Baloiçando no limiar da doença psicológica
Somos todos equilibristas, numa margem feitio e na outra defeito. A passagem é discreta, não tem grandes portas de betão, nem letreiros luminosos. Um dia temos os pés firmes e no seguinte não… ou lentamente vamos descaindo até notarmos que já estamos de cabeça para o ar.
Muitas vezes catalogamo-nos como os da margem da lucidez, bem longe da doença psicológica. Enchemo-nos de armaduras para nos protegermos deste inimigo bárbaro. Pensamos — é de um qualquer país longínquo, nem fala a mesma língua que nós, completamente estranho e estrangeiro… — é mais fácil trucidá-lo assim. Este distanciamento do que nós não queremos ser ou do que não queremos que os nossos filhos sejam é protetor em certo ponto… até se tornar injusto e estigmatizante.
Os doentes psiquiátricos sempre foram rotulados como loucos, perigosos. Na infância e adolescência o estigma é ainda maior, “porque, Dra., o meu filho não é nenhum maluquinho, como estes para aqui na sala de espera!”. Estes medos? São só superstições. Estes cortes? Uma tolice. Estes rituais? Rotinas de organização.
Negar e colocar umas palas nos olhos não é o trilho a seguir. Porque nenhuma criança escolheu passar as passas do Algarve até chegar à sala de espera da pedopsiquiatria; porque eventos de vida traumáticos podem acontecer a qualquer um e, infelizmente, alguns não foram abençoados pela sorte do bem-nascer; porque o peso da doença já não é leve, aliado ao da crítica infundada torna-se intolerável.
Saber encarar os nossos maiores fantasmas como vizinhos de respeito, ou mesmo habitantes dum canto da nossa enorme casa, é um trabalho de longo prazo. Olhar-nos e ver este equilíbrio que nos compõe a nós e aos outros também é olhar o mundo com compaixão e empatia. Porque os maluquinhos podemos ser todos nós, quando as armaduras abrem frestas.