A delicadeza emocional de ‘Bare Me Raw’, dos Museum Museum
A carreira musical de Marta Banza faz-se há bastante mais tempo do que a história que os Museum Museum contam. Formada em piano pelo conservatório regional de Setúbal, Marta colaborou em inúmeros projectos, tais como Kalafate (banda tradicional setubalense) e as sessões de música experimental do Clube Setubalense. Mas foi com o projecto Tio Rex que se afirmou verdadeiramente no panorama musical. Membro essencial do projecto de Miguel Reis, Marta empresta, para além das teclas, a sua belíssima voz ao projecto folk do artista setubalense. Era apenas questão de tempo até que o seu próprio projecto nascesse, aquele onde a sua veia criativa poderia despoletar e brilhar na sua máxima capacidade.
Para os mais distraídos, o projecto de Museum Museum pode parecer similar a Tio Rex. Sim, o Miguel Reis faz parte do projecto. Sim, é um projecto de guitarra e piano, onde as vozes de ambos se cruzam. A grande diferença é que o piano aqui assume o protagonismo, assim como a voz da Marta. A composição dos temas é também bastante díspar do projecto de folk.
Embora existam influências claras da bossa nova brasileira, Museum Museum não se colam a essas influências e constroem um género híbrido entre o que de melhor o nosso país irmão nos deu (sem ser o samba, claro) e a música de cantautor tradicional portuguesa, bem ao estilo de um Fausto do século XXI, mas com voz feminina. Museum Museum contam histórias, muitas delas pessoais, baseadas em vivências e pessoas importantes nas suas vidas.
A harmonia do piano em combinação com uma guitarra, sempre num tom meio poético, encaminha-nos para uma terra de sonhos, principalmente quando a voz de Marta se eleva. A voz de Miguel Reis encaixa na perfeição com o tom, tendo em conta que o seu registo mais grave contrasta de forma particular com a voz delicada da Marta.
”Bittersweet Basics” é a faixa perfeita para começar esta viagem, repleta de silêncios e vazios que dão azo à nossa imaginação e nos convidam a entrar no seu universo meio escuro, meio cru. Não há alegria imediata no seu instrumental ou vozes, mas sim escuridão, uma escuridão melancólica, muito graças à voz da Marta, que é sem dúvida o ponto alto ao longo de todo o EP. “Melting Clocks”, a segunda faixa, é um excelente exemplo do que acabei de referir. De realçar a forma como o banjo e a voz do Miguel encaixam na perfeição no tom geral e dão espaço à voz da Marta para brilhar. É esse forte contraste entre ambos que atenua mais a voz da mesma.
“Heartbreak, Heartburn, Heart Attack” pausa um pouco o ritmo, talvez de mais, e deixa-nos mais uma vez a deambular pelo misterioso. O maior problema deste EP é sentirmos diversas vezes que tudo poderia ter ido mais além. Nunca há uma verdadeira explosão de sentimentos. Ficamos com a clara noção de que a voz de Marta poderia ter brilhado mais, que o instrumental poderia ter entregado mais sentimento, mas esta é provavelmente uma escolha consciente do duo. “My Grandmother’s Words” é uma das melhores faixas do EP e provavelmente do ano. É uma simbiose perfeita entre um instrumental clássico e duas vozes eternas. Quantas músicas do género temos em Portugal? Decerto, não muitas. Mas não é só por isso que esta faixa é tão importante. É importante também porque vai contra a corrente geral de cantautores mais modernos. Aqui não há efeitos ou sintetizadores, nem nada que se assemelhe a electrónica. Não que isso seja mau ou bom, apenas um dado curioso e que, sem dúvida, afirma a identidade do projecto.
“By The End” volta a parar o ritmo, algo que julgo que não se pedia neste momento. Todo o EP joga muito com os silêncios e as pausas, mas por vezes parecem reduzir um pouco o nosso entusiasmo ou a nossa viagem de emoções ao longo das suas histórias. “Bittersweet Departure” fecha em grande essa nossa viagem, mas ficamos com o sentimento de que precisamos de mais. Por um lado é um sentimento bastante positivo, significa que fomos agraciados com vários momentos de qualidade e só queremos que haja mais. Por outro, fica a sensação de que era possível ir ainda mais longe. Marta Banza tem, sem dúvida, uma voz ternurenta, melancólica e poética, mas parece não explorar toda essa potencialidade ao longo deste EP. A nível instrumental fica também a noção de que o piano poderia ter-se assumido como elemento mais central, embora isso não seja culpa da guitarra, nem da voz de Miguel Reis, ambos funcionam na perfeição neste enquadramento.
Musem Museum deixam, sem dúvida, uma excelente primeira impressão, carregando a nossa alma ao longo de uma travessia negra e melancólica como não há grande registo na música portuguesa dos últimos anos. Só por isso já merecem um grande destaque e muita atenção ao seu futuro, que será sem dúvida repleto de sucesso.