INmusic: o festival idílico onde St. Vincent reinou

por Linda Formiga,    1 Julho, 2018
INmusic: o festival idílico onde St. Vincent reinou

Viajar de Lisboa para Zagreb exige alguma sorte para não perdermos as poucas ligações que existem para a capital croata. A inexistência de voos directos faz com que Zagreb não seja, à partida, o destino mais apelativo para se viajar, mas quem se atrever a isso poderá encontrar uma cidade cheia de vida no meio de uma decadência fascinante. Os edifícios são imperiais e escuros, contrastando com cafés e restaurantes de fazer inveja à mais cosmopolita das cidades do norte da Europa. Os turistas não abundam, embora em todo o lado se fale inglês, e é possível comer bastante bem por 6 ou 7 euros. Por todo o lado, estórias – de tempos que foram, da vida de Nikolas Tesla, da arte naïve, de relações desfeitas.

Como se não bastasse, Zagreb é a cidade que tem um dos melhores festivais da Europa, o INmusic festival, localizado nas idílicas ilhas do lago Jarun a cerca de 15 minutos do centro da cidade. E ao longo de três dias conhecemos pessoas de muitos países, conhecemos hábitos diferentes, cervejas diferentes, mas percebemos também que o que nos une é igual em todo o lado – uma grande paixão pela música.

David Byrne

Do primeiro dia destacamos o excelente concerto – ou melhor, instalação de arte – de David Byrne (que estará no EDP CoolJazz já no dia 11 de Julho). Deambulando entre versões dos seus Talking Heads, da sua colaboração com a magnífica St. Vincent ou de Janelle Monáe, não esquecendo, obviamente, o seu mais recente álbum American Utopia, David Byrne apresenta-se num palco vazio, sem cabos e a parafernália habitual de instrumentos musicais. “Here is a region of abundant details” é o primeiro verso da primeira música que David Byrne canta, enquanto exibe uma réplica de um cérebro humano, e dá assim o mote para toda a confusão harmoniosa que se seguirá no palco vazio que vai sendo ocupado pelos 11 músicos, todos vestidos de fato cinzento. Ao longo de cerca de uma hora e meia, Byrne e a sua frenética banda dançam em sincronia, num palco concebido para nos focarmos somente neles. Terminou com “Hell You Talmbout” de Janelle Monáe, reforçando a posição crítica de Byrne em relação ao estado actual da sociedade norte-americana. Foi, de facto, um concerto memorável, pela excêntrica coreografia tão característica de Byrne, pelos clássicos como “This Must Be the Place” ou “Once in a Lifetime” e pela certeza de estarmos a assistir a um dos melhores músicos da História da música contemporânea.

Queens of the Stone Age

Na mesma noite tivemos Queens of the Stone Age, que também estarão em Portugal no próximo dia 13 de Julho para o já esgotado NOS Alive. Não foi o concerto mais inspirado da banda, mas ao gosto de quem não adorou o último trabalho da banda, Villains. Focando-se mais nos temas que compõem a glória de outros tempos, a banda de Josh Homme fez o que lhe competia – temas irrepreensivelmente tocados, frenéticos bamboleios de anca e um gosto imenso pelo rock.

The Kills

Quem também por lá andou foram os The Kills, que têm agora um single novo, a versão de “List of Demands” de Saul Williams. Não há grande coisa a dizer dos concertos dos The Kills, para o bem e para o mal. Allison Mosshart será provavelmente a mais “rocker” da noite e, com Jamie Hince, reveza-se numa pantomima que agrada a todos. A fórmula é boa, mas parece quase inócua. As músicas são imediatas, mas não perduram, não nos ficam no ouvido. O espectáculo é bom, mas nada mais do que isso.

O segundo dia seria porventura o dia mais forte do festival, com a presença de St. Vincent e de Nick Cave & the Bad Seeds, mas começa com um recinto quase vazio. O facto do festival decorrer durante a semana poderá ter contribuído para isso e é o motivo pelo qual os grandes nomes (leia-se, bandas não croatas) começarem a partir das sete da tarde. Foi a essa hora que uma pequena multidão se reuniu em frente ao palco principal para ouvir Bombino, o músico nigerino que tem corrido mundo com a sua fusão de blues, rock e melodias tradicionais tuaregue, baptizada por Tuareggae. Tendo vivido na Argélia durante grande parte da sua adolescência, o regresso de Bombino a Níger dá-se na altura em que ocorre a rebelião Tuaregue, no seguimento da qual a guitarra é banida para o povo Tuaregue por ser vista como um símbolo de rebelião, forçando-o a exilar. Para Bombino, a guitarra é um símbolo de resistência e união. Grava então Agadez, que o catapulta para o estatuto de estrela de world music e que atrai a atenção de Dan Auerbach, com quem grava Nomad. Com novo álbum na calha, Bombino fez o que o celebrizou, um concerto exemplarmente executado – talvez com algumas referências excessivas ao futebol – e que pôs toda a gente a dançar, como se todos falássemos a mesma língua.

