A escola e as artes do futuro
Era uma vez — é assim que todas as histórias começam — um mundo no qual se conhecia bem a função social das Artes Performativas. Um local onde políticos, economistas, cientistas e até matemáticos utilizavam o pensamento artístico no seu quotidiano. E onde a formação artística era valorizada e pensada de acordo com o contexto. Parece-me que estamos perante uma espécie de conto de fadas, de “mundo encantando”, porque a realidade, infelizmente, é diferente. No entanto, o futuro poderá começar a ser construído de uma outra forma.
Tendo sido professor durante 10 anos, no ensino superior, aquilo que eu transmitia aos alunos eram ensinamentos artísticos e, portanto, dediquei-me a estudar e a refletir sobre o estado do ensino das artes, não só em Portugal, mas em toda a Europa. Curiosamente, cada local segue um modelo distinto, e a própria evolução do ensino, ao longo das últimas décadas, tem sido desigual, também.
Sinto que, por cá, falta interrogarmo-nos acerca do papel das artes performativas e dos artistas na sociedade e, acima de tudo, acerca do benefício da formação. De que outra forma poderemos nós, enquanto tecido social, passar a valorizá-la? O ensino das artes pretende captar aqueles com maior talento e desenvolvê-los. Ajudá-los a expandirem-se. Eu diria que a formação artística é, sobretudo, uma formação do ser humano, de uma nova humanidade — e que este lado deveria ser mais trabalhado em Portugal. É certo, existem escolas, existem professores, mas não existe um pensamento conjunto e adequado ao território e à contemporaneidade.
As escolas não são o local que educa o artista, per si. Os intérpretes são formados, de forma mais intensa e profunda, na sua relação com a sociedade, na sua tentativa de se exporem entre pares e procurar o seu lugar. As escolas são, sim, um (importante) degrau entre a dimensão profissional e uma dimensão mais abrangente e que toca a todos.
O ensino artístico em Portugal está longe do ideal, já que falta alguma relação entre a História, a Geografia e a própria arte de ser português. As escolas portuguesas não pugnam por isto, lamentavelmente. Apesar de vivermos numa sociedade completamente globalizada, falta alguma ligação entre todos. É isto que as escolas devem desenvolver, a nível emocional, geográfico e até político.
O modelo escolar é assim pouco crítico, já que não incentiva a análise crítica. Pelo contrário, é muito fechado em si próprio. É críptico, se preferirem. Cada professor tem a sua forma de olhar para o mundo e não há o diálogo necessário para refletir sobre determinados aspetos do quotidiano. Não quero, no entanto, afirmar que todos os professores têm esta mentalidade. Quero, sim, dizer que a própria estrutura de ensino cria um entrave ao desenvolvimento. Há muitas regras e pouca variabilidade. E não só nas Artes! É assim em todas as áreas. Confesso, todavia, que, para as artes performativas, esta mentalidade é mais punitiva. Os modelos de educação não conseguem acompanhar o contexto e as variáveis ligadas ao meio. Eu acredito que isto significa que, aliado a outros fatores, existe um desinvestimento nas artes, por parte do Estado e da própria sociedade. Numa época em que se valoriza tanto a inovação, o desenvolvimento do ser crítico e a criação, porquê este afastamento da Cultura? As artes e as escolas têm um papel fundamental no mundo. Um papel que, inclusive, ultrapassa a própria formação de protagonistas do sistema das artes. Por isso, esta educação devia ser transversal a todas as áreas, independentemente de envolverem muita ou pouca racionalização. As Artes estão — ou deveriam estar — presentes no desenvolvimento da própria carreira. A formação pelas artes é uma forma de pensar, é uma forma de sentir, é uma forma de lidar com as emoções. E nós precisamos que as pessoas lidem com as suas emoções e que percebam a expressão do seu corpo, numa vertente sentimental e racional. Que aqui se conjuguem pares de opostos em diálogo com uma busca de unidades.
A mentalidade atual é muito fechada. Crê-se que a formação artística serve apenas para os “trabalhadores das artes”. Não. Repense-se sobre o assunto e invista-se nesta área. Se todas as áreas fossem aliadas do pensamento artístico e criativo, teríamos outros resultados. O ensino das artes tem de ser pensado de acordo com o mundo no qual vivemos. Não pode ser disciplina-a-disciplina, tem de ser virado para o futuro! Só assim é que poderemos ter uma democracia mais forte, mais liberdade de espírito e, acima de tudo, pessoas com vontade de aprender e de sentir e pensar mais.