Dear Telephone: ‘Queremos pôr em causa as regras da canção’
Considerado um dos discos de 2017 “Cut” é o filho mais novo dos Dear Telephone, quarteto de Barcelos que atingiu um nível de maturação invejável e que esperou pela subida das temperaturas para despir regularmente o 2.º LP ao público. Na iminência de um Verão preenchido, falámos com André Simão sobre a cidade que os viu nascer, a bola, e ya… um bocado de música também.
Este “Cut” é um disco que me coloca uma dúvida: parece-me bastante mais maduro e de certa forma “conceptual” do que o “Taxi Ballad”. No entanto, ao comparar as canções de ambos, acho que neste cada um de vocês experimenta mais e mesmo como um todo parecem ir por vários caminhos. Ora digam lá como é que se faz isto?
Julgo que o que descreves decorre, naturalmente, do amadurecimento. Ao dominares melhor a gramática de que se faz a tua música, passas a ter mais margem e motivos para explorar fora das fronteiras dela. Quisemos fazer isso neste disco, levar mais além os pressupostos de Dear Telephone. Ser mais exploratórios, pôr em causa as regras da canção e, acima de tudo, estar cada vez mais nus nos nossos instrumentos, eliminando artifícios e soando mais live, mais no arame.
Apesar de ter saído em Outubro e ser, para mim, dos melhores discos nacionais de 2017, fico com a ideia que foi na actual Primavera que começaram a apresentar o disco de forma mais regular, quase de fim de semana em fim de semana numa saga que termina no Vodafone Paredes de Coura. Houve alguma razão particular para esta intensidade de concerto um pouco mais tardia do que o normal?
Fizemos os primeiros quatro concertos de apresentação e depois outros quatro, em auditórios, que parecem ser, ainda assim, o nosso habitat natural. Hoje sente-se uma certa tentação de fabricar um cartaz preenchido sem deixar os discos crescer, o que acaba por enfraquecê-los ou criar um crescimento artificial. Estamos a repetir a fórmula do “Taxi Ballad”: demos tempo ao álbum para fazer o seu caminho e isso acabou por permitir um trajecto de dois anos, em que o disco parecia tão fresco e vivo no final da tour como quando saiu.
Todos vocês têm outros projectos, alguns iniciados antes de começarem com Dear Telephone e outros que surgiram entretanto. Caso para dizer que vocês são a real “super banda” de Barcelos?
Na verdade somos amigos e cúmplices na música há muitos anos e acabou por ser quase coincidência que não tivéssemos formado esta banda antes (ou outra parecida). Não foi propriamente uma criação de laboratório – como a maioria das “super bandas” – mas antes um projecto que já se desenhava, que estava latente. A Graciela acabou por ser a novidade e, paradoxalmente, o interruptor que nos fez imaginar Dear Telephone.
Vou continuar a bater na tecla “Barcelos”, talvez por saudade. Mas sendo uma vítima do fenómeno rock que passou de geração em geração (e do qual vocês também fazem parte) como é crescer enquanto projecto num habitat rockeiro e com a moda do “psicadélico” com este registo mais pop e/ou experimental?
Muitos dos nossos projectos tiveram ou têm sede em Barcelos e é a cidade em que vivemos a maior parte das nossas vidas, por isso presenciamos vários períodos mais ou menos acesos e criativos, mais ligados a este ou àquele género. Já foi a cidade dos experimentais, a “Seattle portuguesa”. Nos últimos anos ficou associada ao rock. Mas na verdade o panorama foi sempre diversificado e promíscuo, no melhor sentido. Já estivemos no centro do furacão, agora habitamos as margens. E é uma posição bem mais confortável, porque todas as “modas” tendem a criar uma armadilha perigosa: se por um lado te arriscas a surfar uma onda, por outro virá sempre o desgaste a que te sujeitaste quando a moda passar.
Todos os vossos outros projectos, como Sensible Soccers, White House ou Krake (não tenho caracteres para referir todos) estão a ganhar uma abordagem cada vez mais expansiva. Não têm “medo” de, como músicos, chegarem a um ponto onde não têm mais “saídas” enquanto Dear Telephone? (estou a pensar no 3.º disco, peço desculpa)
Pelo contrário. O facto de estarmos a cada álbum mais perto de uma voz própria, dá-nos mais margem para ir além dela e dá-nos ainda mais vontade de escavar o nosso próprio quintal. Para além de que, como disseste, temos essa cultura de trabalhar em vários projectos, o que nos permite expandir o nosso percurso em várias direcções. Temos o privilégio de poder ser, por vezes, como o escritor de viagens, e outras, como um Fernando Pessoa, a cada dia mais preso no seu quarto.
Vocês têm agora uma série de concertos até ao concerto no Paredes de Coura. Gostava que Portugal tivesse o título de campeão do mundo nessa altura. Têm alguma dica a dar aos campeões europeus, de quem conseguiu altos troféus com o Taxi Ballad mas conseguiu subir de nível no “sempre difícil” 2º disco? As exibições da Selecção precisam de menos sintetizadores também, não?
Bem, nós temos os Krafwerk no eixo da defesa. E uns Ramones nas laterais. Do meio campo para a frente aquilo é tipo ensamble de free jazz, com um Miles a número 7. Parecemos sempre meio perdidos, mas no final resulta, talvez por termos um Quincy Jones a comandar. A taça é, muito provavelmente, nossa.
Para acabar, e sabendo que o cinema e a literatura têm influência no vosso processo criativo, que recomendações deste ano têm aqui p’ra gente?
No cinema, o filme póstumo de Kiorastami, 24 frames. Nos livros, o pódio para já vai para The Mars room, de Rachel Kushner!
Entrevista de Luis Dixe Masquete