“Ahed Tamimi deverá sair em liberdade no domingo”, revelou a sua advogada Gaby Lasky
O que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de media independente, progressista e dissidente e foi originalmente publicado em www.fumaca.pt.
Ahed Tamimi será libertada este domingo, 29 de julho, confirmou ontem ao Fumaça, Gaby Lasky, sua advogada, israelita especialista em Direitos Humanos. Resta saber se o Estado Israelita permitirá que, de facto, isso aconteça. A menor palestiniana de 17 anos (detida quando tinha 16) está presa desde dezembro, por esbofetear um soldado israelita que se encontrava no pátio da sua casa, no dia em que esta soube que o exército de Israel tinha atingido a tiro o seu primo Mohammed Tamimi. Na altura, não havia notícias do seu estado de saúde e a família pensava que estaria morto.
Mohammed ficou em estado crítico, foi sujeito a uma operação cirúrgica que lhe removeu parte do crânio e, depois, colocado em coma induzido, por 72 horas. As forças militares israelitas negam ter disparado esse tiro.
Ahed foi retirada da sua cama, detida e algemada, durante a noite de 19 de dezembro. Para Gaby Lasky, sua advogada, “retirar uma menor da sua cama, a meio da noite, para ir a interrogatório, em vez de intimá-la a comparecer na esquadra é, em si, um abuso de poder”.
A menor palestiniana ficou na prisão a aguardar julgamento, durante três meses, numa clara violação da Convenção sobre os Direitos das Crianças, que diz no seu artigo 37º: “(…) a captura, detenção ou prisão de uma criança devem ser conformes à lei, serão utilizadas unicamente como medida de último recurso e terão a duração mais breve possível”.
Mais tarde, foi interrogada sem a advogada, nem qualquer encarregado de educação na sala, mais uma vez, contra a Convenção sobre os Direitos da Criança, nos seus artigos 9.º: “Os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança”, e 37.º: “A criança privada de liberdade tem o direito de aceder rapidamente à assistência jurídica ou a outra assistência adequada”. A sua mãe, Nariman Tamimi, deslocou-se até à esquadra onde Ahed estava detida, para exigir acompanhar a sua filha durante o julgamento, mas acabou também ela presa acusada de atacar e coagir um soldado, e de incitamento, já que tornou público o vídeo da filha a esbofetear o soldado.
Partes do interrogatório de Ahed foram reveladas no Youtube. Gaby Lasky diz que “durante o interrogatório temos vídeos que mostram que um agente a intimidou dizendo coisas sobre o seu aspeto físico, enquanto estava sentado demasiado perto dela”. No vídeo, pode ouvir-se um dos agentes israelitas a perguntar: “Como és tu ao sol? Como a minha irmã? Vermelha, vermelha, vermelha?”. Ahed foi ainda intimidada por um dos agentes, que ameaçou prender familiares seus, incluindo menores, caso não cooperasse: “Se não nos deres o que queremos, vamos prender toda a gente neste vídeo. Tu conheces Nour, Mawan, Osama, Marah. Tu conhece-los a todos. Vamos levá-los a todos, se não cooperares. Está nas tuas mãos”. Durante as cerca de duas horas do interrogatório, as únicas palavras que Ahed disse foram: “Eu escolho permanecer em silêncio”.
Acordo com o inimigo
Ahed Tamimi foi condenada a 8 meses de prisão, em março deste ano, depois de aceitar um acordo judicial, assumindo a culpa, na contrapartida de ter uma redução da pena. Gaby Lasky explica porquê: “Principalmente, porque o julgamento demora muito tempo e a maior parte das pessoas que são julgadas num tribunal militar são detidas até ao final do julgamento. Por isso, as pessoas preferem acabar o processo com um acordo, em vez de estarem detidas por um período muito longo, talvez mais longo do que o período da condenação. No final, aceitámos um acordo em que ela ficará presa oito meses, quando a acusação queria Ahed presa durante um período superior a quatro anos. Tendo em conta que a acusação da Ahed tinha mais de 40 testemunhas, o julgamento teria demorado muito muito tempo”.
O sistema judicial israelita na Cisjordânia julga palestinianos nos tribunais militares, enquanto julga israelitas em tribunais civis. Segundo a Defense for Children International – uma organização internacional de defesa dos direitos das crianças, com sede na Suíça – todos os anos, Israel detém entre 500 e 700 crianças, a partir dos 12 anos. Até hoje, centenas de milhares de palestinianos foram julgados em tribunais militares. Desde 2000, foram julgados cerca de 8000 menores. Os dados sobre a percentagem de condenações são, também, reveladores. O jornal israelita Haaretz teve, em 2011, acesso a um relatório oficial do exército israelita que mostrava que em 99,74% dos julgamentos em tribunais militares as sentença acabavam sempre em condenações. É virtualmente impossível ser ilibado.
Em junho deste ano, conversámos com Gaby Lasky, advogada israelita de Direitos Humanos, que defendeu Ahed Tamimi e a sua mãe, Nariman Tamimi, durante os julgamentos. Falámos sobre o sistema judicial militar israelita, que Gaby classifica como “completamente apartheid” e sobre a prisão de Ahed e Nariman.
Texto, preparação, captação de som e entrevista: Ricardo Esteves Ribeiro
Edição de som: Bernardo Afonso