A extrema-direita na Europa: crescimento e perigo

por Cronista convidado,    2 Outubro, 2020
A extrema-direita na Europa: crescimento e perigo
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Há um fenómeno na Europa de partidos cujas características incluem o nacionalismo e o populismo que, apesar de ter estado sempre presente, tem assistido a um crescimento e a um aumento de apoio eleitoral.
Tal, causa crescente preocupação, especialmente desde as eleições de 2014, uma vez que estas significaram uma mudança dramática para a direita política. Ao reforçar estes resultados, as eleições de 2017 conduziram a relatos de uma ‘revolução populista’ e a um aumento da extrema-direita que continuava a tendência de 2014, do Brexit e da eleição de Donald Trump [1].
Assim, este contexto aumentou a atenção académica dada ao populismo e à extrema-direita.

Presença da extrema-direita na Europa

Apesar dos recentes eventos, o aumento do apoio a partidos de extrema-direita já era sentido nos anos 90, através, por exemplo, da interpretação da dissolução da União Soviética como uma vitória sobre o ‘comunismo’, do reforço do nacionalismo racial e do aumento da migração internacional [2]. De facto, estes partidos tiveram a capacidade de se adaptar às mudanças estruturais do pós-guerra, tanto que o seu apoio aumentou na mudança de milénio, conseguindo participar em eleições e até pertencer a governos [3, 4].
Como tal, em 2012 existiam sinais de movimentos e partidos políticos marcados pelo nacionalismo, anti-imigração e islamofobia, principalmente motivados pela crise económica de 2008 e pela crise dos refugiados [5]. Posteriormente, nas eleições de 2014 e 2017, os partidos populistas de direita competiram na maioria dos países e alguns até pelo poder, o que mostra o desafio que representam tanto para os sistemas políticos internos como europeus [1].
Existem atualmente na Europa vários movimentos de extrema-direita com assento parlamentar, seja a nível nacional como europeu, os quais têm aumentado significativamente [5, 7].

Crescimento da extrema-direita na Europa

Com a vitória do Brexit aclamada pelo Partido Independente do Reino Unido em 2016, a reabilitação da Frente Nacional, o advento de novos partidos e o seu crescente poder na Alemanha, Áustria, Países Baixos, Suécia, Hungria, Finlândia, Dinamarca, Grécia, França, Itália e Polónia, a extrema-direita e o populismo de direita têm crescido na Europa [5, 9]. Esta tendência de crescimento é evidente na participação e apoio de vários destes partidos a governos nacionais da Croácia, Estónia, Letónia, Países Baixos, Polónia, Sérvia, Eslováquia, Suíça, Bulgária, Dinamarca, Espanha e Noruega [4, 10].
Além disto, os partidos populistas e de extrema-direita aumentaram também a sua representação no Parlamento Europeu, sendo que agora 10% dos partidos e 13% dos assentos parlamentares pertencem a partidos de direita eurocéticos ou hostis [7]. Como tal, as eleições europeias representaram uma perda para a democracia e demostraram como a extrema-direita e o populismo se têm tornado normalizados e generalizados [11].

O que é a extrema-direita?

