprender dessa forma. Mas nem toda a gente vai conseguir. Ou seja, a fórmula não tem que ser a mesma para todos. Nem todos seguimos o mesmo trajeto. E eu parti deste princípio: neste momento tenho disponibilidade financeira e mediática para abrir uma escola e com isso poder chegar a mais pessoas. Por que não construir um estúdio? Já era uma coisa que eu queria. Estar sempre entre Ovar e Lisboa acaba por ser cansativo. Queria algo que me servisse primeiro a mim, ter os meus estúdios onde pudesse trabalhar e produzir, para onde pudesse chamar os produtores — em vez de ser eu a sair e a fazer as viagens, chamo-os cá e podem dormir e trabalhar cá. Posso chamar artistas para colaborarem comigo. Dinamizo o espaço, a minha cidade, e juntamente com isso pensei em abrir a escola, porque já era algo que queria pelas razões que estava a dizer. Porque não criar uma espécie de bolsas? A parte solidária nasce daí. E foi através dessa ideia que consegui vários parceiros. Estava eu e o meu teclista a falarmos e comentei com ele: se criasse agora um estúdio, achas que isto…? “Estás-te a passar? As pessoas vinham todas para aí, porque todos quereriam aprender no estúdio do Fernando Daniel”. Fiquei meio reticente, estamos a falar de uma zona que fica entre Aveiro e o Porto, duas grandes cidades.
Que já têm oferta de escolas de música.
Exato, então pensei em destacar-me pela diferença. Acaba por não ser nem uma escola pública nem uma escola privada normal. É um artista que decidiu oferecer 10 bolsas a pessoas. Se tudo correr bem, vamos abrir no final do ano — e queremos aproveitar o ano letivo para fazer alguma divulgação nas escolas da região para os miúdos se inscreverem. São feitas audições… Nessas 10 bolsas eu ofereço completamente as aulas individuais.
Tu próprio vais dar aulas?
Eu não dou aulas. Quem dá é o meu vocal coach, o Diogo Pinto, e terão também aulas com o meu teclista, que ensina piano e guitarra, que é o Fernando Mendoza; aulas de bateria com o Mike; e ainda quero ver se convenço outros músicos que ainda não se sentem tão à vontade para dar aulas…
E no teu caso, preferes não fazer? Não tens disponibilidade?
Não é não ter tempo. Ter tempo até tenho. Acho é que não tenho capacidade suficiente para ensinar. Neste momento posso ajudar financeiramente com muitas coisas — com marcas, com instrumentos para os miúdos que ainda não tenham possibilidades — mas sou um autodidata. A forma como aprendi é muito própria, não segui a regra. E, atenção, a escola também não terá um ensino normal. Os miúdos e graúdos que forem — não há limite de idade — vão aprendendo conforme aquilo a que quiserem chegar. Uma pessoa pode querer aprender um bocadinho de piano mas não querer seguir a parte teórica — e está tudo bem com isso. Normalmente, uma escola obriga a seguir o teórico e o prático. No meu caso, sei muito pouco de teórico — tudo aquilo que sei é de ouvido e da prática, por isso não me sinto muito capaz. Mas vou ser mentor da escola e das aulas em si. De vez em quando vou acompanhar, vou ver o que se anda a passar, e dando o meu input e tentar utilizar a minha história e percurso para inspirar uma ou outra pessoa que o professor sinta que precisa.
E a tua experiência já conta.
Vamos oferecer 10 bolsas anuais, que duram um ano letivo. As bolsas podem transitar se os professores acharem que a pessoa realmente está a aproveitar a bolsa e a oportunidade que tem. Mas depois também há as outras pessoas. Suponhamos que ofereço uma bolsa ao João. O João queria aprender música mas de repente só quer saber do futebol, já não vem muito às aulas, está a utilizar a bolsa gratuita com um instrumento que lhe faculto, mas não está a aproveitar. No final do ano: João, obrigado, vamos abrir uma audição para outra pessoa para a bolsa transitar para ela; se quiseres continuar a ter aulas, tudo bem, mas existirão os custos normais. Porque a escola não será 100% gratuita. São 10 bolsas que vou abrir e depois há preços diferentes para o tipo de escalão. Tal como existem os diferentes escalões na escola. As 10 bolsas não pagam rigorosamente nada. O escalão A paga um terço, o escalão B paga metade e o C paga a totalidade. E vamos tentando gerir consoante os vencimentos das pessoas. Como também não somos uma entidade pública, não posso de repente chegar ao pé de uma pessoa e perguntar: quanto fatura? Não é legal e também não é de bom tom. Por isso é tentar gerir, perceber o que a pessoa faz, os gastos que tem, para fazer uma seleção que seja justa para todos.
E é um projeto que te deixa entusiasmado, claramente.
