À descoberta da paz de Calmness
O ambiente slowcore do português Calmness cumpre aquilo que promete – em compasso relaxado, assente sobre melodias livres, somos conduzidos por uma paisagem de fim-de-tarde, de electrónica que respira. A voz frágil, por vezes duplicada duas oitavas abaixo na procura de uma profundeza a que se agarrar, interpreta os curtos temas que compõem o primeiro trabalho do artista – Lavender.
O EP dá a provar um retiro musical, de diálogo equilibrado entre guitarras e sintetizadores. A canção mais bonita do conjunto é precisamente aquela que melhor joga entre estas duas dimensões: “You Know What You Want Now”. Percebe-se que o artista atenta simultaneamente aos pormenores e à envolvência, num som que resulta cheio e criativo.
A guitarra, passeando-se por entre os teclados, é responsável pelos momentos de maior beleza, explorando sequências simples sob fundos densos. De destacar o momento – “Starting Over” – em que surge distorcida e distante, expressando solidão e isolamento, num dos mais intensos trechos do EP – o único em que marca presença uma bateria, perturbando a paz de um lugar.
Quisemos conhecer um pouco melhor o processo artístico de Guilherme Tavares, o nome que se esconde por detrás de Calmness.
Ao ouvirmos Lavender, parece que nos retiramos da realidade. As canções foram nascendo aos poucos, ou foi um processo mais condensado no tempo?
Foram nascendo aos poucos, com muitas outras pelo meio que acabei por não usar. No início de 2016 já tinha o conceito em mente, que foi quando decidi começar este projecto, Calmness. Demorei algum tempo a fazer este álbum porque nunca sentia que estava completo, devido a ter já a ideia de criar um loop que faz a última música do disco ligar-se à primeira, e para isso tinha que haver uma narrativa concisa ao longo do mesmo para fazer sentido.
Em “You Know What You Want Now”, há qualquer coisa de muito inspirador no diálogo entre a guitarra acústica e a discreta electrónica 8bit. Quais são as influências do teu som – no mundo da música e para lá dele?
A música lo-fi brinca com um pouco de tudo, artistas como Flatsound e Dandelion Hands foram os que me deram as bases para descobrir o tipo de música que queria fazer. Eles também têm músicas desse género onde utilizam sons 8bit. Flunkie (que está numa das músicas), Florist, Fraternal Twin, e Julien Baker são alguns dos artistas que inspiraram Lavender. Ainda dentro do mundo da música mas mais orientado para video jogos, no caso da “You Know What You Want Now”, o que me inspirou foi Earthbound, cuja banda sonora estava muito à frente do seu tempo, é mesmo excelente. A série Stranger Things tambem inspirou uma das músicas, a “Starting Over”. Foi impossível ouvir aqueles sintetizadores e não querer um som semelhante numa música.
O processo de gravação do álbum ajudou-te de alguma forma? Pergunto porque toda a ambiência sabe a cura, transmite isso.
Eu desisti da escola para ter tempo para começar este projeto e para ter tempo para mim, que era algo que precisava. Não estava num bom lugar mentalmente; portanto, tornar experiências passadas em arte foi terapêutico. Revisitar memórias e analisá-las de longe com outra perspectiva e mentalidade ajudou-me imenso e acho que a honestidade mostrada nas minhas músicas faz transparecer o processo, e tem ajudado a quem passou/está a passar por coisas semelhantes. É para isso mesmo que faço música.
Como correu o concerto no Sofar Sounds? Foi fácil transpôr a música para o formato ao vivo?
Para primeiro concerto acho que correu bastante bem! O ambiente do Sofar Sounds é muito acolhedor, e isso fez-me sentir definitivamente mais confortável. Tocar a minha música ao vivo sozinho era algo que eu já estava a pensar como iria fazer muito antes de lançar o álbum, e a conclusão a que cheguei foi que tinha de arranjar um Loop Pedal. Para além disso, todas as guitarras no álbum foram gravadas sem quaisquer pedais e depois os efeitos foram postos no DAW, por isso tambem houve a preocupação de começar a comprar pedais. Por agora só tenho um Reverb e um Loop Pedal, o que me chega para fazer versões mais stripped down.
Transpor as músicas foi um desafio, a “Starting Over” fica completamente diferente. Tive de fazer uma versão acústica, sem sintetizador e sem bateria e tentar torná-la interessante na mesma, visto que para mim o climax da música é quando entra o sintetizador. As spoken word faço com backing tracks para dar mais atenção às palavras. E depois há a “Falling out of love”, a minha favorita, onde adicionei 2 minutos à música e uma parte nova no final, sempre criando camadas com o Loop pedal.
No futuro de Calmness, que sonoridades e projectos se avizinham?
Por agora estou a planear concertos por Portugal. Já tenho umas quantas ideias para próximos projectos e quero explorar uma sonoridade diferente, mas ainda dentro do mesmo género. Já comecei a trabalhar no segundo álbum, mas apenas ideias soltas, não vou lançar nada tão cedo.