Para melhor entender o tópico, é preciso distinguir entre direta radical e extrema-direita, pois a primeira pretende uma reforma do sistema político e económico sem a eliminação da democracia, enquanto a última é explicitamente contra a democracia [10].
Focando na extrema-direita, apesar da multiplicidade de definições, estas têm três elementos em comum: o reconhecimento da desigualdade entre pessoas como parte da ordem natural, o nacionalismo como base para este reconhecimento, e o extremismo [10, 12]. Adicionalmente, as suas características centrais são o populismo e o nacionalismo [1].
O populismo defende que a política deve refletir a vontade do povo e insurge-se contra a elite por esta defender valores liberais de individualismo, internacionalismo e multiculturalismo, e, por isso, corromper a ordem natural [5, 10]. Apesar disto, o populismo procura distanciar-se do extremismo e da violência para ser entendido como ‘menos grave’, e, assim, se manter legal e atrair a simpatia dos cidadãos [6]. De facto, denotam-se paradoxos interessantes, pois alguns destes partidos dizem-se amigáveis para com a comunidade LGBT+ e feministas com o intuito de parecerem mais convencionais [5].
O nacionalismo promove a união e identidade de um país e a sua homogeneidade [1]. Segundo isto, o Estado é a unidade primária de organização humana, pelo que para se pertencer a uma nação tem de se aceitar os seus valores culturais [10].
Assim, a extrema-direita tem como objetivo salvaguardar a cultura de um país e mantê-lo etnicamente homogéneo, pelo que o ponto de divisão não é a religião, etnicidade ou raça per se, mas a necessidade destes de se adaptarem e integrarem na cultura dominante [5, 6]. Como tal, o nacionalismo quer reestabelecer a soberania nacional, recuperar o controlo ‘perdido’ para instituições supranacionais como a UE, e promover o que é nacional [13].
Contudo, importa distinguir estes partidos do fascismo, o qual pretende uma revolução que derrube a ordem liberal democrática. Apesar da partilha de várias características, como o extremismo, o populismo e o nacionalismo, só um pequeno número destes segue esta ideologia [5]. De facto, com a ampla aceitação na Europa do liberalismo democrático, os níveis de prosperidade que o capitalismo produziu, o imperialismo e o militarismo a serem descreditados e o nacionalismo revolucionário a ser associado com a guerra e destruição, o fascismo já não está presente na maioria da Europa [10]. Além disto, os partidos de extrema-direita têm-se distanciado do neonazismo, uma vez que as suas atitudes são dirigidas a Muçulmanos e não Judeus [6]. Alguns autores, como Mudde, chamam a isto ‘nativismo’, uma combinação de nacionalismo e xenofobia que leva a posições anti-imigração, anti-Europa e anti-Islão [4]. Estes distanciamentos beneficiam-lhes, pois tem-se verificado que lhes dá melhor probabilidade de sucesso [1].
Contudo, existem pontos de divisão entre partidos, tais como o grau de extremismo, a violência, a relação com o fascismo, a intervenção estatal na economia e a posição em assuntos sociais [1]. Apesar destas diferenças, todos têm o mesmo objetivo, embora com intensidades diferentes, nomeadamente a luta contra a integração europeia [7]. Para isso, eles competem primeiro em assuntos de dimensão sociocultural, como o crime, segurança, imigração e a UE, e só depois socioeconómicos [4].
Para tal, alimentam uma ideia de ‘nós’ contra ‘eles’, o que conduz à exclusão de grupos de indivíduos, normalmente por critérios culturais, religiosos ou étnicos [1, 5, 10]. Isto produz políticas anti-imigração que excluem imigrantes e minorias raciais e étnicas, as quais criam divisões entre grupos e atentam contra a democracia liberal. Tal tem sido verificado na preocupação destes partidos com a presença do Islão na Europa e no uso dos Muçulmanos para criar um ‘inimigo’ no qual as inseguranças são projetadas [1, 5, 10].

Fatores subjacentes à reemergência da extrema-direita

Existem diversos fatores subjacentes à reemergência da extrema-direita, como a globalização, o progresso tecnológico e a crise económica, sendo que estes têm
potenciais efeitos no aumento da insegurança económica e na degradação social. Por exemplo, a crise económica de 2008, e consequente aumento do desemprego, beneficiou o aumento do apoio da extrema-direita e a deterioração da confiança nas instituições nacionais [9, 14].
Assim, a vertente populista da extrema-direita exacerba sentimentos negativos e propõe soluções autoritárias [4, 5, 7, 14]. Como tal, aqueles frustrados com estes contextos acabam por apoiar partidos de extrema-direita, pois estes prometem a criação de uma sociedade melhor para os nacionais. Esta preferência pelo nacional leva à ideia de que o emprego, habitação e outros benefícios devem ser preservados para os nativos [10]. Assim, outra questão central para a ascensão da extrema-direita é a imigração, uma vez que as crises económicas e sociais levaram a um grande aumento da migração para países europeus [5, 9]. Estudos realizados em países europeus demonstram que tal está relacionado com o aumento do sucesso dos partidos de extrema-direita [5, 6, 10, 13, 14].
Isto deve-se a muitos cidadãos europeus considerarem o aumento da diversidade social, cultural e religiosa uma ameaça à segurança dos países, sendo isto aproveitado por estes partidos para aumentarem a sua popularidade [6, 9]. Além disto, os imigrantes são vistos pelos nacionais como competição em termos de trabalho e recursos públicos, o que exacerba as consequências negativas trazidas pelas crises económicas, e, assim, os sentimentos negativos de uma dada população aos imigrantes [15].
Então, os apoiantes destes partidos receiam que os imigrantes sejam uma ameaça não só para a economia do país, mas também para a homogeneidade cultural e tradição nacional. Por isso, para aqueles que mais sofreram com a crise económica, o grupo minoritário é o alvo mais fácil de culpabilizar pelos problemas sociais e económicos do país [6, 10, 13]. O sucesso destes partidos resulta igualmente de sentimentos negativos associados ao aumento da diversidade cultural num dado país [5, 9, 10, 13, 15].
No entanto, como visto, estes sentimentos negativos têm-se concentrado agora em imigrantes Muçulmanos, os quais são percecionados como uma ameaça e um
encargo financeiro ao país, sendo também negativamente associados a ilegalidade, crime, extremismo e radicalismo, tendo tal exacerbado discursos de islamofobia [5, 6, 9].
Deste modo, para os apoiantes dos partidos de extrema-direita, o racismo, xenofobia, discriminação e discursos de ódio direcionados a minorias estão muito associados aos tópicos da imigração e diversidade [9]. A presente pandemia, pelas suas consequências sociais e económicas, tem o potencial de exacerbar estes sentimentos [14].