Sim, mas ao mesmo tempo também tenho medo. Porque é uma coisa em grande, é um projeto ambicioso. Já o queria fazer há algum tempo, na altura contava ter o apoio da câmara municipal, que depois acabou por não acontecer, e meio que ambicioso e persistente, agora que aqui cheguei e conheci o espaço — porque a ideia era existir uma espécie de contrato em que a câmara comprava o espaço e mo cedia para eu trabalhar para a cultura do município. Não foi isso que aconteceu, deixou de ser esse o objetivo, por interesses políticos — e eu fui um pouco apanhado aqui no meio desta confusão, e meio até que fui usado para chegarem a outros fins… Mas depois de ter visto aquele espaço, comecei a fazer contas à vida. Se calhar tenho de pôr um bocadinho em stand-by a minha vida pessoal e fazer este investimento. Numa trajetória normal de vida, se calhar compraria primeiro a minha casa e depois compraria um estúdio para trabalhar. Neste caso foi ao contrário. Vi ali uma boa oportunidade, uma discoteca que já estava insonorizada, precisava de algumas obras… E precisava de mais obras do que aquilo que eu estava à espera [risos]. Temos sempre um orçamento que, de repente, duplica ou triplica. Mas decidi não perder aquela oportunidade. Se calhar em Lisboa, por um espaço destes ia gastar mais de um milhão. Gosto de aqui estar, vou dinamizar isto, procuro casa aqui também — que acabei por encontrar. E vamos tentar dinamizar aqui a cidade. Foi a minha ideia em 2022 quando comprei o espaço. Agora percebo que ainda há muito investimento para ser feito — e venham mais concertos para eu conseguir continuar a ter fundo de maneio para esses investimentos. Às vezes sinto que na primeira vez em que colocar um tapete a sério sem aquilo estar tudo cheio de pó é que vou sentir: a partir de agora vamos começar.
E esperas ter muitos alunos? Qual é a tua expetativa para a dimensão do projeto?
Às vezes vou até ao estúdio e tenho aquele síndrome de impostor. Estou lá com os meus colegas, no outro dia estava com o Mendoza, o meu melhor amigo, que também é o meu teclista, e numa pausa comecei a refletir: tenho receio de me estar a afundar aqui, de estar a meter muito dinheiro, já gastei muito e tenho medo que isto depois não se revele aquilo que estou a imaginar. E ele disse: não te preocupes, tu estás sempre cheio de ideias, vais conseguir dinamizar isto bem. E eu a dizer que tinha receio de que as pessoas se interessassem mas depois aparecessem para uma aula para ver como é, porque a curiosidade faz com que as pessoas queiram experimentar uma aula, mas isso também não me interessa, pessoas que só paguem por uma aula e depois não venham mais… E ele disse: “achas mesmo que isso vai acontecer? Não acredito”. Passado uma hora ou duas, estava a fechar a porta do estúdio porque íamos para casa, e estava à porta do estúdio um casal com dois filhos. Eram de Gaia, o filho é autista e perguntaram-me se já tinha aberto o estúdio, porque já tinham passado ali várias vezes a tentar sondar o espaço, queriam que o filho tivesse aulas, porque a música ajuda-o a libertar-se muito mais… Quando ele está muito enervado ou tenso a música ajuda-o a relaxar. Isso mexeu comigo. Se calhar estou demasiado preocupado e não vale a pena estar a sofrer por antecipação. Vou investir aquilo que sinto que devo e posso investir e hei-de arranjar uma forma de as coisas resultarem.
Como disseste, tiveste esse percurso de autodidata e correu bem. Mas na altura sentiste que te faltava esse ensino mais formal ou profissional?
Sinto-o às vezes nos ensaios. O Mendonza é o que estudou mais música na minha banda e é o mais capacitado. E é engraçado porque às vezes falamos todos línguas diferentes. Eles às vezes falam de compassos e de como é que se contam compassos, e isso para mim…
Vais pelo instinto.
Sim, e chamo-lhes voltas, “ah, naquela volta que demos”. Mas depois um compasso às vezes tem quatro voltas, por vezes é o contrário, então é interessante porque ele fala mais com a linguagem teórica, depois tenho dois músicos que são o guitarrista e o baixista que percebem um pouco mas depois às vezes ficam meio naquela porque o Mendonza diz que não é assim e que é assado, e depois tenho o baixista, que também é mais de instinto. Ou seja, quando nos juntamos todos e queremos chegar a uma parte específica da canção, não partimos todos da mesma educação musical. E por vezes sinto que posso ficar um bocadinho atrás, mas ao mesmo tempo que estou a levantar este estúdio para ensinar os outros, há um objetivo meio escondido que é eu também estudar.
Também queres aprender.
Quero aprender mais. Não há uma regra que diga que, a partir do momento em que és artista, não podes aprender mais porque já devias saber tudo. Acho que ainda tenho espaço e vamos estar sempre a aprender até aos nossos últimos dias. E o estúdio ainda vai ser uma maior força para isto. Montei 800 metros quadrados de música, sou obrigado a saber mais de música.
Como disseste, Ovar não é uma cidade grande mas ao mesmo tempo está próxima de Aveiro e Porto. Não é propriamente uma localidade desterrada no interior. Mas sentes que é mais difícil para um miúdo de lá que quer ser artista afirmar-se em relação a outro que tenha crescido no Porto ou em Lisboa?
