A busca por significado
Há uns dias disseram-me que não tenho uma vocação, que nunca disse o que gostava de fazer e que, no início da minha vida como adulto, não demonstro interesse por nenhuma carreira em específico. Pode parecer algo banal que ouvimos num qualquer jantar de família ou numa conversa com os nossos avós, mas a verdade é que foi o início de uma pequena crise existencial que se tem arrastado e me levou a escrever este desabafo.
Qual é a minha vocação? Qual é a vossa? Parece fácil, em pleno século XXI, encontrarmos significado. O avanço tecnológico trouxe-nos conforto, segurança e mais importante ainda: “respostas”. Mas as respostas geram dúvidas, o conforto não nos deixa avançar e a segurança prende-nos com todas as forças.
É normal, é o problema de uma geração demasiado qualificada com pouca experiência laboral e que pertence a uma classe privilegiada. Há umas décadas éramos forçados a arranjar um emprego e tudo parecia mais fácil em termos de carreira. O teu pai era taxista? Bem, tu ias ser taxista. O teu pai era sapateiro? Ok, aprendias o ofício em criança. O dinheiro não chegava? Começavas a trabalhar cedo no negócio de família e o resto vinha por acréscimo. Não tínhamos tempo para divagar, para pensar entre uma licenciatura em psicologia ou sociologia, para fazer Erasmus, voluntariado ou pós-graduações. As escolhas já estavam pré-feitas. Mas e hoje? Hoje temos acesso a uma enorme quantidade de informação, hoje temos tempo para nos preocuparmos com causas sociais, para agir, para escolher entre A, B, C ou D, e no final? No final somos um pouco de tudo e a escolha é nossa. Apesar da escolha ser assustadora, não significa que estejamos condenados para o resto da vida. Há que tirar partido de toda esta informação e de todas estas escolhas.
Talvez a busca por significado deva passar por definirmos, primeiro, os nossos valores morais, encontrar a nossa filosofia individual e de que forma é que tudo isto se relaciona com o mundo à nossa volta. Se o conseguirmos fazer, se conquistarmos essa nossa individualidade, talvez tudo se torne mais fácil. Por acréscimo, será inevitável saber como devemos agir em situações de dúvida, pois basta fazê-lo com base nessa mesma moralidade.
Mas e então? Como é que encontramos a nossa paixão? Como é que descobrimos o nosso significado? Provavelmente é inútil procurar. A grande tragédia da sociedade moderna é não existir significado específico para cada indivíduo. Todos nascemos com certas qualidades, certas características biológicas que nos são dadas e temos sorte por as ter, mas em termos de encontrar o nosso significado, porque vivemos numa sociedade de livre escolha, acaba por ser uma “tragédia”.
Uma “tragédia” porque, lá está, é nos dada a oportunidade de falhar ao fazermos as nossas escolhas, não nos é ensinado o que devemos ser, não nos é ensinado como encontrar a nossa paixão e ficamos desorientados quando chegamos a um certo ponto. O ponto que nos leva à escolha. A tragédia é essa, é arbitrário, por muito que queiramos acreditar que existe algo lá fora feito especialmente para nós, não é assim. E a verdade é que só temos que escolher e escolher com base no nada é assustador.
Ao encarar as coisas desta forma acho que podemos eliminar várias dúvidas e focarmos-mos no que realmente interessa. A meu ver, passa por conquistar uma visão global, tirar partido da tecnologia e do conforto, e com base nessa visão encontrar uma filosofia individual, escolher um caminho e, se tivermos sorte, conquistar o tal significado. É necessário fazer a escolha, dominar essa área, tornarmos-mos mestre dela e, eventualmente, a paixão poderá surgir e o significado também.
Pelo menos quero acreditar nisso na próxima vez que visitar os meus avós.
Crónica de Paulo Primaz