‘Killing Jesus’, de Laura Mora, e o activismo cinematográfico
Paula estuda artes na Universidade de Medelim, Colômbia. É-nos apresentada numa reunião de ativistas universitários, como uma força de revolta e justiça social. Ao voltar para casa com o pai, professor, Paula testemunha o seu assassinato. Num breve instante, a rapariga consegue ver a cara do homicida: jovem, de pele morena, montado na traseira de uma mota. Ele não a vê. Cerca de dois meses depois, revoltada com a ineficácia da polícia, inundada em raiva e frustração, Paula cruza-se acidentalmente com o rapaz. O nome dele é Jesus. Ele sente-se inequivocamente atraído por ela. Ela quer vingança.
Desenganem-se, no entanto, porque este não é um filme sobre vingança. Não é tão pouco sobre um homicídio. E há momentos em que por certo tenta, não fosse Killing Jesus um breve exorcismo autobiográfico da realizadora Laura Mora, nascida em Medelim. O pai foi uma das vítimas da violência colombiana. O filme, cujo argumento assina ao lado de Alonso Torres, presta-lhe homenagem.
Paula estabelece um plano intrigantemente frio. A jovem de 22 anos decide adquirir uma arma de fogo e fazer justiça. No processo, enquanto angaria dinheiro e contacta traficantes, aproxima-se e mantém-se bem perto do alvo.
A partir daqui, Killing Jesus é um filme diferente. À medida que Paula conhece o mundo de Jesus e vagueamos com ela pelas ruas de Medelim, somos confrontados com a realidade colombiana da violência, da insegurança e de uma juventude que vive no limite, sem saber que perigos lhes traz o dia de amanhã. É aqui que o filme brilha. Num género híbrido de coming-of-age e realismo social, representa irrepreensivelmente o fervor juvenil e as relações humanas. A cinematografia de James Brown capta a alma das personagens e da cidade numa imagem viva, agitada e sublime.
Nesses momentos esquecemo-nos da morte do pai de Paula. O assunto deixa de ser mencionado, o irmão da jovem e a investigação policial cedo são exilados da narrativa. Por vezes, parece até que Paula se esquece também. E quando isso acontece, o filme é interrompido por um post-it narrativo que vem lembrar-nos do incidente que o impulsionou.
A frieza impenetrável de Paula também ajuda a que ignoremos a linha narrativa, ao manter-nos distanciados dos seus pensamentos. Escondido atrás de uma longa cortina de cabelos negros, o rosto de Natasha Jaramillo raramente dá pistas de emoção. Jaramillo, tal como Giovanny Rodríguez (Jesus), não é uma atriz profissional – uma opção enraizada no cinema colombiano e que nos remete para as origens do realismo. Mas se Rodríguez, ainda que não seja brilhante, cria empatia com a câmara e desenvolve uma relação com o espectador, a Jaramillo falta a subtileza necessária à interpretação de uma personagem emocionalmente tão complexa. Perceber as emoções de Paula fica dependente de momentos expositivos com explosões interpretativas excessivamente vocalizadas mas pouco sentidas.
De sublinhar é o trabalho de improviso dos atores, cujos diálogos construíram à volta das situações estabelecidas por Mora. Essa liberdade criativa, aliada ao facto de serem jovens nativos de Medelim, dá verdade às raízes e natureza social das personagens.
Laura Mora foi corealizadora da aclamada série colombiana sobre Pablo Escobar. Embora os cartéis de droga e a violência sejam menos evidentes na atual realidade da Colômbia, não desapareceram. Estão emudecidos. E Laura Mora encara o cinema como forma de ativismo social ao explorar essa realidade na tela. Em Killing Jesus, a realizadora aproveita todos os momentos possíveis para comentário social e político, incluindo as transmissões televisivas dos cafés. Na esquadra da polícia, que recebe 3 ou 4 casos de homicídio diariamente, Paula questiona “que sobrenome é preciso ter” para avançar o processo. E a poucos minutos do início do filme, o pai da jovem é-nos introduzido a lecionar uma aula de ciências políticas, citando Foucault. Paula repete-lhe as palavras em sincronia: “Há que manter viva a inquietude”.
Texto de Inês Lebreaud