A abertura estilística dos Ciclo Preparatório em ‘Se é Para Perder Que Seja de Madrugada’
Foi há cerca de 5 anos atrás que As viúvas não Temem a Morte marcou a estreia dos Ciclo Preparatório. O grupo, fundado por João Graça, José Pape e Sebastião Macedo, após o êxito do lançamento do single “Lena Del Rey” e a adição de Constança e Benedita Gonçalves e de Pedro de Tróia para a consolidação do processo colaborativo, viu no seu primeiro álbum de estúdio aclamação crítica, rodagem radiofónica e a consequente e merecida aderência do público. As Viúvas não Temem a Morte é um singelo álbum de pop rock moderno, repleto de influências nacionais e internacionais, que se demarcou pelas harmonizações vocais, fronte e centro, tanto em estúdio, como nas performances ao vivo. Nele, os Ciclo Preparatório apresentaram-se predispostos às matérias da nostalgia e tristeza – tal como os próprios nomes da banda e do álbum indicam –, conseguindo ainda construir alguns temas mais enérgicos. Acompanhando esta sonoridade, as narrativas tradicionalistas são o foco da lírica, revolvendo sempre em torno da pátria, sinos e igrejas, amores vitalícios e nomes com mais de duas silabas.
Mas no novo LP, Se é Para Perder Que Seja de Madrugada, os coros colegiais foram substituídos por uma faceta de inquietação. As guitarras, mais agressivas que nunca, tornam-se neste o elemento melódico principal, sobretudo na primeira metade do álbum. Em “Montes da Beira”, tema de abertura, e nos seus sucessores “Labirinto” e “Dançando com Lobos”, os riffs garageiros evidenciam-se mais que a voz, engolindo o próprio refrão. Há um certo retorno ao rock amargurado de meio dos 2000, sobretudo com o início da terceira música. A lírica encaixa-se coerentemente nessa abordagem, com as letras agridoces a sobreporem-se a ritmos abertos e hiperactivos.
“Melhores Dias Hão de Vir”, primeira canção que antecipou o álbum, destaca-se nesta metade. Com uma das mais fortes secções rítmicas, reinventa-se sonicamente do primeiro para o segundo verso, com o baixo a liderar o primeiro e a bateria o segundo. Canaliza ainda simultaneamente as progressões de rock clássico e as alternâncias e efeitos de guitarra mais características do alternativo, tornando-se um dos mais interessantes e completos temas deste álbum.
A partir de “Por Quem os Sinos Dobram” a banda volta a celebrar, como no Viúvas, a pátria que os viu nascer. Canções mais intensas em tonalidade, apelam aos ímpetos mais sensíveis, com crescendos finais épicos, como as epopeias que recontam – “Ícaro” recorda essa ânsia de chegar mais longe. A belíssima “Entre o Voo e o Sonho” introduz celestialmente o fim desta viagem musical, mas é “Caravela” que o declara. A voz tenra, meio sofrida de Benedita e a melodia quase infantil indicam o caminho para a mudança e refutam a estagnação, ainda que com isso as saudades fiquem. A única música do historial da banda liderada por uma voz feminina consegue, dessa forma, reiterar a mensagem que transmite e findar o álbum serenamente.
Se é Para Perder Que Seja de Madrugada é um álbum de exploração das multitudes dos Ciclo Preparatório; já não são miúdos coristas e, nos 5 anos que separam os dois álbuns, dedicaram-se ao aprimoramento da técnica e redireccionamento para sons que mais lhes interessam. Perante esta dualidade estilística, junta-se agora uma curiosidade despertada sobre como conseguirão tornar suas estas novas aventuras.