A crueza visceral de Rhye a fluir em ‘Blood’

por Sofia Trovisco,    20 Fevereiro, 2018
A crueza visceral de Rhye a fluir em ‘Blood’
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Blood – na forma crua e visceral do singular- intitula o segundo álbum dos Rhye, personificado na voz versátil de Michael Milosh. Milosh é um intérprete com plasticidade vocal tal que pode levar os mais distraídos a não discernir que se encontram na presença de uma voz masculina, com os seus decibéis meigos de uma doce voz feminina. Esta característica petulante da assinatura vocal de Milosh acompanha a viagem através de Blood – uma epopeia que explora o vazio dos sentimentos, após o término de uma relação, enaltecendo a vibrante corrente eléctrica que corre no sangue após nova descoberta do amor.

Blood sucede a Woman – álbum de estreia que remonta a 2013- há um fio condutor entre o registo musical de ambos, mantendo facilmente a identidade da banda, no entanto Blood apresenta menos camadas, uma composição comparativamente mais crua, sensível, orgânica e visceral. É possível sentir à flor da pele a mensagem de Milosh, absorvendo cada acorde macio do soft-rock, sentindo o toque superficial dos decibéis de texturas suaves com o avanço mais agitado e mecânico da percussão que foge por entre os dedos ao encontro de uns traços rasgados da musicalidade do Jazz e do R&B.

Waste“, a música de abertura do álbum, é uma ode ao corte com a latência do passado, e simultâneamente um ponto de viragem que colide com o renascer do desejo de fusão de dois corpos num só. Cada verso de “Waste” é pautado por um sofrido choro de violino, que ameaça fazer verter lágrimas na cara dos mais sensíveis – “It doesn’t have a season especially not a fall. / Oh, my love, cave into this space“. Cabe a “Taste o corte com a melancolia de abertura do álbum, através do fervilhar de um dedilhado eletro-funk cheio de sedução lasciva: “See me fall from your eyes to your waist / Drink this wine from your sweet, from your case“. “Feel your weight apresenta sonoridades e ritmos que apelam à dança, deixando espreitar – entre o bailado dos versos que lhe dão corpo – uma nova vaga de emoções, que saram a alma rasgada e arrastada dolorosamente pela penumbra da separação. Emana tranquilidade e uma promessa hormonal de partilha visceral: “‘I’ll hold your mouth, we’re feeling invaded, feeding from your blood“.

Bad Feeling Mag

Please, um slow de semblante carregado, deixa no ar a condensação de água e sal com origem em atos erráticos e desentendimentos, reflectindo falhas de comunicação – “I think you hear me wrong / I think it come out wrong / A pillow of lies“- que inquietam a existência de todos os que se ousem apaixonar; em suma, uma nota de perdão, com base em palavras irreflectidas.

Bring your songs to me / I’m not afraid to heal them“- um verso que sinaliza “Count to five” como a melodia mais sedutora do álbum, sentindo-se na pele a dança furtiva do olhar dos amantes que se desejam. “Song for you” parece ocupar um lugar muito especial na cadência de Blood; espelha ternura, vontade de abraçar a mulher de rosto baixo, e de segurar-lhe as feições bem alto, num sorriso, com a força de quem ama com a humildade de errar. Uma melodia quente, apaziguadora, um abraço musical que todos gostaríamos de sentir na pele real que nos cobre.

Blood knows“, uma sonoridade brilhante que podia muito bem ser banda sonora de um grande plano romântico, com um fundo cosmopolita de luzes a dançar ao sabor da chuva. “Phoenix” é um novo retorno ao lado límbico e carnal da interacção humana, um corte brusco com o romantismo que já se tornava certo; uma das imagens de marca de Blood. O álbum encerra com chave de ouro: “Sinful é o reconhecimento do ser humano como uma solidão em si mesmo, que busca no amor o perdão e a reconciliação com os próprios pecados. “We´re not alone / You’re my sinful“.

Blood é um álbum meritório, com o cunho bem marcado da obra musical que Milosh almeja deixar como legado. Um registo de sons de cadência simples que nos eleva a outro nível; deixando-nos seduzir pelo sussurro da sua voz, que muitas vezes se imiscui com os decibéis em si mesmos, criando a ilusão de unidade indissociável entre intérprete e banda que o acompanha. Uma voz que consegue demarcar bem o sentido das suas palavras e desaparecer de forma sensível, como a brisa do vento numa tarde de verão com cheio a maresia.

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