A caminho de Laborinho
Nem sempre o tempo da escrita coincide com o tempo das nossas vidas, sabes? Tínhamos combinado trocar e-mails, em Coimbra, tínhamos falado em alinhar as coisas para uma possível participação no meu último livro. Quiçá um posfácio? Estava até com ideia de lancharmos, pela Nazaré, se descesse para Lisboa numa dessas viagens de trabalho. Nunca aconteceu.
Entretanto, fui sabendo mais e mais de ti através dos outros. Muitos haviam estudado contigo, sido teus colegas no ministério ou mesmo teus alunos no Centro de Estudos Judiciais (CEJ). Tínhamos um rol de gente em comum. Descobri-o mais tarde, após o nosso encontro na secundária de S. J. da Madeira, em Janeiro de 2024, onde palestraste acompanhado por Julieta Monginho (alguém que te sorria muito, lembro-te).
O convite de Cristina Marques (minha madrinha da escrita), deu oportunidade aos alunos de conhecer a matéria de que é feito o raciocínio. Após auscultares cada detalhe das suas perguntas, numa atenção quente, desconstruíste seus paradigmas, reconstruindo uma casa de pensamento onde todos tinham lugar. Eras mestre na retórica, senhor da palavra. Melhor, eras a própria palavra. Discurso em pessoa. Romancista por natureza de mão. Homem do outro. Farol da razão de quase todos — consideremos “todos”, aqueles que compõem comigo o panorama literário português.
Ao saber da notícia, ontem, encontrei-me de súbito nessa tarde, quando te acompanhei ao carro e te guiei ao nó da estrada que te devolveria rapidamente a casa. Imagino-te agora a caminho, cheio de vontade de regressar ao papel. Talvez a pressa fosse essa. Há sempre um livro à espreita dentro de nós. E não devemos deixá-lo escapar, verdade? Tu eras o teu livro — único e inigualável. Um caso-de-estudo. Filosofia do olhar crítico nas margens do papel. Um poema a dois passos do atlântico.