Obviamente, Lisboa é o grande centro, é a capital, é onde existem mais meios de comunicação e mais oportunidades. Só que, de há uns tempos para cá, há uma coisa chamada Internet. E ela encurta um bocadinho as distâncias. Se formos inteligentes e a usarmos da melhor forma possível, facilmente encurtamos uma distância. Não é por vivermos em Trás-os-Montes, por exemplo, que deixamos de conseguir tocar nas rádios. O que é que se torna mais chato? São as deslocações. Se eu quiser ir às manhãs da RFM ou da Rádio Comercial, ou vou de véspera e fico a dormir em Lisboa, ou então saio de lá às cinco da manhã. Uma pessoa que vive em Trás-os-Montes se calhar tinha que acordar às duas ou três da manhã, não é? Estamos a falar de outro tipo de esforços.
Mas isso até é um bom problema: alguém que já tem espaço para ir falar a um grande programa de rádio. Estava a falar das pessoas que estão a começar, que desejam ser artistas profissionais.
Naquilo que senti alguma dificuldade, e neste caso ainda morava em Estarreja, foi que via muitas das vezes certas comparações que faziam comigo e outros músicos da terra, que não são mais nem menos do que eu… Mas sentia da parte da malta mais velha: Isto é Estarreja, já é fixe fazeres uns bares, ires a uns casamentos, fazeres uns restaurantes, abrires para o artista X ou Y nas festas da cidade. E a minha mentalidade sempre foi: eu não quero abrir para o artista X. Eu quero ser o artista que vai ter alguém para abrir. Não é por eu ser de Estarreja que isso vai ter que me limitar. Não é por isso que vou ter menos oportunidades. É mais difícil, mas se eu conseguir, que foi o que aconteceu, até tem outro sabor. Acho que sabe melhor do que se tiver tudo à disposição logo de início. Acho que fui subindo gradualmente, fui aprendendo com pessoas de diversas áreas, fui aprendendo muito com técnicos meus. A minha equipa praticamente não muda desde que comecei a tocar nas terriolas. Mantive os mesmos músicos, foram aprendendo e evoluindo; os mesmos técnicos; e quando comecei senti muito aquele… Não é preconceito, mas aquela ideia de “bem, agora temos de arranjar músicos aqui de Lisboa para tocarem contigo”. Não, a malta do norte também sabe tocar. A malta de Aveiro ou de Ovar também sabem tocar. Em Lisboa se calhar retém-se muito mais qualidade por metro quadrado, porque há mais procura e por isso também há mais oferta, mas lá também há bons músicos, bons técnicos e eu tenho muito orgulho de ter quase sempre as mesmas pessoas. Isso dá uma coesão à equipa, todos já se conhecem e depois é tudo muito mais fácil. Mas, sim, ainda sinto esse preconceito. Não é por mal, mas está um bocado enraizado.
E sentes certamente que este estúdio-escola também tem essa missão de descentralizar.
Sempre fui muito a favor da descentralização porque Portugal não deve ser apenas Porto e Lisboa. Acho que há muito mais por explorar. Se dermos oportunidade, há muito mais. E o “The Voice” é um exemplo disso, porque de vez em quando saem grandes artistas de certas aldeias… Ouves uma pessoa a cantar e pensas: esta pessoa estava ali “presa” numa aldeia, se não fosse este programa a ser uma montra para as pessoas lá em casa, se esta pessoa não tivesse aquela garra, se calhar nunca teria conseguido sair dali… O “The Voice” acho que veio ajudar muito a trazer artistas de vários pontos do país. É claro que depois centraliza-se tudo aqui em Lisboa porque temos estúdios de televisão, a emissora, tudo aqui, mas programas como esses fazem toda a diferença na vida de pessoas como eu. Porque eu também utilizei esse mecanismo para me mostrar às outras pessoas. A descentralização é algo que vou sempre defender porque senti, e de vez em quando ainda vou sentindo na pele, que se concentram demasiadas coisas em Lisboa e qualquer dia já não há espaço para tanta gente.
E estás a contribuir para criar condições noutro sítio.
Exatamente. Uma pessoa que, por exemplo, seja de Viana do Castelo… Se calhar em vez de ir gravar a Lisboa tem aqui uma oferta além do Porto.
Como disseste há pouco, procuraste um apoio da câmara que depois não se concretizou. Sentes que falta esse investimento público na cultura nestas cidades que poderiam ter mais condições e não têm, por um motivo ou outro?
Sem dúvida. Vou voltar este ano, em princípio, a fazer uma digressão acústica. Mas há dois anos fiz uma tour por vários auditórios e vês que muitas vezes existe um certo atraso em certas salas, equipamentos que deveriam ser remodelados. Obviamente, as câmaras não podem estar sempre a pagar imenso por isso, e elas é que decidem o que deve ou não ser prioridade, mas acho que o nosso governo deveria dar outro tipo de apoio à cultura e incentivos para que este tipo de coisas se pudessem melhorar. A cultura é sempre um bom investimento, porque ao investires numa boa sala de espetáculos, mais artistas vão lá, mais receita a terra vai ter de bilheteira, de estadias, porque vêm pessoas de fora para assistir… Isso mexe com tudo.