Perigos da extrema-direita

A reemergência do fenómeno da extrema-direita tem alarmado a esfera social, política e académica de vários países, o que acarreta novos desafios, especialmente para os países que se querem distanciar da discriminação e exclusão e promover valores liberais e democráticos [1].
Assim, isto pode afetar o desenvolvimento das sociedades europeias, o qual é baseado na liberdade, modernização e multiculturalismo, podendo ainda ter implicações nas políticas de imigração, nomeadamente no que diz respeito à crise dos refugiados [15].
Deste modo, os indivíduos associados a estas políticas de extrema-direita devem ser tomados como uma ameaça séria à democracia e à atual ordem social e devem ser combatidos pelos diferentes países e instituições europeias. Principalmente devido à história de certos países europeus, como aqueles envolvidos no Holocausto, é especialmente importante que a extrema-direita seja eficazmente combatida [5, 7].

  1. Halikiopoulou, D. (2018). A Right-wing Populist Momentum? A Review of 2017 Elections Across Europe. Journal of
    Common Market Studies. 56, 63-73. DOI: 10.1111/jcms.12769
  2. Virchow, F. (2013). Creating a European (Neo-Nazi) Movement by Join Political Action?. In A. Mammone, E. Godin, & B.
    Jenkins (Eds.). Varieties of Right-Wing Extremism in Europe (Chap. 12, pp. 197-213). New York: Routledge.
  3. Camus, J., & Lebourg, N. (2017). Conclusion: Might the Far Right Cease to Be?. In J. Camus, & N. Lebourg (Eds.). Far-Right
    Politics in Europe (pp. 250-254). London: Harvard University Press.
  4. Akkerman, T., de Lange, S. L., & Rooduijn, M. (2016). Inclusion and mainstreaming? Radical right-wing populist parties in
    the new millennium. In T. Akkerman, S. L. de Lange, & M. Rooduijn (Eds). Radical Right-Wing Populist Parties in the
    Western Europe. Into the mainstream? (Chap. 1, pp. 1-28). New York: Routledge.
  5. Vieten, U. M., & Poynting, S. (2016). Contemporary Far-Right Racist Populism in Europe. Journal of Intercultural Studies. 36
    (6), 533-540. DOI: 10.1080/07256868.2016.1235099
  6. Pisoiu, D., & Ahmed, R. (2016). Capitalizing on Fear: The Rise of Right-Wing Populist Movements in Western Europe.
    Organization for Security and Cooperation in Europe Yearbook 2015, 165-176. DOI: 10.5771/9783845273655-165
  7. Stöss, R. (2017). What Does the European Far Right Want? In R. Stöss (Ed.). Trade Unions and Right-Wing Extremism in
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  8. Kaya, A. (2017). The Rise of Populist Extremism in Europe: Lost in Diversity and Unity. CoHERE Work Package 2.
    Disponível em: https://digitalcultures.ncl.ac.uk/cohere/wordpress/wp-content/uploads/2017/01/WP-2-Kaya-Critical-Analysis-
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  9. Golder, M. (2016). Far Right Parties in Europe. Annual Review of Political Science. 19, 477-497. DOI: 10.1146/annurev-
    polisci-042814-012441
  10. Mudde, C. (2019, Maio 28). The far right may not have cleaned up, but its influence now dominates Europe. The Guardian.
    Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/may/28/far-right-european-elections-eu-politics
  11. Jamin, J. (2013). Two Different Realities. Notes on populism and the extreme right. In A. Mammone, E. Godin, & B. Jenkins
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  12. Halikiopoulou, D., & Vlandas, T. (2019). What is new and what is nationalist about Europe’s new nationalism? Explaining the
    rise of the far right in Europe. Nations and Nationalism. 25 (2), 409-434. DOI: 10.1111/nana.12515
  13. Edo, A., & Giesing, Y. (2020). Has immigration contributed to the rise of right-wing extremist parties in Europe? (No 34).
    Disponível em: https://www.econpol.eu/sites/default/files/2020-07/EconPol_Policy_Report_23_Immigration_Far_Right.pdf
  14. Davis, L., & Deole, S. S. (2017). Immigration and the Rise of Far-right Parties in Europe. Leibniz Institute for Economic
    Research at the University of Munich. 15 (4), 10-15. Disponível em: https://www.ifo.de/DocDL/dice-report-2017-4-davis-
    deole-december.pdf

Crónica escrita por Vânia Sampaio e Sara Afonso, recém-licenciadas em Criminologia pela Universidade do Porto, e a completar mestrado em Terrorismo, Crime Internacional e Segurança Global no Reino Unido

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