A arte de mãos dadas (e solidárias) no último Sofar Sounds do ano
O último Sofar Sounds de 2016 foi o exemplo perfeito de tudo o que se tem passado desde que o Sofar Sounds aterrou em Lisboa – música, arte e partilha. E o melhor sítio para celebrarmos a arte pela arte foi, precisamente, a galeria de arte Underdogs, que há muito preza os artistas plásticos emergentes portugueses.
Foi no meio das telas da exposição Marginal, de Francisco Vidal e Pedro Baptista, que assistimos ao primeiro artista do final de tarde. Senhor Doutor, o nome de guerra do projecto a solo de Jorge Ferreira – d’Os Pinto Ferreira e Guys from the Caravan -, apresentou-se com uma guitarra eléctrica e um bom humor contagiante.
Embora automedicado para uma gripe que o havia assolado uns dias antes, a voz e as canções do Senhor Doutor remetem-nos para um certo folk/rock que julgávamos ser inexistente no contexto musical português. Não é demais dizer que a música do Senhor Doutor honra todas as reminiscências que possamos ter de Tim Buckley, de Hiss Golden Messenger ou, de certa forma, The Tallest Man on Earth. Totalmente cantado em português, com letras próprias e emprestadas por Samuel Úria – que nos presenteou com um magnífico set no penúltimo Sofar – o Senhor Doutor pôs-nos a todos a desejar «uma bifana e um Moscatel» enquanto o ouvíamos. Esta vontade de o ouvir não ficará certamente por aqui, o álbum do Senhor Doutor será lançado, em princípio, no primeiro trimestre do próximo ano e temos a certeza de que será uma das grandes surpresas do ano. Até lá, um Moscatel.
No último Sofar tivemos a presença do Samuel Úria, fugindo ligeiramente ao conceito de músico emergente e ingressando na consagração de talentos já conhecidos da nossa praça. Embora ligeiramente mais desconhecidos, os Norton engrossaram o grupo de bandas-consagradas-pelo-Sofar.
Com quase 15 anos de carreira, os Norton, naturais de Castelo Branco, há muito que povoam as radiofrequências nacionais. Com o primeiro tema (Your) Balcony, de 2007, os Norton cativaram o público e mostraram que as suas músicas não são datadas, não passaram de moda e não deixaram de fazer sentido. O restante set revisitou os outros álbuns da banda, como Layers of Love United ou o último álbum de originais datado de 2014, homónimo. A história dos Norton é longa, com alguns momentos difíceis e outros (bastante) mais felizes. São estes momentos que partilham em tudo o que transmitem, como quando nos põem a cantar Two Points ou nos presenteiam com a cover de Paris dos Friendly Fires; ou quando nos fazem desejar ouvir Brava num contexto não acústico. No Facebook, os Norton assumem-se como Melody Makers e, de facto, não poderiam andar mais perto da verdade – esperemos que voltem com música nova em breve.
O último músico do ano no Sofar Sounds foi Niles Mavis aka Nelson Duarte aka Sr. Alfaiate. Niles Mavis lançou a meio deste ano o álbum de estreia, homónimo, mas já há muito que marca presença no mundo da música, tendo já trabalhado com Sam The Kid, Buraka Som Sistema ou Legendary Tiger Man. Os discos tocados e “scratched” por Niles Mavis têm o acompanhamento de guitarra, trompete e teclas, numa simbiose perfeita que impede que o público permaneça sentado. Nas colunas ouviam-se samples de Diamonds and Pearls do tão saudoso Prince e o tempo voava. Os ritmos jazzísticos, bluesy de Get Some fizeram com que nos esquecêssemos do frio e deixaram-nos com vontade de prolongarmos a tarde até a altas horas da noite.
A essência do Sofar incide também na partilha e, com o Natal à porta, a solidariedade não foi esquecida e foi pedido a todos os presentes que levassem uma pequena prenda que seria entregue a crianças institucionalizadas, numa iniciativa com a IPSS Candeia. A arte também é isto, não é?