E o investimento público nem tem de ser apenas em salas de espetáculo, porque existem outras componentes importantes do ecossistema musical.
Sim, poder-se-ia olhar mais para os técnicos como uma profissão. Muitas vezes olha-se como se fosse um part-time. Um técnico de som, de luz, um roadie… Um roadie não é só uma pessoa que vai lá ajudar, é uma profissão. E não há uma formação para roadies. É preciso investir na cultura para termos melhores profissionais. Temos um país com tantas diferenças culturais… Vejo coisas a acontecerem aqui ao lado, em Espanha, e mesmo em França… Em Portugal não há muito o hábito de se fazer digressões. Vamos começar em Viana do Castelo, depois Caminha, Chaves, vamos para Braga e Guimarães… Até há salas, mas se calhar não estão preparadas para receber muitos artistas.
Também depende das dimensões das salas e dos números de bilheteira, é uma dinâmica complexa.
Claro, isso também implica. Somos muito fortes em concertos de verão e é o maior rendimento dos artistas, principalmente pop, que tocam nas feiras ou nos festivais de verão — se bem que os festivais são mais seletivos — ou nas festas da cidade. É um mercado forte, mas não deveria ser a única opção artística para tocar no país. Deveríamos criar outro tipo de conceitos para no Inverno estarmos… A música em Portugal é um bocado sazonal. E eu sofro um bocadinho com isso. Eu hiberno no inverno, estou em estúdio, e no verão venho cá para fora. Por um lado, dá-te tempo e espaço para criares. Mas também depende do que é que cada artista decide fazer.
Hoje, que tens uma carreira estabelecida, aquilo de que sentes mais falta e que se pudesses melhorar era o circuito das salas em Portugal? Que existissem mais hipóteses?
Sim, seria implementar esse circuito de salas, e promover a descentralização. Sei que é difícil para um meio de comunicação de repente agarrar nas suas trouxas e ir para Viseu, mas poderia ser importante ter pequenos pólos aqui e ali para se chegar a mais pessoas. E, lá está, isso também permite ao país ter outro tipo de desenvolvimento. Porque, se olharmos para a taxa de migração das pessoas no país, o litoral está cheio de pessoas e o interior cada vez tem menos. Acho que a Internet veio retirar um bocadinho essa questão, mas ao mesmo tempo também levou a um maior afastamento entre as pessoas. Aqui, na Universal, há uns anos, os Excesso… A minha manager, que também foi manager deles, dizia-me: ah, nós íamos a uma rádio em Santa Comba Dão, depois íamos a Felgueiras. Aquelas rádios locais. Hoje em dia, os artistas já não fazem essas rádios e acho que deveriam fazer.
Também existem menos dessas rádios e a rádio, no geral, perdeu alguma relevância.
Sim, podem não ter conseguido adaptar-se aos tempos e à modernização. Mas, enquanto artistas com mediatismo, deveríamos ter esse papel. OK, a Internet deu aqui uma golpada nesta malta, mas eles se calhar também não têm culpa, porque talvez não tenham tido informação para se adaptarem ao crescimento dos meios digitais. Mas nós, que temos algum impacto, porque é que não vamos agora procurar isso? Visitar a rádio X, levar a guitarra e fazer uma música ao vivo. Gosto muito da Rádio Comercial, da RFM, da Megahits — são rádios que me têm sempre apoiado — mas as outras rádios também merecem esse tipo de carinho, esse tipo de atenção. Eu e a Universal, agora com o novo disco, estamos a tentar criar coisas um bocadinho diferentes. Acho que também cabe a nós, artistas, sair da nossa bolha e tentar chegar a todo o lado.
Pegando nisso que estavas a referir, do papel do artista que tem essa capacidade, também vês este projeto da escola como uma responsabilidade tua por teres hipótese de fazer a diferença e de teres essa preocupação também social?
Acho que a grande responsabilidade da escola… Falando na terceira pessoa, é: “o Fernando Daniel abriu uma escola, o meu filho vai ter que ter sucesso naquela escola. Porque veio da escola do Fernando Daniel”. Sinto um bocadinho essa pressão, mas a minha responsabilidade não é essa. Não é fazer de alguém o próximo Justin Bieber ou Shawn Mendes. A minha responsabilidade, que assumo, é, uma vez que tenho possibilidades, dar às pessoas oportunidades que se calhar não conseguiriam ter de outra forma. Não sou nenhum messias, não sou nada do género, mas se posso ajudar, não me custa nada. E talvez se não forem estas aulas não se tinha descoberto um bom guitarrista, ou teclista, ou até mesmo um ótimo cantor. No que depender de mim, se der para ajudar, ótimo. Ajudo de diferentes formas — se for na música, ainda melhor.
Tens lançado músicas para antecipar o teu próximo álbum, o segundo volume do “VHS”, que deverá sair no final do ano. O que é que já podes contar sobre o disco, comparando até com o primeiro volume? Porque há um paralelismo entre ambos.
