A Família de Dário diante de Alexandre
Presumindo-se encomendada, A Família de Dário diante de Alexandre apresenta-se aos nossos olhos como uma tela de 2,36m por 4,74m pintada com cores vibrantes que para além de nos contar uma história está a imortalizar o exacto momento em que todas aquelas figuras foram imaginadas pelo pintor. Um conjunto de pessoas que, em movimento entre vários pontos A e B, foram imortalizadas num ponto C. Paolo Veronese terá começado por explicar aos Pisani, seus patronos, o que veriam no resultado final do que estavam a pagar. A eles e depois a nós, seus posteriores, fica a apresentação que Paolo terá realizado algures a meio de uma manhã solarenga de 1565 na cidade de Veneza, quando era apenas Paolo Caliari.
Chegou mais cedo e mandou retirar a tapeçaria gigante que cobria uma das paredes do Salão Nobre. Fê-lo com tal convicção que se diria ter nascido naquela casa. Ninguém o questionou, nem nisso nem na abertura de toda a fila de janelas que davam para o Grande Canal. Nela, vazia, incidiu todo o seu foco e lá colocou a atenção de todos os que foram entrando naquele salão onde um jovem pintor falava de um quadro imaginário ainda por pintar; Sabem que Alexandre não teria mais do que um metro e meio? É curioso não é? Um dos maiores impérios do mundo, conquistado por um pequeno homem que ficou com o nome de Alexandre o Grande. E estas aqui, que viram o seu filho, pai e marido, desaparecer do campo de batalha com um exército cinco vezes maior ao dos Macedónios. Será que ele sabia que ía ser derrotado? Imaginem os últimos momentos do homem a perceber o que lhe estava a acontecer. Citando de cor “Agora sou eu quem possui a terra, já que os deuses a deram a mim, e cuido dos teus soldados que se juntaram a mim por vontade própria. Venha, portanto, a mim, pois sou o senhor de toda a Ásia.” Continuando a admirar o seu quadro imaginário; Alexandre tinha um amante, Heféstion, sabiam? Dizem que quando ganhou a Pérsia, foi-lhe oferecida a família de Dário, a Mãe, a mulher e as filhas que, ao receberem Alexandre na sua tenda, se ajoelharam em frente a Heféstion, pensando que ele é que era Alexandre. Vejam-no aqui, vestido de vermelho escarlate, a assumir o papel. Quando perceberam o erro pediram desculpa mas Alexandre ainda disse, talvez sussurrando primeiro ao amante e depois em voz alta a elas, Heféstion também é Alexandre. Quero, se Vossas Mestrias mo permitirem, retratar a cena em que as mulheres da família de Dário recebem o séquito de Alexandre O Grande na sua tenda, após a batalha de Isso, em que Dário é derrotado e as deixa para trás. Nele, poderemos ver a confusão das mulheres perante o engano de se ajoelharem diante de Heféstion, confundindo-o com Alexandre. A cena é inspirada nesse mito de confusão, em que aquele que parece O Grande, é apenas o amante do rei. A multidão que assiste e acinte será retratada à moda da Veneza do século XVII e não à moda da Macedónia de antes de Cristo.
Paolo acabou por usar figuras conhecidas da sua cidade, dos seus patronos os Pisani, e da sua família, colocando-se a ele mesmo como o apresentador da família ao rei. A mãe, mulher e filhas do derrotado Dário III da Pérsia estão de joelhos, em frente a uma figura magnânima vestida de vermelho escarlate, enquanto o suposto Alexandre, de armadura, lhe sussurra algo ao ouvido.
Terá sido esta encomenda o que despoletou uma das obras mais vibrantes do Renascimento Europeu. O quadro está exposto na National Galery na Trafalgar Square em Londres entre as 10 e as 18 horas, excepto às sextas que está até às 21h. Nunca lá fui, nunca o vi mas li tanto sobre ele que tenho de continuar o que Paolo me continua a suspirar ao ouvido. Fascinado, sempre fui, pelas obras de arte que se propõem a descodificar as complexas complexidades do amor, do ódio ou da guerra. Parecem impossíveis no seu desígnio codificado e no entanto também a nós nos descodificam. E se a arte é a sensível arte da descodificação impossível, nós seremos sempre servos da sua vontade. E nesse caso Veronese é Alexandre O Grande e eu apenas Heféstion.