Porque que é que não falamos sobre a morte?
Sabemos todos que vamos morrer, mas não falamos sobre isso. Vivemos numa redoma como se a morte não existisse. Até que de repente, sem aviso, a morte visita-nos: o nosso animal de estimação, um amigo ou um familiar. O sofrimento psíquico é gigante porque não estamos preparados para viver a morte de alguém que amamos. O maior tabu entre nós é falar sobre a morte, porquê?
Actualmente, apesar de vivermos tempos de significantes avanços tecnológicos, vivemos todos uma enorme sensação de vulnerabilidade e vazio. Insegurança e incerteza são palavras-chave dos nossos tempos e não podiam deixar de influenciar a relação ou não relação que temos com a morte. Quando alguém que amamos deixa de estar vivo, vivemos todos, consciente ou inconscientemente, aquilo a que se chama angústia de morte. Ao vermos alguém que amamos sem vida, recordamo-nos de que também nós podemos morrer. E mesmo sabendo isto, temos a tendência a não reflectir sobre a mesma.
“O Homem, desde que nasce, é já suficientemente velho para morrer.”
Martin Heidegger (no livro Ser e Tempo ed. 1927)
Aproximarmo-nos da morte significa falar sobre ela com os outros, partilhar histórias e dores. Por outras palavras, vulnerabilizarmo-nos. Apesar de nunca ninguém estar preparado para olhar de frente a morte, seria através desta vulnerabilização que nos poderíamos preparar melhor. Contudo, pensar sobre a morte, discutir, partilhar ou reflectir sobre algo que nos é constitutivo desde o dia em que nascemos, é assustador e sombrio.
Num artigo escrito em 2021 intitulado por “Entre a morte e a experiência da finitude: histórias e diálogos com o contemporâneo” os autores afirmam que a morte traz valor à vida e, ao mesmo tempo, a exigência de nos questionarmos, sobre o que fazemos com esta dádiva que ela representa. Como Yalom diz no seu livro “De Olhos fixos no sol”, estarmos em contacto com a morte pode colocar em perspectiva a forma como vivemos e podemos procurar viver uma vida mais plena. Ou, por outras palavras, a morte pode ser uma bússola que nos indica a direcção para onde queremos viver de forma mais feliz a vida.
Sendo o ser humano um ser que teme o desconhecido, não poderia deixar de temer a morte. Ninguém conquista a morte. O que não conhecemos, não compreendemos ou temos medo, isolamos. E por isso, uma reflexão sobre a nossa condição de existência finita, não surge. No artigo que referi, os autores acrescentam ainda que a morte torna-se algo higienizado, vivido à revelia de qualquer indagação, apegada às ciências que fazem promessas de prolongamento da juventude. Como na nossa sociedade, o que reina é a produção constante, também não há tempo para se fazer o luto. Sem nos apercebermos, exigimos, consciente e/ou inconscientemente, uns dos outros um luto rápido, não muito intenso e instantâneo. E acrescento, não podemos nós, de maneira nenhuma, correr o risco de ficarmos “meio contaminados” pela dor do outro. Ainda por cima, uma dor associada à morte.
E se afinal acabássemos todos por perceber que este tabu não deveria existir e que falar sobre a morte com os outros nos aproxima realmente mais da vida? O Professor José Henrique Barros de Oliveira questiona num artigo: “Se é natural morrer, porque não há-de ser natural educar(se) sobre a morte e para a morte, falar da morte, própria e alheia, e ensinar (e aprender) a bem viver e a bem morrer?”. Muitas pessoas chegam a ter a crença de que pensar ou falar sobre a morte as pode aproximar literalmente dela. Falsa crença, pois é através da consciência de que somos finitos que podemos dar realmente valor à nossa vida. Para incentivar a reflexão de se aprender a viver, termino citando o Professor José Henrique Barros de Oliveira: “viver a morte não significa matar a vida, antes viver a vida, porque também “a vida comanda a morte”.