A evolução de influências e géneros na música de Billie Eilish
Agora que nos preparamos para dar as boas-vindas ao terceiro álbum de Billie Eilish, Hit Me Hard and Soft, é interessante colocar em perspectiva o percurso que a artista de 22 anos tem feito na pop, da qual já é um dos nomes mais reconhecidos hoje em dia. A canção que iniciou a sua ascendência à ribalta, “Ocean Eyes”, saiu nem há 9 anos no SoundCloud e já estamos a falar da jovem como um dos nomes determinantes da música feita neste século.
As suas primeiras canções, escritas com e produzidas pelo seu irmão, Finneas — como continua a acontecer até hoje em dia — apresentaram-nos um estilo musical sonicamente discreto, que se distingue pela dicção murmurante de Eilish, os baixos aconchegantes de Finneas e as letras de experiências comuns às gerações mais jovens. Foram estes factores, para além de uma óptima curadoria de carreira, que propalaram Billie a um estatuto de estrela em ascensão, embora inicialmente com uma aura de segredo bem guardado.
É que enquanto que a música pop da primeira década do milénio se focava em grandes chavões e um maximalismo tanto visual como sónico, anos mais recentes trouxeram uma sensibilidade diferente à pop, com o favorecimento de produção minimalista e vocais na onda do mumblecore do virar da década de 2010. Artistas como The xx, Lana del Rey ou Lorde — todos precursores de Billie Eilish — encontraram níveis de fama que possivelmente nem os próprios esperavam (vá, exceptuando Lana del Rey, talvez). Da parte do público em geral, ouvi-los era algo como uma surpresa ou uma espécie de bálsamo para a música reciclada e ocasionalmente assoberbante do top 40, abrindo portas para a música alternativa e contribuindo para o esbatimento de fronteiras de género musical que cada vez mais se sente hoje em dia.
Foi desses meandros onde o alternativo e o mainstream se cruzam que o EP de estreia de Billie Eilish, chamado Don’t Smile at Me, surgiu. O pós-género que já se instaurava no mainstream reflectiu-se no alinhamento do trabalho, que mistura electropop com R&B, elementos de jazz e a estética DIY de quem compõe e produz no seu quarto — uma espécie de referência aos primórdios da carreira dos irmãos Billie e Finneas como um duo criativo. Canções como “Bellyache”, “Copycat” ou “&burn” (que conta com a presença surpreendente de Vince Staples) molham o pé no hip hop sem vergonhas, enquanto que “My Boy” ou “Party Favor” aparam a produção para o mínimo possível. O sucesso do EP pediu rapidamente um sucessor, para navegar o hype criado por entre os ouvintes mais jovens.
Foi então que When We All Fall Asleep, Where Do We Go? foi lançado em 2019 como o seu primeiro longa-duração e pôs o nome de Billie Eilish nas bocas de outras gerações, muito graças a “Bad Guy”. A batida pulsante e compulsivamente dançável, aliada à entrega descolada da cantora, foi determinante na demonstração da versatilidade da sua música e ajudou a que a canção se espalhasse como um fogo ateado com gasolina. Na mesma senda de Don’t Smile at Me, e também pelas exigências de um mercado cada vez mais sedento de trabalhos diferenciados, o álbum apresentou uma colagem de estilos mais próximos daquilo a que Billie já havia habituado os seus ouvintes, ainda que apontasse a algumas direcções novas.
A palavra “colagem” é usada aqui de forma deliberada, pois como a Pitchfork disse na sua crítica, o álbum assemelha-se a uma colagem feita na parede do quarto de um adolescente — e é aí que nos lembramos da sua idade mais uma vez, dado que Billie tinha apenas 17 anos quando o disco saiu. No disco, encontramos o trap gargantuesco de “You Should See Me In a Crown”, a triste balada “When the Party’s Over” e a caricata “My Strange Addiction”, com as suas divertidas referências a “The Office”, uma das séries favoritas de Billie. O álbum navega pelos altos e baixos da adolescência, com referências a festas e paixão, mas também a angústia, terrores nocturnos e monstros debaixo da cama. A cantora já referiu algumas vezes que não se divertiu particularmente ao longo do processo de criação do disco, mas isso não é aparente à primeira vista, pela forma como a sua personalidade parece estar presente em todas as canções.
Claro que é sempre difícil para o ouvinte entender a honestidade de trabalhos de artistas reféns da implacável indústria musical e dos seus impassíveis contratos, ainda para mais quando se encontram em início de carreira e estão a tentar provar que merecem um lugar nos píncaros do mainstream. Ainda assim, Billie Eilish foi capaz de imprimir nas canções um estilo único e evoluir para lá das limitações dos seus primeiros trabalhos, apesar de se ter mantido relativamente próxima de estilos familiares para o mainstream, como o trap e pop dançável. O esforço foi recompensado, pois o álbum bateu recordes, liderou tops da crítica e do público, e ainda valeu à artista e ao produtor 6 Grammys no total.
Efectivamente, tudo isso permitiu uma maior autonomia artística para o seu segundo álbum de estúdio, Happier Than Ever. Para acompanhar os temas pesados de abuso sexual, questões de auto-imagem e falta de privacidade, Billie e Finneas compuseram um disco inesperadamente lento, com influências que vão da bossa nova ao pop-punk. Canções como “My Future”, que passa de uma balada R&B para um suave groove funk, o techno suado de “Oxytocin” e principalmente a canção homónima, que usa um clímax roqueiro para conjurar a catarse do término de uma relação, refinaram a imagem de Billie Eilish, impedindo-a de se repetir em termos de géneros e abordagem musical. Ainda que não lhe tenha valido tantos laudos comerciais, apesar de ter sido bem sucedido, pelo menos colocou-a num patamar superior no que toca à crítica.
Do terceiro álbum da artista, Hit Me Hard and Soft, não se ouviu oficialmente nenhum single antes do lançamento, exceptuando três canções que Billie passou num DJ set secreto feito na edição de 2024 do festival Coachella. O rumo que os excertos das canções que já andam a circular pela Internet parece promissor, mas só agora podemos realmente avaliar o novo trabalho de umas artistas mais cobiçadas do momento, naquele que é dos momentos mais determinantes para a música pop em 2024 até agora.