St. Vincent

A mais esperada da noite era, para nós, St. Vincent, que veio apresentar MASSEDUCTION, um dos melhores álbuns de 2017. E se David Byrne é o rei da coreografia, St. Vincent é a rainha (não será à toa que colaboram frequentemente). Annie Clark – que escolheu o seu nome “de guerra” a partir do verso “And Dylan Thomas died drunk in St. Vincent’s Hospital” de “There She Goes, My Beautiful World” de Nick Cave – surge em palco vestida com um fato de licra em tom de pele, botas, cinto e mangas laranja, fazendo-se acompanhar por Toko Yasuda e por dois outros músicos vestidos com batas creme, máscaras e uma peruca loura à tigela, como se fossem operários despersonalizados de uma qualquer fábrica dos anos 70. Movendo-se como se fosse uma marioneta, St. Vincent, mestre na guitarra, percorre quase todos os temas do seu mais recente álbum, numa mistura de electrónica, rock e jazz e assina, talvez, o melhor concerto de todo o festival.

Entretanto e enquanto a selecção croata disputa o terceiro jogo no Campeonato do Mundo, no palco secundário a banda croata Jinx celebra o seu 25.º aniversário. O gáudio entre os croatas, que cantam todas as músicas, é evidente, não percebemos se pelo futebol se pela banda, mas a satisfação é evidente ainda assim.

Nick Cave and the Bad Seeds

A maior enchente do festival tem um propósito: Nick Cave & The Bad Seeds, que tivemos a oportunidade de ver há 3 semanas no NOS Primavera Sound. Não há palavras que façam jus a toda a emoção que Nick Cave exala nos seus concertos. O público a atirar flores durante “Jesus Alone”, o permanente bailado de mãos, de dependência bilateral, a necessidade de perguntar, repetidamente, “Do you love me?”, contribuem para este culto de quase duas horas que não nos cansamos de ver e de participar. Especialmente bem-disposto, interrompe por várias vezes os temas que canta para se rir de algo que vê ou ouve no público que o adora, prolonga “There’s a Devil Waiting Outside My Door” de Loverman, que transpõe para a “Red Right Hand” e, já na recta final, com uma frenética jovem do público em palco, canta “Stagger Lee”, para depois se aperceber, com vergonha, que grita “Yeah, I’m Stagger Lee, and you better get down on your knees / And suck my dick because if you don’t, you’re gonna be dead, / Said Stagger Lee” na cara da mesma jubilante jovem. Termina com “Rings of Saturn”, não prevista no alinhamento, e a carga emocional, o culto e os ambientes soturnos cantados, adorados e percorridos dão lugar a uma imensa alegria entre o público, por termos testemunhado, mais uma vez, um magistral concerto.

O terceiro e último dia começa com ameaças de chuva e com os titãs Alice in Chains, com William DuVall na voz, que “substitui” Layne Staley, falecido em 2002. Não se poderá dizer que DuVall executa mal a sua função, mas este concerto destina-se a revivalistas, nostálgicos dos tempos áureos da banda de Seattle, sem grandes novidades, desvios ou excentricidades.

Entretanto, no palco secundário, começa a juntar-se uma pequena multidão para a estreia em terras croatas dos Portugal. The Man (que de Portugal só tem o nome). Com projeções psicadélicas em fundo de palco, os Portugal. The Man fazem as maravilhas de um público sedento para os ver e que terá visto, certamente, as suas expectativas satisfeitas.

Interpol

Mas a grande estreia da noite ocorre no palco principal, com os nova-iorquinos Interpol. Com o sexto álbum de estúdio, Marauder, previsto para 24 de Agosto, Paul Banks e companhia (sem Carlos Dengler, que saiu da banda em 2011) fazem o que sabem bem: melodias envolventes, letras densas e complexas, riffs de guitarra e linhas de baixo inconfundíveis. Os Interpol percorreram, ao longo de pouco mais de uma hora e meia, todos os trabalhos da banda, começando com “Not Even Jail”de Antics, passando por “Success”um tema que não era tocado desde 2011 e que integra o menos inspirado álbum da banda, homónimo. Há quem diga que as músicas precisam de tempo para serem percebidas e isso parece concretizar-se com os Interpol. Mesmo os temas mais desinspirados da carreira parecem agora fazer sentido, enquanto os grandes temas de Turn on the Bright Lights ou Antics cimentam os Interpol como uma das maiores e melhores bandas de rock alternativo. Com um disco novo a sair, os Interpol ofereceram-nos apenas 2 antevisões do mesmo, nomeadamente “The Rover” e “Now You See Me at Work” (que não está em Marauder), das quais se destaca a bateria de Sam Fogarino, bastante mais forte do que anteriormente. Tal como os fãs croatas, esperamos que os Interpol passem por Portugal no próximo ano, já que não passará por terras lusas a digressão europeia de promoção ao novo álbum, que irá ocorrer no Outono.

Findo o festival, dedicamo-nos a ser turistas por terras croatas. Conheceremos a costa, as paisagens, o mar, tentaremos perceber porque é que anda tanta a gente fascinada pelos ambientes da Guerra dos Tronos. Porque não, não há melhor álibi para conhecer um país do que um festival de música mais-que-perfeito. Para o ano há mais, querem vir?

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