Os dois assentam numa base retro, daí o “VHS”, o Video Home System. Se bem que também é uma sigla em latim, quase um lema que significa “vencemos hoje e vencemos sempre”. Uma frase motivadora, acima de tudo para mim. O primeiro disco teve uma base mais de synths, de pianos, com uma ou outra música mais dançável; e neste disco sinto que estava a ir atrás do mesmo esquema. Dei por mim no volume 1, a meio: “OK, faltam-me três meses para entregar o disco, ‘bora fazer músicas”. E acho que não deve ser assim. Tenho três ou quatro músicas no “VHS Vol. 1” que se calhar agora não lançaria — ou então teria perdido mais tempo a trabalhá-las de outra forma, a usar outros termos na escrita, a fazer outro tipo de coisas na produção. O “VHS Vol. 2” era para sair agora, no início deste ano — inclusive fiz uma espécie de comunicado para aquelas pessoas que me acompanhavam e a quem tinha prometido que iria sair no primeiro trimestre. Não foi o que aconteceu porque dei por mim, em dezembro, a chegar a um ponto em que estava com pressa de entregar um disco e aquilo ia ficar para sempre. Bateu-me essa coisa: isto vai ficar para sempre. Ou seja, por muita coisa que eu vá lançar, por mais que daqui a 20 ou 50 anos não exista um Spotify, as minhas músicas vão estar cá fora e isto vai estar associado ao meu nome. É isto que eu quero para mim? Estou a seguir a linha que é suposto? Não… Então, vamos lá riscar aqui algumas coisas que eu estava quase a fazer um esforço para regravar ou até mesmo para produzir mas que não era aquilo que vestia o disco. Tenho explorado outras sonoridades, o country é uma coisa que me despertou alguma curiosidade para este disco… Então vou buscar mais influências country, folk, mais guitarras e menos teclados, para também dar um ar mais acústico, mantendo aquela sonoridade pop… Das músicas que já tenho, posso dizer que estou muito contente. Neste momento tenho cinco músicas e o meu objetivo é lançar 11. Se calhar isso não aconteceu no outro disco. Talvez o “Prometo” e o “Casa” foram músicas em que não tive qualquer dúvida em lançar. Acho o “Casa” um tema muito forte. E pensei: eu poderia ter mais temas destes se eu tivesse mais calma e não sentisse a pressão de fazer música. Uma pressão que não é causada por ninguém a não ser por mim mesmo.
Pelas circunstâncias em que estás. Mas por isso é que decidiste…
Abrandar um bocadinho. Porque também tinha prometido às pessoas, não queria defraudar as expetativas delas, e isso estava a mexer comigo em termos psicológicos. Mas pensei: se consegui lançar o “Casa”, que é uma música que em termos de estrutura, na forma como está conseguida entre mim, os compositores e o produtor, é das minhas melhores músicas, quero fazer mais coisas assim. Quero fazer mais músicas que considero obras bonitas. Não posso ver isto como a linha de montagem de uma fábrica.
Nem queres, certamente, repetir sempre uma fórmula.
É isso, quero dar coisas novas às pessoas. Foi o que eu disse no comunicado: não vos quero dar sempre arroz. Quero dar às pessoas coisas novas, mas mantendo o Fernando que já conhecem, a minha essência. Mas quero explorar novas sonoridades, mostrar que consigo fazer outras coisas, que consigo fazer coisas com mais qualidade. É esse o objetivo deste disco. Faltam-me arranjar seis músicas, e hão-de ser seis com as quais me sinta bastante confortável.
E o country apareceu como, nesta fase?
Eu já ouvia, quando vejo os filmes com as músicas country só penso em ter uma pick-up com muita madeira atrás e lá vou eu tipo lenhador [risos]. Inclusive fui buscar umas imagens agora para o segundo volume que me lembravam desse mood.
O country está a atravessar, nos EUA, uma fase muito ligada à pop.
Sim, até com o álbum do Beyoncé. Eu sempre ouvi, mas aparece agora numa altura em que… O “Espera” tem como base uma guitarra acústica com uns acordes que podiam ser muito bem country, só que depois a produção levou a coisa para outro lado. E eu sentia-me sempre super confortável a cantar aquela canção. É a minha primeira canção, canto-a desde sempre e nunca me cansei dela porque tem ali qualquer coisa. Então comecei a explorar mais coisas country, a minha noiva esteve emigrada no Canadá durante quase dois anos antes de eu a conhecer e também ouvia algumas coisas que me mostrou, e eu ouvia aquilo e pensava… Eu vivia perfeitamente assim numa floresta, numa casa de madeira. Este tipo de vibe despertou aqui qualquer coisa em mim, então quero explorar ainda mais esse tipo de sonoridades. Eu tinha passado um briefing aos produtores que trabalham comigo para tentarmos fazer um segundo volume próximo do primeiro, mas há um momento em que mudo o chip e digo: “esqueçam as referências que vos dei. Sinto que é isto que está a chamar por mim, vamos fazer isto mantendo sempre esta linha retro, que é o que casa os dois discos”. E acho que está a correr bem. Gosto muito das canções que estou a fazer e, sem sombra de dúvida, que já estou a considerar este segundo volume, que ainda vai a metade, muito melhor do que o primeiro.
E o conceito mais retro tem a ver com nostalgia? Por vezes é necessário embrulhar as coisas num conceito que lhes dê significado.
Quando a minha filha nasceu há dois anos, comecei a ver fotos minhas em miúdo, a ver no que é que a minha filha era parecida, a ver fotos do meu pai, essas coisas todas. E comecei a pensar: como é que seria a música nesta altura? Olha, que engraçado, as pessoas vestiam-se desta forma. Não havia muito uma preocupação. Misturavam padrões com padrões nada a ver. Usavam botas com calções. Este tipo de espírito… Os outros que pensem o que quiserem que eu estou bem comigo mesmo e vou fazer o que me der na gana… Não havia cancel culture nem a preocupação de desdenhar este ou aquele, por isto ou por aquilo… As pessoas sempre tiveram ideias diferentes umas das outras, mas hoje parece que, se não concordarem, têm de criticar. Não, eu posso não concordar com a tua ideia, mas respeitar. Tens a tua e eu tenho a minha. Desde que saibamos viver em harmonia, tudo fixe. Naquela altura, aquilo marcou-me. “Pai, o que é que ouvias? O que é que dava na altura?” Isso começou a despertar qualquer coisa dentro de mim. Então comecei a ouvir Europe, Journey, as bandas com sintetizadores… Coisas que me deram algum conforto. E inspirei-me naquilo para fazer as minhas cenas dentro deste mundo.
E o country evoca sempre uma ancestralidade, nesse sentido é uma música retro por natureza.
Acho que está tudo ligado, nada acontece por acaso. O country chegou agora e dá-me uma vibe confortável. Os EUA são, a meu ver, o país mais avançado em termos culturais, na música — e o country é aquela coisa local… E também já me confrontei com isso. Por eu não ser local de lá, faz-me sentido ser influenciado por pessoas que cantam um estilo de música local? Era a mesma coisa que eu agora fizesse um disco de cante alentejano, uma vez que não sou alentejano. Esta coisa da apropriação cultural tem muito que se lhe diga. Neste caso, estou só a apropriar-me da cultura de outras pessoas para me inspirar a fazer coisas respeitosas acerca daquela cultura.
Há pouco falavas do estigma de não se ser de uma grande cidade. Obviamente, as chamadas estrelas pop — categoria na qual te incluis — têm muitas vantagens, para quem já se conseguiu tornar uma, mas também existem estigmas. Sentes isso?
Sinto que existe um estigma muito grande em torno do pop. Principalmente por outros estilos de música e pela massa crítica. Tento sempre colocar-me no lugar das outras pessoas para tentar perceber o porquê deste estigma. Já o senti na pele, por isso sinto que ele existe. Porque eu percebo… Ah, na música pop, os acordes são quase sempre os mesmos. Respeito isso e entendo que é muito mais simples fazer pop do que fazer jazz ou soul… A estrutura melódica, a harmonização, é tudo muito mais fácil. Mas também coloco esta questão: por ser mais fácil e pela pop ser mais comercial e ouvir-se mais, não é mais difícil para aqueles que criam fazer coisas novas? Há tanta coisa a sair, que é mais difícil ser inovador. O pop merece outro tipo de respeito por tentar reinventar-se sempre sem fazer coisas que soem a outras. Não há muitas notas e é difícil. “Ah, é plágio…” Hoje em dia, é muito difícil não haver uma repetição qualquer. Li há pouco tempo que saem milhares de músicas em todo o mundo por minuto. Ou seja, é difícil fazeres coisas que não soem a outras. Desde que não seja por mal, às vezes acontece. Eu tenho músicas minhas que, depois de estarem feitas há um ano, percebo que era parecido com isto ou com aquilo. Mas, olha, na altura não me lembrei. Mas estou de consciência tranquila. Agora, existe esse estigma no pop pela massa crítica. Reparo que o pop não é tão valorizado em certos prémios… Hoje também vivemos numa era em que o rap em Portugal é mais forte e disputa um bocado as atenções. Se virmos um top de airplay ou de streaming, há muita coisa de hip hop, que era algo que dantes não acontecia. E isso é bom.
Até porque pode haver pontes entre os dois mundos.
Exatamente, pode haver colaborações interessantes, e agora misturar pop com elementos tradicionais também se tornou moda — com adufes, os ritmos mais tradicionais…
Vês-te a ir por aí, um dia?
Se acontecer, se a música me pedir isso e eu me sentir confortável, sim. Mas não vou atrás de modas. Faço aquilo de que gosto e, acima de tudo, algo que daqui a uns anos me continue a vestir bem. Há uma música ou outra que poderei pensar: agora não tinha lançado. Se pudesse, apagava aquela música do meu historial.
Mas cada vez menos queres que isso aconteça.
Exatamente, e também é importante saber que, agora, com 27 anos, escrevo de maneira diferente do que quando tinha 20 e fiz as minhas primeiras canções. Também há que pôr isso na balança. Mas voltando à questão do pop: sinto que há esse estigma e também um estigma relativamente à minha pessoa. Agora vou sentindo cada vez menos, mas na altura…
Por causa do “The Voice”?
E por ser mais um artista pop. Quando eu começo em 2017, tenho logo o estigma de ser um concorrente. Em vários programas e sítios onde fui, fui primeiro apresentado como concorrente e só depois como o artista Fernando Daniel.
Tiveste de te descolar um bocado dessa imagem associada ao programa?
Tive, e eu percebo, porque a minha participação no programa acabou por impactar… Especialmente a prova cega. Mas foi difícil desmarcar-me desse autocolante. Se bem que é um autocolante do qual me orgulho bastante.
Claro, mas querias ter a tua identidade.
Exatamente. E quando lanço o “Espera”, é uma altura em que os D.A.M.A, o Agir, o Diogo Piçarra, o David Carreira… Estavam todos a bombar. Ou seja, eu era mais um que se ia juntar ao molho. E nós partilhamos quase todos o mesmo tipo de público. O fã que gosta de pop, que gosta de uma balada mas também de música com algum ritmo, assim meia épica… Para mim foi difícil porque tive que furar um bocadinho, dizer “está bem, eles existem, e respeito muito estes artistas, já têm uma carreira mais longa do que a minha, mas não estou aqui para roubar o lugar a ninguém, estou aqui para ganhar o meu lugar”. Pretendia mostrar que, nessa bolha grande, havia uma bolhinha minha que queria alastrar, simplesmente com a minha música. Mas foi difícil. Lancei a “Espera”, “ah, parece esta música daquele artista”. Lanço a “Nada Mais”, “ah, agora parece este”, “quem canta isto não é o X?” O que também é perfeitamente normal até as pessoas associarem uma cara às músicas. Mas foi um caminho difícil de trilhar e, por exemplo, já o senti também ao contrário. Certos concorrentes que vão ao “The Voice” ou até mesmo outros artistas que estão agora a emergir às vezes são comparados a mim, “ah, é mais um Fernando Daniel”. Acho que isso não é bonito. Entendo a comparação, mas para quem já esteve do outro lado, é frustrante estares a ser comparado com outros artistas dos quais tu te queres desmarcar, porque queres mostrar que és uma coisa diferente, que mereces ter uma oportunidade. Inclusive já tive uma ou outra conversa com alguns artistas emergentes, em que essa questão surgiu em conversa, e é aquela coisa: é preciso sofrer um bocadinho para mais tarde colher os louros. É preciso tentar desmarcar imagens e estilos, tentar apresentar coisas diferentes, para não sermos comparados. Se bem que vão sempre existir comparações. O importante é não nos deixarmos afetar e não deixar que isso afete a nossa produção musical.
E hoje, com as redes sociais e todas essas métricas disponíveis, de certeza que muitas vezes existe a tentação de seguir aquilo que parece que as pessoas querem.
Vou confessar aqui uma coisa: sigo muitos artistas pop no Instagram, mas vários deles estão silenciados. Porque não quero ver aquilo que os outros fazem só para não cair na tentação de fazer o mesmo. Há vários artistas de que gosto, curto as músicas, se passar na rádio fico a ouvir, mas tenho-os silenciados no Instagram. Porque, numa era em que é tudo tão rápido e as pessoas postam coisas e fazem isto e aquilo, não quero correr o risco… “O João Maria pintou o palco de azul, e se eu pintar exatamente assim, mas de branco? Já não é igual! Porque eu gostei mesmo daquilo”. Devemos obrigar-nos a ser um bocadinho mais criativos e tentar explorar coisas novas, por mais que isso seja arriscado. Ser influenciado é bom, mas com a Internet a linha entre influência e cópia fica ténue.
Obviamente, é muito comum na música pop e nesses artistas que estavas a dar como exemplo que haja um público relativamente jovem — às vezes mesmo infantil — e esse público… Estavas a falar de 2017, que pode parecer que não foi assim há tanto tempo, mas nesses sete anos na vida de uma criança que tinha 10 na altura e agora tem 17… Mudou tudo. Esses públicos também mudam muito em pouco tempo. O que te queria perguntar era se, tendo tu certamente uma base de fãs muito juvenil, se sentes que é um público que tem vindo a acompanhar o teu crescimento, se sentes que é um desafio manter a atenção desse público porque já são pessoas diferentes…
Noutro dia, houve um exemplo caricato num concerto em Leiria… Há uma senhora que vai a vários concertos que, durante a minha carreira, já se divorciou duas vezes [risos]. Ou seja, eu vou passando pelo crescimento das pessoas. Há jovens que vinham com os pais e que agora vêm sozinhos, jovens que na altura tinham 15 anos e ficavam a dormir dentro dos bancos porque às vezes era frio de noite e ficavam mais seguros porque havia câmaras e etc. e agora vêm e voltam no seu próprio carro. Eles vão crescendo comigo. Da mesma forma que há casais que vinham a um concerto meu em 2018 e depois em 2022 vêm e trazem um filho — e se calhar daqui a uns anos já não vêm os pais e vem só o filho. É engraçado porque vou crescendo com as pessoas, e isso também é bonito.
Sentes que é simples e natural as pessoas, especialmente nessas fases em que as vidas mudam muito, continuarem nessa base de fãs sólida?
Acho que é super importante e também revela que foste crescendo. A minha escrita há sete anos era o tipo de escrita que se calhar chegava a pessoas de 15 anos e se calhar, agora, a escrita que eu faço já chega a pessoas de 20 porque é a idade com que essas pessoas estão agora. É um crescimento que vai acontecendo naturalmente e algo que valorizo bastante é ter um público que vai dos 8 aos 80. Nos concertos tanto tenho crianças como avós. Isso aconteceu muito também por causa do “The Voice”. Desde que fui mentor no “The Voice Kids” que sempre tive concertos com muitas pessoas, mas dantes andava ali entre os 15 e os 30 anos, sobretudo. Depois havia algumas famílias. O que o “The Voice” me trouxe e que eu não estava à espera foram as crianças com oito ou nove anos — os pais ficam atrás, as crianças conseguem furar, algumas ficam a ver à frente, muitas ficam nas cavalitas — e agora posso dizer que, se calhar, não tenho um público tão forte em nenhuma rede específica. Por exemplo, sempre fui mais forte no YouTube do que no Spotify, porque o meu tipo de público consumia muito o YouTube. Agora, como se alargou um bocadinho, já chega a outro tipo de público e isso também se nota nas plataformas.
Com um público cada vez mais vasto e diverso, pode ser desafiante para ti saberes para quem estás a comunicar ou a lançar música. Ou não pensas nisso?
Não penso nisso, porque sigo uma única linha de pensamento: fazer com verdade. Se fizer com verdade e se cantar uma coisa genuína, vai impactar quer uma criança de oito anos, quer uma pessoa de 80. A “Saudade” é uma música que é pesada, que acima de tudo, quando oiço os elogios ou quando recebo certas mensagens, vêm de pessoas entre os 30 e os 60 anos, aquela faixa etária de adultos já com vida, que perderam os pais ou pelo menos os avós, mas essa música que impacta a dona Júlia de 60 anos também é a mesma que faz chorar a Inês de oito. Quando toco essa música há muitas pessoas que choram. E até é algo que me impacta bastante e tento não olhar muito para o público para também não me emocionar. Mas, como gravamos os concertos, de vez em quando vou vendo as coisas, e veem-se crianças a chorar, crianças que se calhar ainda não compreendem o peso daquela canção e daquela letra, mas que já sentem ali qualquer coisa, porque se calhar faz-lhe lembrar alguém, o avô que já cá não está ou… Esse tipo de coisas é que me faz sentir que estou no caminho certo, porque é fazer as coisas com verdade, de forma genuína, cantar com o coração. Diz-se que se deve cantar com o diafragma, eu canto com o coração.
Um dos momentos altos deste teu ano é o concerto que vais dar no Rock in Rio Lisboa. Estás a preparar algo especial que possas adiantar?
Estava. Infelizmente tínhamos previsto uma espécie de palco, só que, entretanto, com algumas nuances que foram surgindo de pouco tempo de troca de palco de mim para o Jão, tivemos de encurtar aqui alguns tempos, o que não nos permite fazer aquilo que eu tinha idealizado inicialmente… Seria uma espécie de jardim enorme, com árvores grandes em palco. Para a logística que seria necessária, temos cerca de 10 minutos para fazer uma troca de palcos, e é muito difícil levantar as árvores, é um palco muito grande para tão pouco tempo… Vou tentar articular de outra forma e na próxima vez que fizer um Altice, se voltar a fazer um Altice, ou se algum dia fizer um estádio, faço nessa altura. Para o Rock in Rio, estamos a tentar criar uma espécie de ambiente que remeta para o “VHS”, que é o disco central, onde quero focar as pessoas neste momento.
Até porque fazes já a ponte para o segundo volume.
Exatamente, está aqui no meio deste universo, entre o primeiro e o segundo. O centro do palco, onde vai estar a banda — ao contrário do que estava previsto, que eram dois músicos de cada lado — agora vai ter de ser tudo centrado e num ambiente um bocadinho mais estúdio, retro… Estamos num espaço aberto num festival, mas quero tentar criar uma espécie de sala confortável, sem paredes. E levar o imaginário dos outros dois discos, que também existem e têm músicas no alinhamento, isso será o mais difícil. Estamos ainda a tentar perceber como é que vamos remeter, em cada música, para o respetivo disco nos lados do palco. Ainda é uma dor de cabeça para pensarmos. Mas estou muito ansioso. É um novo recinto, por acaso estou curioso, leva mais gente. E entro diretamente para o Palco Mundo, dá-me assim uma certa responsabilidade. Acreditaram em mim para estar aqui, agora não os posso defraudar. Depois é tentar ir ao Rock in Rio no Brasil, não sei… Acima de tudo é dar um bom espetáculo, cumprir com as expetativas, e conseguir ser tão bom que, depois, vamos ao Brasil. Estou a trabalhar para isso.